É bom irmos treinando os meninos a carregarem suas próprias coisas... seus brinquedinhos novos e os antigos, seus cacaréus que eles tanto amam.
Se não aprenderem a carregar seu próprio fardo, como serão atenciosos, elegantes e gentis conosco, mulheres delicadas e frágeis?
Digo isto porque, à tardinha, vi aquela mulher chegar do mercado com o carrinho lotado de compras. Hoje, terça-feira, é dia de promoções. Ainda por cima, a coitada estava com um dos ombros_ justamente o direito( e isto para o destro é um problema) lesionado.
Foi chegando ao prédio, devagar, e, ao mesmo tempo em que se deslocava , um homem acompanhava seus passos, vindo pelo lado oposto. Chegaram juntos ao portão de entrada.
Ele mirou-a, olhou para o carrinho de soslaio e ficou ali, parado, como se estivesse brincando de estátua, com um meio sorrisinho, esboçado no canto esquerdo da boca.
Ela fez-se de desentendida, ajeitou os cabelos recém coloridos,o casaquinho carmim de lã leve e esperou algum comportamento que denotasse elegância. Esperou... mas qual nada! Parado como estava o brutamontes ali ficou.
Então, colocou a chave na fechadura , abriu o pesado portão bem devagar e olhou para a portaria. Sim, o zelador lá estava, meio cabisbaixo, tentando fugir daquela 'operação'. Mas ela acenou-lhe, chamou -o pelo nome: "_ Nogueira, por favor!" Não tivera como escapar...
Veio, meio contrariado, quase enraivecido olhando com o 'rabo' do olho o vizinho que ignorava tudo solenemente.
O condômino era um homem maduro, porém espadaúdo, forte, musculoso, com postura atlética. Deu tempo para reparar as qualidades físicas do indolente.
Assim que o carrinho foi suspenso _ há meia dúzia de degraus na entrada, o homem rapidamente alcançou o elevador; mas tocou-se. Algo o fez virar-se e perguntar à mulher, com meias palavras sussurradas, se ia subir.
"_Sim, sim!..." disse ela quase aflita.
Carrinho de compras no elevador, ele aperta o seu botão. Nada mais. Ela vira-se, aperta o número do seu andar. Encosta-se displicente, cansada. Ele a repara . Ele a vê, finalmente!
Um tantinho ardilosa diz sorrindo com certa malícia: " Depois dizem que a mulher é a parte fraca..."
Ele retruca, sorrindo, tentando aparentar inteligência e persuasão:
"_ Mas, veja, somente na parte física. Você teve que pedir ajuda ao porteiro..."
Ela retruca: "_ Porque você não pegou o peso..."
"__ Mas eu posso!" disse ele rapidamente, pegando e levantando o carrinho várias vezes, como a provar que aquilo, para ele, nada pesava.
Quase chegando no seu andar, ela, satisfeita pelo embaraço do tal diz, ainda sorridente: "_ Agora não vale, perdeu pontos, amigo..."
Esperou ele abrir a porta de madeira pesada e saiu, sorrindo. Ele sorria também.