domingo, 29 de outubro de 2017

CARIDADE?

     Amizade ou caridade_ esta é a questão.
   Não saem da minha memória  as palavras que ouvi de uma  amiga dos tempos da mocidade, comentando a respeito de uma amiga comum (vou chama-la de Gertrudes).
     Soou-me mal. Muito mal. Disse-me ela que , como Gertrudes está passando um período difícil, ela fez uma tremenda caridade! Telefonou-lhe.
     Conversou, aconselhou, "fiz uma grande caridade", disse-me, enfaticamente
     Encrespei-me. Não domino ainda a grande sabedoria dos mestres: o silêncio nestas horas é precioso. Porque nada adiantam nossas considerações e palpites, pois a outra pessoa está certa como dois e dois são quatro!
     Então questionei-a: "Caridade? Mas isso não é um exagero? Não seria o exercício da mais profunda e sincera amizade? Você telefona, aconselha, conversa..."
     E como a minha amiga_ vou chamá-la de Joana_ insistisse muito, chegando a afirmar suas certezas sobre caridade atabalhoadamente, quase sem respirar, num crescente de ansiedade, então... calei-me.
     Calei a fala, porém os pensamentos não. Eles não sossegam. Continuam, inquietos, atordoam-me.
     Pensamos que conhecemos alguém lá de trás, que esteve conosco na mesma trilha, época de estudantes. Mas o tempo passa, a vida toma rumos inesperados, as ideias modificam, as palavras podem endurecer e o coração necrosar. Ainda bem que não acontece com todos.
     Tempos difíceis estes de agora. Muitas vezes, os amigos de antes ficaram lá no passado e a lembrança guardada é boa. Que fiquem lá, como peças importantes da vida que vivi, nos tempos de inocência e alegria pura.
     A vida às vezes machuca tanto que, se sondarmos o coração, só restarão desilusões , tristezas, amarguras.
     A ordem  agora é de reciclagem. Palavra atual. Reciclo então  as companhias, os ideais. Não se pode perde-los.  Os ideais, claro.
    



terça-feira, 17 de outubro de 2017

AMOR E PÁSSAROS

    Foi provado pelas pesquisas de um renomado cientista, sobre cristais de água, que a vibração dos pensamentos e das emoções muda a  estrutura da água.
     Ora, se o nosso corpo é formado de 90% de água,  fácil é compreender que pensamentos e emoções nele_ no corpo, interferem.
     Aos céticos ferrenhos aconselho modestamente que não estudem nem leiam sobre este assunto, a menos que não se indisponham às mudanças de pensamentos e conclusões! Assunto palpitante que nos permite ascender conscientemente, tornando-nos melhores e mais brilhantes.
     Por conta disto, tomando nas mãos um livro, cujo título , já de entrada, aguça lembranças desastrosas do momento atual da sociedade, resolvi alterá-lo, nem que fosse somente para o meu exemplar.
     Tomei do jornal_ não procurei em livros de poemas_e folheei atentamente, até  encontrar a palavra que buscava: amor, para colar na capa, por cima da palavra  ódio.

     Uma só palavra amor em todo o jornal, encontrada na coluna de Ancelmo Gois! Uma só. E tinha que estar junto aos pássaros!...
    
 

       " Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
_vós que viajais inertes
como defuntos num caixão_
se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
_Inclusive o amor e outras novidades."
(Quintana)

sábado, 14 de outubro de 2017

FILÓSOFO POP

     Na livraria do shopping, a amiga levou para casa um DVD de um filme nacional e eu, para variar, um livro. Desta vez, do incomparável Leandro Karnal.
     Fico me perguntando o motivo de tanta admiração. Simples. Descobri noutro dia: ele se expressa com absoluta franqueza.
 
     Quando palestra, todo o seu conhecimento, adquirido durante a  longa trajetória de dedicação absoluta nos estudos , pesquisas e magistério é passado de forma natural, sem afetação.
     Tenho que ter cuidado para não exagerar, mas ultimamente, dou mais ouvidos a ele do que a qualquer outro, seja na TV ou nos vídeos lançados no youtube. É uma caudalosa enxurrada de aprendizado para os ouvintes atentos, naturalmente. E, além disso, temos muitas coisas em comum!...
     Estou neste namoro há algum tempo. E cada vez mais me interesso pelas coisas que diz com tanta propriedade. O tema abordado, principalmente  nas últimas aparições,tem sido a ética.
     O livro fala sobre isto e muito mais. Discorre sobre alguns sentimentos como ódio e preconceito que existem, sim, no coração do brasileiro.
     Achei o título forte, mexeu comigo, não me fez bem. Impiedoso no tom, empurra-nos ao precipício da realidade nua e crua.
     No entanto, para mim, que não estou presa a nenhum compromisso com Universidades e que tento percorrer a estrada de um outro tipo de conhecimento, creio que o Amor, sim, é a nossa base fundamental. É o Amor que cria, assim como a raiva e o ódio destroem. Fomos criados por amor. E ele existe dentro de nós!
     Para Sri Daya Mata e muitos outros mestres, "a vida não tem sentido sem amor". Este sentimento só é encontrado nas profundezas do nosso Ser e a prática da meditação, assim como os livros, é o veículo que facilita este encontro.
     É um caminho prolongado, consciente,  de muito estudo e dedicação também. É como ele explica. Quer aprender? Simples: pegue uma cadeira, sente-se , abra o livro e comece a leitura com atenção plena!
     Quer perceber o Amor em si? Simples: respire, relaxe e pratique a meditação. Por mais breve que seja, sempre fará com que avancemos mais um pouquinho para o destino que nos aguarda: a comunhão  com o amor e a felicidade.

 
 
 
 

terça-feira, 10 de outubro de 2017

NO TÚNEL DO TEMPO

    
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 Era uma boa distração para minha mãe. Para minha mãe. Para mim, um tormento . 
     Momentos que se tornavam longos, até a etapa final: a foto! Minha mãe elaborava, idealizava e não havia foto sem mim. Ela me arrumava, arquitetava as minúcias da veste, dos adornos, todo o cenário. Haja disposição e paciência! Para minha mãe, uma diversão, que ela fazia sorrindo o tempo todo com a sua inseparável Kodak. Eu, calada, obediente, cumpria todas as determinações dela:
     "Senta aqui, filha", dizia-me com ênfase, resolvida. Apruma-te, coloca a mãozinha sobre a outra, deixando aparecer o anel."
     " Agora, dá um sorriso, filhinha!" "Isso, muito bem." "Vira de costas, pra aparecer o decote."

     Costurava todos os meus vestidos e se orgulhava muito. Afinal, os copiava de uma loja famosa da Rua do Ouvidor. Desenhava, cortava o molde, comprava a fazenda igual e ficava uma perfeição! Que mulher habilidosa era a minha mãe!
     Desde cedo, bebê ainda, todas as fotos era mamãe quem as tirava. Cada sorrisinho... um flash!, como diria aquela personagem de uma novela da Globo.
     Sentada no troninho, dormindo, ao acordar, ao cair o primeiro dente, na cadeirinha de vime, no jardim, no batente da porta...
    As festas da Escola _chegada da Primavera, dia disso, dia daquilo, todas, D. Judith não perdia a oportunidade para vestir-me a caráter e ter o prazer de fotografar-me. Sem dúvida, tinha queda para tal Arte.
     Pequena, usava os cabelos soltos; logo depois, eram presos por grandes laçarotes que eu abominava. Mas criança não dava palpite, muito menos se estava gostando ou não. Tinha dores de cabeça terríveis, mas nunca dissera nada para não desconcertar minha mãe, sempre tão animada.
     Lembro-me que aos cinco anos fomos  a um renomado fotógrafo: Marcondes. Era um acontecimento!Ficaram lindas as fotos, apesar dos laçarotes continuarem a me martirizar.
     Mais tarde, aos quinze, retornamos ao mesmo artista, mas agora, já  adolescente, tive uma pequena crise de rebeldia! Não estava gostando nem do vestido, nem do sapato, de nada, nada! E fiquei séria durante toda a viagem, em pé, de condução comum, chamando a atenção de todos, pois trajava um belo vestido de festa, de cetim cor-de-rosa.
     Minha mãe afligira-se, não sabia o que fazer para contentar-me, porém, abdicar da foto, jamais! Fomos. E hoje, ao apreciá-las,com calma,  revivo ainda aqueles momentos, tão cheios de  ilusões.
     Nas redes sociais, as pessoas estão postando suas fotos da infância. É outubro. E, abrindo o álbum, para, quem sabe, escolher também alguma, mergulhei em muitas lembranças e fui tomada por uma enxurrada de emoções...
 
     "...
porque se pode ver entre o vidro e o retrato
uma folha outrora verde, uns cabelos que já foram vivos
e agora para sempre imóveis na moldura negra
e, na fotografia, alguém está sorrindo eternamente
quando um sorriso, para ser sorriso, devia ser efêmero...
..."
(RETRATO SOBRE A CÔMODA, Quintana) 
 
 

 
 

domingo, 8 de outubro de 2017

ENREDO DE FELICIDADE

     Se a tristeza me ronda... escrevo; se é a alegria que irrompe no coração... escrevo; se nem a alegria , nem a tristeza me procuram... escrevo. Feliz passatempo que , ao longo da vida, tenho cultivado.
     A caminhada costumeira até o mar, cedinho, me faz muito bem. E mesmo me arriscando a ouvir tiroteios inesperados, ainda mantenho este hábito salutar. Hoje não foi diferente. Procurei uma cadeira banhada pelo sol num quiosque e lá fiquei.
 
 
 
 

     Um funcionário ajeitava tudo, colocando as mesinhas de madeira envernizadas e as cadeiras do conjunto harmoniosamente arrumadas. Senti-me um tanto constrangida, já que não tinha pedido o côco de sempre.
     Mas a manhã reservou-me uma surpresa. E das boas.
     Olho para o lado e o vejo trazendo um côco para mim! "Não precisa pagar" adiantou-se ele. " Este é por conta da casa."
     Agradeci, perplexa, tentei recusar, mas foi em vão. A gentileza foi feita. Restou-me agradecer e saborear.
     Sol e água de côco combinam. Mar à vista, brisas, gaivotas, cheiro de mar... Um enredo de felicidade.
     Levantei-me depois de tornar a agradecer e peguei o caminho de volta até chegar a uma cafeteria movimentada. Famílias, casais, crianças, cães. Uma suave alegria era o clima quase contagiante. Mas nessa etapa da vida, observamos. Não nos contagiamos tanto assim. Observei.
     Extravagâncias, estardalhaços da meia idade, crianças ainda sonolentas, velhinhos destemperados, garçons atenciosos e lentos. Mendigos se aproximaram, atrevidos. Uma senhora com um cão o alimentava  igualmente: pãozinho com manteiga molhado no leite, pedacinhos de pastel de nata, lascas de queijo. Conversava com ele que, impaciente, abocanhava os petiscos.
     Retornei do passeio pra casa, o coração dava mostras de cansaço.  E me detive comparando o dia de hoje com o  de ontem,  quando fiz exames numa clínica conceituada.
     Entro no vestiário, saio do vestiário, espero no corredor, vou ao banheiro, saio do banheiro, rumo para a sala do exame. Por um bom tempo um barulho estrondoso  quase dilacera o nosso cérebro! Mas sobrevivemos! Saio da sala, meio tonta, vou ao banheiro, saio do banheiro, aceno ligeiramente para uma senhora sentada, já com o seu jaleco para o exame, entro no vestiário.
     Muito lentamente e com atenção máxima volto a me vestir. A cabeça zonza. Consigo sair do pequenino compartimento vestida como antes. O lenço esvoaçante agora levo nas mãos. O gloss para os lábios não deixo de passar, recurso para um up ao rosto um pouco abatido.
     Atordoada ainda, sentei-se numa cadeira do corredor e iniciamos uma ligeira conversa com a paciente que ali estava. A fala fluía, solta, quando percebi que estava sem o meu anel. Tinha certeza de ter saído de casa com ele!
     A paciente sorri e conta-me_ creio que para amenizar o meu embaraço, que também perdera trezentos reais nesta semana.  Disse-me ela, num tom desanimador:" É assim mesmo, perde-se e não se sabe como..."
     Procuro aqui e ali, entro no vestiário, no banheiro e nada. Falo com a jovem recepcionista que  sorri, enigmática  e diz com displicência..." Não, senhora, não vi, ninguém me entregou nada."
     Pois como sumira assim? Confesso que me afligi um pouco. Este era um anel especial. Tinha um significado para mim. Então, calma mas resoluta decido que vou falar com a supervisora.  Escancaro a minha resolução. Pergunto onde fica a autoridade? Em que andar a encontro  e qual o seu nome?
     " Há muitas", responde-me ela, num tom apreensivo.
     E quando me despeço ligeiramente e rumo ao elevador, sua voz revela-me: " Senhora, por acaso é este o seu anel? Estava aqui, na mesa..."
     Abracei-a, num ímpeto, comovida! Não percebi seu calor humano, somente uma frieza desconcertante em uma estampa calcificada num fiapo de sorriso.
     Acenei novamente para as pessoas que esperavam(agora já eram duas)e saí da clínica com o lenço de seda cor-de-rosa, adornando o meu colo, esvoaçante, ao sabor da brisa fresca da primavera.
    
    
    

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

FASE POÉTICO-POENTE

    " ...
Ao acordar
vi um pássaro cantando entre as flores.
Quis saber:' Que dia é hoje?'
'Primavera', responderam.
'O corrupião canta'. Suspirei.
Aquele canto me tocou
..."
( Li Bai)
 
     Estávamos ali, na cafeteria Starbucks, num dos andares  do " shopping das escadas", conversando amenidades, trocando ideias e confidências. Amizade selada numa viagem turística. Companheiras de poltronas até a linda Guarapari, no Espírito Santo.      Mulher de princípios, amiga dedicada , uma guerreira na vida. 
     Lá pelas tantas, depois de muito bate-papo, no meio do lanche, ela comenta: " Por que os jovens têm tanta alegria e nós, da idade madura, não podemos sentir ainda a alegria de viver?
     Bem, a fase é outra, então os hábitos cultivados até os dias de hoje deverão mudar.
      Não quis detê-la na reflexão brotada espontaneamente, logo após algumas considerações, mas pensei  nas mudanças de hábito prementes, se quisermos manter uma certa saúde e bem estar: passar a comer menos, aceitar com tranquilidade algumas noites insones, procurar dormir e acordar cedo , caminhar mais e devagar, ter uma vida social_ e nisto há um tanto de dificuldade, ou porque alguns amigos já se foram _se é que em entendem, ou porque outros mudaram tão completamente que já não sintonizam mais  conosco.
     Refeita  do questionamento impactante, pois inesperado , soprou-se-me um pensamento revelador. Disse-lhe, então, com uma pitadinha de euforia: " Amiga, os jovens estão construindo a vida, neurônios a toda, entusiasmo a mil ! Enquanto nós, nesta fase poético-poente temos agora tempo bastante para inovar o nosso comportamento! Apreciar detidamente  ao nosso redor: a pessoa que fala conosco, uma vitrine, um livro que desperte o nosso interesse, a ave alçando voo, uma nova canção...
     Se quisermos, esta fase será muito rica, nos alegraremos com os detalhes, com as pequenas coisas, como este nosso encontro feliz e bem-humorado, abençoado. Há muito para ser descoberto e apreciado."
     E a minha amiga concordou, meneando a cabeça e sorrindo  delicadamente.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

NA COLÔNIA DOS PESCADORES

    

                                     (vista de dentro do Forte de Copacabana)
      Era uma manhã calma, dessas em que a brisa passa por nós como um carinho de Deus.
     Início de primavera, algumas ondas suaves num mar transparente  se lançavam nos muros do Forte de Copacabana, levantando a espuma branca como uma louvação àquele cenário.
     Nenhum lobo do mar à vista, descansando por ali, como já  ocorrera há algum tempo. Somente o sol num céu anilado, limpo de nuvens hostis.
     Vista inspiradora, perfeita ao poeta sensível, mas nem ousava tanto. Apenas desejava usufruir de toda a maravilha ali presente, saborear a cada passo, a cada respiração ritmada a doce beleza ali estampada.
     Andei até o final da orla de Copacabana, presenciei na colônia dos pescadores a venda dos peixes fresquinhos ali expostos, arrumados em fileiras nos grande tabuleiros de madeira .
     A capelinha ornamentada era um convite à oração .
     Dei a volta e sentei-me num daqueles bancos que ficam lotados logo cedinho. Mas havia um lugar, um só, num deles. Bem em frente ao sol nascituro, iria me deliciar banhando-me com seus raios , aquecendo o corpo e a alma.Esta a minha intenção de imediato.
     De um lado, um senhor grande e gordo, envergado pelo peso dos anos, certamente. Do outro, uma senhorinha nada amistosa que tentava conversar com o seu companheiro, marido talvez, usando monossílabos que escorregavam de sua boca frouxa entreaberta.
     O velhinho da esquerda olhava pra mim, de soslaio, com cobiça e tentava esboçar um sorriso que logo, logo se desmanchava como se fosse uma aquarela amorfa.
     A velhinha da direita dizia: " Olha lá(se referindo a um cachorro que passava)." Sem exclamação. E o velhinho tentava olhar, se virando tão devagar que não chegava a ver o que ela queria que ele visse...
     Assim os minutos escorregavam... Até que o seu acompanhante falou algo e prestei atenção:" Deu que hoje ia chover..." E a senhora completa: " Erram sempre."
     Nisso, o meu vizinho à esquerda se entusiasma  e passa o seu braço pelo meu lugar de encosto. Entro em estado de alerta.
     Enquanto isso, o jogo de vôlei master à nossa frente acelera e um dos componentes cai quando consegue erguer o braço com a bola. Desequilibra-se e cai na areia ainda úmida. O time reclama, vaia muito e diz sonoros palavrões sem nenhum pudor.
     Achei que estava na hora. Na hora de levantar, atravessar a Avenida Atlântica e ir em busca de morangos fresquinhos na feira da rua em frente.