terça-feira, 20 de outubro de 2015

EMBARAÇO NO ELEVADOR

     É bom irmos treinando os meninos a carregarem suas próprias coisas... seus brinquedinhos novos  e os antigos, seus  cacaréus que eles tanto amam.
     Se não aprenderem a carregar seu próprio fardo, como serão atenciosos, elegantes e gentis conosco, mulheres delicadas e frágeis?
     Digo isto porque, à tardinha, vi aquela mulher chegar do mercado com o carrinho lotado de compras. Hoje, terça-feira, é dia de promoções. Ainda por cima, a coitada estava com um dos ombros_ justamente o direito( e isto para o destro é um problema) lesionado.  
     Foi chegando ao prédio, devagar, e, ao mesmo tempo em que se deslocava , um homem acompanhava seus passos, vindo pelo lado oposto. Chegaram juntos ao portão de entrada.
     Ele mirou-a, olhou para o carrinho de soslaio e ficou ali, parado, como se estivesse brincando de estátua, com um meio sorrisinho, esboçado no canto esquerdo da boca.
     Ela fez-se de desentendida, ajeitou os cabelos recém coloridos,o casaquinho carmim de lã leve e esperou algum comportamento que denotasse elegância. Esperou... mas qual nada! Parado como estava o brutamontes ali ficou. 
     Então, colocou a chave na fechadura , abriu o pesado portão bem devagar e olhou para a portaria. Sim, o zelador lá estava, meio cabisbaixo, tentando fugir daquela 'operação'. Mas ela acenou-lhe, chamou -o pelo nome: "_ Nogueira, por favor!" Não tivera como escapar...
      Veio, meio contrariado, quase enraivecido olhando com o 'rabo' do olho o vizinho que ignorava tudo solenemente. 
     O condômino era um homem maduro, porém espadaúdo, forte, musculoso, com postura atlética. Deu tempo para reparar as qualidades físicas do indolente.
     Assim que o carrinho foi suspenso _  há meia dúzia de degraus na entrada, o homem rapidamente alcançou o elevador; mas tocou-se. Algo o fez virar-se e perguntar à mulher, com meias palavras sussurradas, se ia subir.
     "_Sim, sim!..." disse ela quase aflita.
     Carrinho de compras no elevador, ele aperta o seu botão. Nada mais. Ela vira-se, aperta o número do seu andar. Encosta-se displicente, cansada. Ele a repara . Ele a vê, finalmente!
     Um tantinho ardilosa diz sorrindo com certa malícia: " Depois dizem que a mulher é a parte fraca..."
     Ele retruca, sorrindo, tentando aparentar inteligência e persuasão:
     "_ Mas, veja, somente na parte física. Você teve que pedir ajuda ao porteiro..."
     Ela retruca: "_ Porque você não pegou o peso..."
     "__ Mas eu posso!"  disse ele rapidamente, pegando e levantando o carrinho várias vezes, como a provar que aquilo, para ele, nada pesava.
     Quase chegando no seu andar, ela, satisfeita pelo embaraço do tal diz, ainda sorridente: "_ Agora não vale, perdeu pontos, amigo..."
     Esperou ele abrir a porta de madeira pesada e saiu, sorrindo. Ele sorria também.
    

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

UM HOMEM REALIZADO


 
     Gosto do mês de outubro. Mês das flores__ afinal, estamos na Primavera! dos pássaros, dos seus ninhos ornados e aconchegantes, dos caminhos em jardins arrematados pela excentricidade dos perfumes. Gosto de outubro. É o clima ameno, o verão se aproximando, as noites ainda frescas, as brisas suaves derrubando flores inquietas. Gosto muito deste cenário que a natureza nos reserva a cada ano.
     Preferia setembro, quando começa a estação temperada. Mas foram tantos os parentes e os amigos que faleceram nesse mês que agora me acautelo. Neste ano mesmo, um querido amigo poeta e agitador cultural partiu para o mundo incorpóreo e, quero crer, que continua com suas inspirações e sua verve literária a encantar os anjos.
     Mês de muitas comemorações: Dia das Crianças, de Nossa Senhora Aparecida_ a Padroeira do Brasil, Dia Mundial do Escritor, Dia de Incentivo à Leitura, Dia do Poeta, das Aves, de São Francisco, que é o mesmo que o da Natureza e dos Animais... Então, é alardear e comemorar.
     Um mês pra ninguém botar defeitos!


     Porque vejo, com um certo desgosto, que a maioria passa , não caminha. E é diferente. Caminhar é você reparar por onde vai. Vagarosamente, a saborear o que de belo a Natureza tem a nos oferecer. Passar não.
     Passar é ir de um lugar para outro sem dar a mínima atenção ao redor. Geralmente, com um celular numa das mãos. Com a mente agitada, alimentada por pensamentos inquietos, que se confundem e  atordoam.
     Conheço um bom velhinho que  ainda exercita o corpo limitado fazendo Pilates com restrições, pois completou noventa e dois anos! Ele saboreia a vida. Médico já aposentado há um bom tempo, se dedica uma vez a cada quinze dias a clinicar voluntariamente. Evita táxis. Não tem carro. Prefere andar pelas ruas do bairro observando tudo, conversando com os comerciantes .     Às vezes, viaja para passar uns dias no seu apartamento em Friburgo... de ônibus, naturalmente.
     Inteligente, conversa com sabedoria e vivacidade.
     Questionado por um colega sobre o sorriso sempre estampado, apesar dos problemas naturais da velhice, responde, com um ar gracioso: "_Ah! Sou um homem realizado!"
     Aprendo com ele. É atencioso, gentil e educado. Porque a pior coisa na velhice, sem dúvida, é tornar-se amargo , invejoso, desiludido e saudosista extremado, nublando o coração.
     Na nossa aula mais recente me confidenciou que está quase cego de uma vista, em virtude de um glaucoma que o persegue. Mas ele não se deixaria abater por isso! Já que enxerga com o outro olho, então iria ao cinema, que adora. Há uma sala perto de sua residência, onde geralmente exibe filmes de arte. E é pra lá que ele vai, sempre que muda a programação da semana. Vai caminhando, claro, devagar, apreciando tudo ao seu redor. Inclusive as flores.