quinta-feira, 6 de outubro de 2016

UMA ESPIADINHA NO MAR...

   
" _ Coisa que não acaba no mundo é gente besta e pau seco."
(Manoel de Barros)
 
  Hoje o dia estava pra relaxar, ficar em casa, resolvendo pequenas coisas, afazeres cotidianos, breves pesquisas, relendo poemas, pintando aquarelas.  Aquele telefonema que estava adiando para o amigo conversador, aquela arrumação na gaveta dos biquínis, aquele novo doce de compota na panela de pressão...
     A chuvica(?) __ como insiste em dizer uma jornalista do tempo, famosa pela elegância e pelos tropeços no idioma... não, não, recuso-me a inserir o pretenso vocábulo . Seria chuvinha mesmo, ou chuvisco! Ou seja, uma chuva fininha, que não causa muitos danos , isto se você não estiver dirigindo um veículo, é claro; a chuvinha foi quase um embaraço para quem, como eu, gosta de apreciar o mar bem de pertinho.
     Por que não me aquietei em casa, com atividades que me proporcionam tanto gosto?  Mas não. Tinha que dar aquela espiadinha, conferir tamanha beleza,  mesmo em tempo chuvoso.
     Ventava um pouco. Ah... sentir o ar em movimento, me despenteando e afagando meu rosto,  não há palavras suficientes que descrevam este prazer.
     Sim, o marzão estava ali e toda a maravilha da plenitude de uma tarde de fim de inverno, com céu de um suave azul, pontilhado por nuvens brancas e plúmbeas rolando no horizonte. Um grande pássaro arriscou seu voo vespertino.  E eu fiquei ali, encolhido o meu corpo no moletom lilás, mãos geladas nos bolsos do casaco e a alma livre a sentir-me acolhida pela pujança da natureza.
     Até que o vento ficou mais robusto, as nuvens se encorparam e resolvi voltar para o aconchego do lar.
     No caminho, passando pela estação do metrô, já que alguns funcionários se aglomeravam para conversar, pensei em  aproveitar para tirar dúvidas quanto ao percurso do ônibus. Ao aproximar-me, no entanto, vi que somente um falava muito, cheio de trejeitos e as outras(eram todas mulheres) só escutavam, sentadas e riam, riam sem pausa.
     Assim que disse que queria uma informação, o homem virou-se para mim e retrucou, com sua voz feia , esganiçada, com forte sotaque : " Só darei informação se você pagar por ela!". Riram mais... Eu, espantada, questionei sobre os seus modos e ele continuava a repetir, repetir tal grosseria. E elas riam, riam da exibição do infeliz.
     Dirigi-me a uma das funcionárias então, mas ele, sarcástico, feio, provavelmente cheio de complexos, vira-se para a colega e arremata: " Não dê informação a ela, não, viu? Ou cobre. Depois rachamos..."
     Atordoada, saí dali, arrependida de ter parado. E eles falaram alto: " Senhora, pode perguntar, era brincadeira..."
     O mundo está ficando estranho, esquisito, ou sou eu que estou a exigir demais? Tão bom quando as pessoas se entendem, se respeitam, são naturalmente fraternas e bem educadas.
     Não é a condição social, nem o lugar de origem, nem a formação. Não. Já vi  e presenciei muita manifestação de arrogância e raiva, com palavras rudes , revelando um desassossego interno, sob os panos da pretensa cultura que se afirma ter e da origem abastada  que proclamam com soberba.
     Acho que talvez o caso em questão seja apenas (?) imaturidade da consciência. Melhor pensar assim.