quinta-feira, 23 de abril de 2015

VOCÊ ACEITA TUDO?

   " Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem", foi o que disse o poeta Octávio Paz. E disse-o bem, senão observemos o falar da atualidade.
    Indo hoje cedo ao mercado do bairro,  na hora de pagar, fiz diferente: escolhi o último caixa; costumo me dirigir ao que fica posicionado perto da saída, pois aqui vi muitas cenas desumanas de seguranças espancando menores que praticavam pequenos furtos, geralmente, biscoitos. E assim fica mais fácil sair do cenário ingrato, em que nos sentimos impotentes.
     Fazendo um breve link a um recente passado, certa manhã, passando pela calçada oposta a uma famosa padaria do bairro(que, disseram-me, foi fechada pela vigilância sanitária __custa-me a crer!), vi o segurança gritando, ofendendo, dizendo escabrosos palavrões a um pequeno garoto , expulso da padaria quase a pontapés. Admirei-me também com a conduta das pessoas que passavam, como se nada estivesse acontecendo... Uma tribo de zumbis... Mais apavorante do que o grande ogro leviano.
     Diante de fatos assim meu sangue italiano ferve (ou seria o alemão? ou o indígena? ou, simplesmente, minha alma é que se escandaliza e reage através do corpo delicado?).
     Então, em frente à cena dantesca, gritei do outro lado da rua, para que parasse de berrar impropérios à criança. E o covarde, desvairado em sua fúria, olhou para mim e disse enlouquecido: "Tá com peninha? Leva ele pra casa!"
     Num rápido gesto, orientei o menino para que fugisse. Ele, que olhava pra mim desesperado, afinal,eu era alguém que presenciava o fato e o tinha enxergado, atendeu-me . Em milésimo de segundo, nos sintonizamos.  E ele fugiu.
     Há soluções para momentos assim? Pelo menos a agressão verbal de um grande idiota ele não sofreria mais.
     Mas como dizia, lá no alto, voltando ao assunto inicial, me dirigi ao último caixa. E tive uma surpresa. Uma boa surpresa.  A moça que estava atrás de mim, na fila, percebeu uma garrafa de Coca-Cola no balcão e perguntou se era minha. "Não", respondi-lhe. E o caixa, uma jovem senhora, com um sorriso agradável, desses que brotam do coração, complementou: " A pessoa desistiu da compra".
    A empacotadora, uma jovenzinha de pele morena , cabelos bem tratados,  talvez por imposição de  algum produto de alisamento, olhos amendoados e sorriso que brotava de lado, misto de malícia e infantilidade, rebateu num piscar de olhos: " Ah, fala sério! Fala logo, esqueceram aí! Mas não, tem que falar cheia de frescura..."
     A funcionária sorriu, meio sem graça...
     E eu não resisti a uma intervenção... "Oh, minha filha, fala sério digo eu! Você tem vergonha de falar direitinho, como a maioria dos brasileiros, né? O negócio é falar pobrinho, ficar de igual para igual com a galera...!
     De acordo com uma amiga, tenho um probleminha nestes casos: falo muito!... Realmente, depois que eu engreno no assunto, custo a parar!... Mas, já alerta desta fraqueza, tentei ser sucinta.
     E continuei um tanto animada. " Sua colega falou o Português correto, sem ser pedante. Falou com naturalidade.  Nós, brasileiros, devemos ter orgulho do nosso idioma, falar e escrever bem, com correção. Vocês me desculpem, mas sou professora , às vezes, me empolgo."
    A funcionária do caixa, educada,  sorriu-me agradecida. Já a mocinha afoita, disparou: " A senhora ainda se empolga?... quá quá quá quá..."  , com um  sorriso debochado e olhar baixo, bamboleando o esquálido corpo juvenil, estampando uma figura de penúria intelectual e moral.
     " Sim, minha filha, nestes assuntos  eu me empolgo, sim, pra valer, estou viva!...", concluí.
 
 
 
 
     "...
quem  esvaziou teu coração de alegria,
quem matou teu riso claro?
Quem te ensinou a sorrir
dessa forma humilhada e igual,
quem te deu esse sorriso que parece molhado
de lágrimas invisíveis,
esse sorriso de quem aceita tudo
e não crê em mais nada?

 ..."
 
(Augusto Frederico Schmidt)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

AO SABOR DOS VERDES, DOS PERFUMES E DOS CANTOS

 Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
 
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
 
(Alberto Caeiro)
 
 
 
    É só o tempo insinuar mudança e pronto! Coriza, garganta ardendo, perdendo o prazer da comida por isto, meio febril, cabeça pesada... A crise do desconforto.
     Hoje acordei assim; resultado: analgésico logo 'de cara' pra poder continuar a viver... e gargarejos e mel com própolis, que, dizem, é muito eficaz contra gripes e resfriados e, pra garantir, um remedinho para alergia.
     Minha avó Ritinha, lá em Sapucaia, quando tinha algum mal-estar__ e eram raros, ia até o jardim , se dirigia ao seu canteirinho de ervas milagrosas__ como boa descendente do povo indígena que era, e escolhia a  mais adequada no momento.
     Eu, criança amorosa e abelhuda, acompanhava vovó e tentava aprender as coisas interessantes e sábias que ela me ensinava com  paciência, bondade e entendimento . Saudades de vovó Ritinha! Sempre elegante, de saltos altos em seus sapatos de camurça, unhas bem feitas, vestidos até o meio das pernas. E não só deslizava naturalmente  pela casa grande do sítio, como pelo imenso jardim, sorrindo, pacífica. Uma imagem um tanto contraditória  por aquelas bandas. Nunca calçou sapatos baixos, nem usou calças compridas. Jamais. Feminina também nos gestos calmos, na voz suave, no olhar carinhoso.
     Mas, voltando ao presente, de uns tempos pra cá, percebo que roupas sem mangas já não me agradam; sinto um friozinho, um mal-estar e espirro e espirro, uma vinte vezes!
     Mas, mesmo assim, agora espero o outono com uma certa ansiedade. Época das frutas deliciosas, do ar  mais agradável, daquele fresquinho gostoso para desfrutar a praia lá pelas nove horas, não mais tão cedo como gosto no verão, céus límpidos, temperatura amena.
     Vontade de ler, mergulhar na Poesia, viajar para o interior de Minas, como Araxá, por exemplo, ou subir a serra e comer fondue, inventar moda, mudar a decoração , mesmo que seja um pequeno detalhe,  a gente faz com gosto. Escolher um filme e curtir um cineminha, no meio da semana. Ler o jornal do horti-fruti com calma, saboreando o pãozinho de queijo assado, cuja massa vem de Minas Gerais. 
     E ouvir com atenção uma boa música, de preferência com violinos, da MEC FM, então, deitada na  rede?... Nada se compara a estas deliciosas e momentâneas atividades.
     Fazer aquilo de que gostamos e que podemos  é o meu lema. A alegria pode estar pertinho, basta esticar o braço no ponto , tomar aquele ônibus que a Prefeitura recuperou e sair por aí. Às vezes, um programinha que parece ser banal, torna-se um passeio deslumbrante, como passar algumas horas ao sabor dos verdes e dos perfumes  e dos cantos  do Jardim Botânico.
 
 

    
    
    
    
    

domingo, 12 de abril de 2015

SOBRE A CRÍTICA

   



      Morreu neste mês de abril de 2015, uma famosa crítica de teatro. Sua vida foi dedicada a tal empreitada, pautada no rigor. Em todas as semanas , de quinta a domingo  __ li hoje, num jornal carioca, ela ia a vários espetáculos e, ou os enaltecia, ou, simplesmente, os abominava. Tornou-se hábil na análise das peças.
     Certa vez, na TV, vi a incrível comediante Dercy Gonçalves, detentora de um público fiel e audiência certa nos programas de entrevistas  e peças, comentando sobre as duras críticas que sofreu ao longo da carreira, feitas por Bárbara.
     Tenho uma grande amiga que, cantora lírica, chegou a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em outros Estados e, também, fora do Brasil. Mas uma crítica, uma só crítica perversa tocou tanto sua alma sensível que ela adoeceu. Enveredou , então, pela Literatura. Afinal, o artista sempre encontra um caminho de expressão, de libertação.
     Interessante como, ao longo da história de vida de muitos autores e artistas em geral, o crítico sempre está ali, presente, com o seu olhar impiedoso, a julgar. E como se valorizam!
     Penso que tudo vai depender da bagagem desse crítico, do seu cabedal de conhecimentos sobre o determinado assunto em pauta, tentando ser ponderado. Há muita bobagem dita como crítica, porém , nada mais é do que ignorância e desfile de vaidades.
     Vejam como tantos poetas sofreram julgamentos equivocados por conta disso. Mário Quintana foi um. A nossa sorte é que ele  procurou não dar a mínima para a crítica que lhe faziam. Houve quem dissesse com pompa que os poemas de Quintana eram 'aloprados'; suas trovas, meras 'quadrilhices'... Mas ele, o grande Quintana, de um lirismo e humor sem par, com um inegável poder de síntese, que sabia como ninguém construir belos poemas com linguagem simples e encantadora, continuava a escrever.
     Escreveu, escreveu a vida inteira... que durou oitenta e oito anos! Consagrado por todos, inclusive pelos críticos de agora, rendidos a sua notoriedade, escreveu sobre todas as coisas, tornou-se um dos poetas mais lidos neste nosso país de analfabetos. E onde estão os seus críticos?...
     Quando resolvi convidar algumas pessoas para que , juntos, mergulhássemos  em poesia, a primeira regrinha era que ninguém poderia criticar o seu colega. Eram todos novos talentos, trazendo em si a força da criação, que brotava ,espontaneamente, a cada encontro. Uma crítica mal dada, pode tolher e mesmo interromper o desabrochar de um dom; por isso, estava escrito num papel que lhes dava à entrada: Nada de críticas! Para o iniciante, é fundamental esta iniciativa. Isto é conduta certa para o desenvolvimento criativo.
     Hoje ainda ,passei os olhos na página quase inteira do jornal, discorrendo a respeito de um livro lançado sobre João Cabral de Melo Neto, que, se a minha memória não falha, foi tido como lírico por Quintana; e este autor, crítico, coloca a poesia de João como  antilírica...
     Avaliar o trabalho de outra pessoa, principalmente se estamos tratando de arte, me incomoda um pouco. Quem acha a opinião de um crítico importante? Estão, na realidade, é abanando a fogueira  da presunção, a arder nos corações e mentes vazios, murchos de ideias e sentires, desertos dos ímpetos criativos. O crítico não cria.
     Valerá algo a opinião, ou, melhor dizendo, o dissecar de uma obra feito por um crítico? Cada um aprecie aquilo com  que sintoniza, com o que lhe afaga o coração ou o faz  pensar. Escolha a arte que faz a sua alma feliz e confortável na vida.
     
    
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
 
(Mário Quintana)
 
    
    
    
    
    
    
    

terça-feira, 7 de abril de 2015

EXPLORAR AS TRAGÉDIAS?

    Nos meus tempos de menina, atrás da nossa casa, passava um rio... Depois dele, havia um terreno comprido e no meio dele, um pé  alto de jabuticabas. Em noite de lua cheia , eu ficava no jardim, sentada no banco comprido de madeira trabalhada, ouvindo o riacho, apreciando a lua e sentindo os perfumes.
 
 
 Século XXI! E pensávamos em progresso cada vez maior. Mas o que mais se vê , ou, o que a mídia mais nos revela são as ações corriqueiras da corrupção no meio político e  a continuidade da falta de saneamento básico nos bairros mais pobres. E isto é inadmissível.
     Enfrentamos o fantasma da calamidade maior que se aproxima__ agora, em largos passos, da falta d'água. Mas não me refiro àquela falta d'água consequência de um enguiço qualquer, que poderia ter conserto pela Prefeitura. Não, não. Refiro-me à morte das nascentes__ atingidas por grandes erosões, resultado do desmatamento__ à imagem dos rios definhando, à falta da água nas Represas, à falta de chuvas.
     Fico consternada ante à incapacidade dos órgãos públicos e ao seu descaso quanto aos avisos dos cientistas, principalmente, pois que há muito tempo vêm alertando o Governo. E  absolutamente nada foi feito.
     Ouvi na televisão , dia desses, num noticiário breve, que o Governador está providenciando pesquisa sobre a dessalinização das águas do mar, processo já estabelecido em algum país distante. Mas isto nos custará caro e demorará muito. A ação precisa ser rápida e perfeita! Há que se ouvir cientistas, pessoas que entendam profundamente do caso. E ainda agrava-se o quadro pelas incertezas do clima.
      Há que se explorar a tragédia para que se tome alguma iniciativa?
     Porque a escassez do líquido mais precioso gerará a decadência total. Desemprego, violência, indústrias fechadas, desabastecimento , como uma bola de neve.
     Agora só se fala em volume morto e a possibilidade de uma catástrofe. A  torcida é grande para que venha a chuva  mesmo em meses inesperados.
     Para não me perder em conjecturas pessimistas ao extremo, tento a leitura sobre medidas, que estão sendo tomadas fora do Brasil, que reduzem perdas, aumentam a eficiência do sistema e permitem planejar o consumo de modo racional.
     Confio na extrema criatividade do brasileiro e sonho que haverá, por certo, a atitude coerente, dinâmica e justa de cada um de nós, orientados por um Estado forte porque inteligente e honesto, para evitarmos a tragédia, que nos acena tal qual um fantasma aterrorizante.