domingo, 24 de abril de 2016

TIM-TIM POR TIM-TIM

     No mundo acanhado onde vivemos,  receosos do outro, desconfiados, temerosos  dos pequenos flagelos  que nos espreitam diariamente, as atitudes tornaram-se tolhidas e dissimuladas.
     É por isso que admiro a espontaneidade das crianças, sua alegria nata, a sinceridade que brilha em seus olhos atentos. Ainda não foram contaminadas pela malquerença, pelo escárnio e pela inveja.
     Quando uma criança nos abraça, nos abraçam a leveza, a bondade, a pureza, a coragem, a verdade.
     Enquanto isso, os adultos, pobres coitados, penam... Olhares cabisbaixos, reticentes, sofreguidão pela tal felicidade que custa a chegar. Príncipe encantado? Já era!  Emprego ideal? É aquele que nos enche a pança! Amigo pra valer? É quem tem a coragem de nos ouvir contar, tim-tim por tim-tim, toda aquela mesmice triste repetida em vários encontros.
     Os tempos são outros... não há dinheiro para sessão de terapia, então o jeito é confiar em alguém e soltar o verbo!...Melhor do que represar a emoção até virar uma grande bola de desespero, difícil de desmanchar.
     Mas poderia aqui sugerir diversos outros caminhos alternativos para distrair a mente e posicionar-se ante o mundo de maneira solidária , amistosa e fraterna pra valer! Isto nos fará um enorme bem.
      Não precisa ser religioso para saber que a vibração amorosa , o entendimento, a harmonia, o não julgamento, enfim, as qualidades que apreciamos no outro, mas que insistimos em  não cultivá-las em nós próprios , talvez por simples preguiça_ já que requer algum esforço e boa vontade, estas atitudes internas revolucionarão, paulatinamente, o nosso ser.
     E a felicidade estará lá, bem dentro de nós, assim como a saúde, a alegria pura, e a tão desejada paz.

terça-feira, 19 de abril de 2016

C'EST TERRIBLE!...

     Um tapa na coxa foi o que a jovem francesa recebeu, inesperadamente. Um susto! Um grito abafado pela embaraço do momento, um sorriso e caiu morto o mosquito ameaçador.
     Na fila pequena do mercado, eu aguardava pacientemente o atendimento feito por um só lento funcionário.  Fila dos frios, dos queijos e salames, das pastas que atraíram os olhares gulosos das moças. Chegaram com aquele jeito largado, próprio da mocidade,  havaianas gastas, sorrisos sem fim, tagarelices à solta,  dispostas a encararem tudo com alegria e desprezo às convenções.
    Por um pequeno descuido, tomaram o meu lugar com a mesma irreverência com que me perguntaram sobre o significado de "manjerricón"... Expliquei. Explicamos, sofregamente, eu e uma outra da fila, que aproveitou para usar o seu francês maltrapilho...
     Percebi que aquele mau cheiro teimoso não vinha dos queijos, e sim das jovens estrangeiras. Era quase insuportável, apesar da tradição dos perfumes em sua terra natal.  Mas a falta de banho das turistas era inegável. Aquilo causou-me um grande mal-estar. Era tão forte que quase não conseguia respirar.
     Não sei se este foi o motivo da aproximação de  um mosquito, que pousou  logo abaixo da bainha do minúsculo short  encardido de uma delas. Sem titubear, matei-o, num só golpe!... Ato de puro instinto.
     Somente segundos depois, percebi o embaraço criado... Elas riam, mas um riso desconcertado, perplexo, sem entenderem o motivo do meu ato. Revelei, então, às moças o que acontecera. O perigo que as rondara e que apenas quis impedir que algo muito ruim pudesse lhes acontecer. As palavras atropelaram-se e tentei explicar-lhes sobre o moustique que anda causando danos por aqui...
     Não sei se me compreenderam, então, tentei aparentar a mesma naturalidade das jovens. Deslizei, saindo à francesa, atenta aos produtos expostos na vitrine, fingindo interesse por alguns até ser atendida no outro balcão.
    
      

domingo, 10 de abril de 2016

ESPECIALISTAS...

     Já ouviram falar em 'dor de esporão'? Pois é... uma conhecida minha contou-me que é terrível. A pessoa não consegue pisar, só mesmo voar com a sua intelectualidade ou com os seus sonhos, se for devanear.
     Primeiro, tentou métodos naturais oferecidos pela internet. Descobriu um em que folhas de couve eram maceradas, e colocadas num saco, junto com o pé doente. Passavam-se horas e ela ali, firme. Quase levou um tombo , pois escorregara com a tal lambança. 
     Então, desiludida com este método, lá foi ela procurar um ortopedista. Ofereceram-lhe um especialista em pé! Ortopedista especialista.
     Tá bom, pensou. Foi medicada a princípio com pomadas_ que nada lhe valeram;depois , com uma injeção _disse-me que na nádega, pra garantir menos desconforto.
     Passando por tudo isto achou que estava assegurada  a melhora... Mas qual o quê! Duas infiltrações no calcanhar tiveram que ser aplicadas, pelo mesmo médico em questão. Uma num mês, outra no seguinte.
     A dor diminuiu, mas o valor da infiltração de um mês para o outro, aumentou cinquenta por cento!... Ah! E um novo creme deveria ser feito em farmácia de manipulação indicada pelo doutor... Tinha mais confiança, dissera ele.
     Minha amiga ficou arrasada depois de tantos percalços. Mas conseguiu livrar-se do terrível incômodo.
     Certo dia, num desses encontros fortuitos, num shopping da cidade, Palmira revelou-me que a dor voltara, insuportável. Agora, no outro pé! Tentei conversar amenidades, distrair-lhe a mente, ofereci-lhe um café, mas ela estava determinada a contar-me os últimos acontecimentos, em detalhes. Seu estado de ânimo era desolador.
     Sentadas confortavelmente na cafeteria, ouvi dela a dificuldade para conseguir uma consulta. Num telefonema breve, informaram-lhe que naquele dia_ uma sexta-feira, só havia ,na clínica, ortopedista especialista em joelho! De modo que ela teria que esperar a próxima semana.
     Inconformada, disse à funcionária que iria assim mesmo, pois como médico de ossos saberia aplicar-lhe uma infiltração no calcanhar. Mas desistiu. Preferiu dormir solta, a tarde toda, com os pés pra cima, aliviando tensões.
     Lembramo-nos , então, dos 'médicos de família' como eram chamados, lá pelos idos da década de sessenta e que estas novas gerações nem imaginam. Eu logo me reportei à  infância, onde o Dr. Oswaldo, um senhor de meia idade, gorducho, calvo e de fartos bigodes,  bonachão, sempre esboçando um sorriso bondoso ia até a nossa residência e nos consultava a todos: papai, mamãe e eu.
     Que facilidade. Tudo era mais simples, inclusive as próprias doenças, os achaques eram resolvidos pelo conhecimento aliado à simplicidade  e a  tranquilidade do médico nos transmitia segurança.
     Hoje, tudo diferente, só nos resta aceitarmos e procurarmos viver atentas às mudanças, certas de que sempre serão atenuadas pela prosa regada a goles quentinhos de um café gostoso e  deliciosos cookies de chocolate. A vida fica mais doce.