domingo, 28 de junho de 2015

MOTORISTAS AFLITOS

    

 
     Hoje foi um dia diferente. Aliás, cada dia é um dia diferente do outro, que já se foi... Nada é igual, nada se repete na existência. E nós próprios, se formos um tanto criativos , nunca deixaremos que a rotina se instale em nossa vida.
     Hão de concordar comigo: às vezes, ao despertarmos, pensamos naquele dia já todinho pré-estabelecido. No entanto, durante o trajeto, tudo muda! Assim como uma obra de Arte que você planeja o quê  e como criar , quando percebe, produziu completamente diferente ! Até porque Arte que é Arte brota, explode de dentro da gente.
     Resolvi chamar um táxi na esquina para facilitar minha viagem. Percebi de imediato que o motorista era solícito, simpático, educado, mas, falante, muito falante.
     Signo de Gêmeos,  confessou-me o homem; então, estava explicada a sua grande capacidade de comunicação. Parecia que ele necessitava revelar o que lhe acontecera e o fez, em detalhes. Nem parava pra respirar. Foi a viagem inteirinha discursando sobre os passageiros que tinham  tomado o seu carro naquele dia e um fato desagradável que lhe ocorrera.
     Narrou-me em detalhes os problemas da próstata  que o atormentavam e suas consequências que, muitas vezes, o acabrunhavam. "Esta conversa já está passando do ponto", pensei.
     Contou-me que, ao conduzir uma passageira ao aeroporto, passou por um posto de gasolina e disse-lhe que precisava ir ao banheiro, com uma certa urgência; porém, insensível,ela não consentiu. Falou-lhe nervosa que poderia perder o voo, já que estavam bem em cima da hora!
     Assim que a deixou, embora tivesse, durante todo o tempo do percurso, sonhado em se aliviar, rapidamente um casal  entrou  no carro e aconteceu quase a mesma coisa. A moça até admitiu que ele parasse, mas o acompanhante, seco, disse-lhe "Não!"
     Chegando ao destino dos dois, finalmente ele relaxou... ali mesmo!Suava frio, o coitado. Urinou no banco  do seu táxi, criando uma situação constrangedora, humilhante para si próprio. Uma toalha ,que sempre leva na mala do carro, colocou nas calças, para que absorvesse todo aquele líquido malcheiroso. Borrifou um produto desinfetante no ambiente e continuou a trabalhar.
     Morava longe, disse-me, em Niterói, e não poderia voltar para casa sem o dinheiro que esperava receber, pois o pagamento do seu condomínio estava atrasado.
     Coincidentemente, pela manhã, eu tinha pensado nisto, na situação dos motoristas que devem passar alguns apertos no trânsito, como fome, sede e outras necessidades. Ninguém está livre de certos apuros...
     Na volta, resolvi vir de ônibus, sem pressa. Custei a acreditar que eu era a única passageira! Do início ao fim da viagem.
     No meio da viagem,numa curva, bem na esquina, onde havia um semáforo que estava verde, a motorista, mulher_  de aparente truculência, parou o veículo instantaneamente. Nem deu tempo para que eu me assustasse. Logo, ela soltou a voz fina  e aguda, em discrepância com o seu porte  físico, e disse alto: "_ Senhora, eu estou com sede e vou logo ali comprar água, certo?"
     Não, eu não poderia negar . De jeito nenhum, depois de tanto aprendizado e análises, não. "_Claro, querida! Pode ir comprar a sua água!"  disse-lhe, em tom amigável.
    Agradeceu-me muito e desceu. Supus que ia demorar, mas me enganei redondamente. A mulher voltou em menos de um  minuto com a garrafa de dois litros nas mãos. "Dois reais, dona! Não tá barato?" perguntou-me com aquela voz sibilante, tentando ser simpática.
     "Sim, muito barato!", concordei sorridente. E lá fomos nós, sacolejando, afinal, éramos só nós duas no velho  e comprido ônibus.
    


     " O melhor de tudo é embarcarmos num poema..."
(Quintana)
    
    
    

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A CHAMA CONTINUARÁ

     Com alguns versos do grande poeta Augusto Frederico Schmidt inicio esta pequena crônica, já que o assunto que atiçou hoje a mídia foi a morte de um jovem cantor .
   "...
No pensamento, a lembrança
Dos mortos, dos que se foram,
Dos que abandonaram o mundo
...
No pensamento, a imagem dos que morreram jovens
..." 
 

     Sempre ficamos penalizados com a morte prematura e, neste caso, temos o agravante do inesperado; o sofrimento da família é inenarrável. Uma torrente de emoções tristes e muitas lágrimas  , mas, acredito, tudo tem uma razão de ser.
     O jovem de sorriso cativante  cantava e fazia shows como tantos outros artistas da música sertaneja. Tinha  filhos  e uma bela namorada que faleceu instantaneamente no acidente de carro. Voltava ele de um trabalho em que se apresentara.
    Na tv é esta a notícia que explode hoje, a cada minuto, interrompendo e, até, suprimindo alguma programação rotineira. Fazer o quê ante a sociedade negativista na qual vivemos e nos movimentamos senão acatar, ouvir e exercitar a paciência ? Povos orientais sentiriam de modo diferente esta mesma situação.
     Fatos como este abalam, certamente. E podemos aproveitar para refletir que " a morte vem como o ladrão da noite". E se dela_ a morte, ninguém escapa, por que não pensar nela e nos prepararmos para a grande viagem?
     Ontem mesmo voltei de uma viagem breve. Trouxe a mala_ que está cada vez menor para poupar a coluna, com menos coisas , procurando levar o mínimo necessário; afinal, pra quê nos serve a inteligência ?
     Raciocinar no que vale a pena levar, o que não nos fará falta e, se fizer, providenciaremos. Simplicidade a gente pode adquirir pelo pensar. Vamos aparando as arestas, o excesso, analisando, fazendo uso da imaginação e da criatividade.
      Agora, imaginemos: o que levaremos na grande viagem? Na definitiva?
     Existem pessoas que nem ousam falar na palavra Morte!...  " Não falemos na morte, está deprimida? Falemos na vida! Vamos viver!" E fazem uma expressão de horror e de desdém, arregalando os olhos e esgarçando a boca, como se estivessem vendo alguma aparição.
     Tento considerar como um fato natural, sendo que,  a morte de crianças e de jovens nos causa perplexidade. Não aprendemos que nascemos, crescemos, vivemos e morreremos, finalmente? Mas, a pergunta que fica é: o que levarmos? O que? Roupa não é. Calçados? Dinheiro? Fama? Medalhas? Beleza?  Tenho cá ideias que acalento e que me movem. E desejo que cada um encontre suas motivações para o preparo desta viagem única.
     Ocorre-me agora que muitos julgam que seria o fim de tudo. Mas não é e nisto eu  aposto. Esta chama que dá vida ao corpo continuará...
     Aprender a viver , como disse o respeitado cardiologista indiano Deepak Chopra, é o mais relevante; muitos passam a vida e não aprendem. São infelizes, tomados pela revolta, pela inveja, amarguras e por outros sentimentos que acabrunham e empobrecem a alma imortal. Continuarão assim, do outro lado. Portanto, que cada um planeje a sua vida, cuidadosamente. Acho que vale a pena.
 
 


 
     

domingo, 14 de junho de 2015

CENÁRIO DE SONHO

     Estive hoje num dos locais mais aprazíveis da cidade: o Jardim Botânico. Nele, muitas vezes, restauro minhas energias, recupero minha paz , aspiro ares balsâmicos para o corpo e o coração.
     Cedinho, os pássaros se revelam. Hoje, no entanto, foi um pouco diferente. Onde as tímidas saracuras? Onde os desajeitados jacupembas? E o martim-pescador, discreto, sempre a postos, à beira do lago Frei Leandro? Até os tucanos andaram sumidos...
     Caminhei, por entre as alamedas, e  vi  muitas borboletas, alvoroçadas pelos ventos que corriam, soltos, nas matas dali.
 
     Uma única garça  enriquecia um cenário de sonho.
(garça-branca-grande)
          Um tanto decepcionada, continuei minha andança à procura dos seres alados que  amo tanto quanto a Poesia. Talvez porque, como disse Quintana,  em OS POEMAS,
 
" Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
..."
 
       Rajadas de vento desfolhavam árvores, faziam queda de braço com arbustos que os enfrentavam.
     Nenhum beija-flor. Pica-pau? Também sumira. Mas, repentinamente, fui surpreendida por canarinhos-da terra, rolinhas dóceis, por um sabiá destemido e pelas saíras-sete-cores.

     Não me intimidei ante o vento cada vez mais forte. Continuei. E passei a observar os troncos! Sim, os troncos das árvores. Há os delgados, sem nenhuma mácula, que se elevam, parecendo chegar aos céus; outros, machucados, bichados, se bifurcam, se contorcem... Existem os fortes, largos, bem nutridos de seiva, expostos com graça em mil galhos frondosos.
     Sem falar nos troncos  aparentemente inofensivos, que vão, devagarinho , enlaçando outro e sugando dele sua vitalidade.  Passei a comparar os troncos aos seres humanos.  
    Os cheios de espinhos  lembram certas  pessoas que usam a capa da indelicadeza  para esconderem sua doçura; talvez estes intuam que gentileza seja mostra de fragilidade, o que é um engano!
     Galhos de arbustos frágeis se abraçavam como a se protegerem dos ventos... Flores no alto de copas pareciam querer chegar aos céus... 
(pau-ferro)
 
          Apesar da ventania, desfrutei alegria e bem-estar. Ao final do passeio, lembrei-me da afirmação do grande iogue tibetano, Milarepa, que viveu toda a sua vida ao ar livre:  "A Natureza é o único livro que eu preciso ler."