terça-feira, 29 de outubro de 2019

ESTREPOLIA

     É o que eu digo sempre... Quando estamos enfrentando problemas e cheios de raiva, descontamos naquele em quem confiamos. Especialmente na mãe!
     Falamos com braveza, nos tornamos quase agressivos ; afinal, quem de nós gosta de conviver com alguém cheio de ruídos? Ruídos que não param de crescer e de acontecer...
     Reconheçamos que a vida não está para brincadeiras... A vida que nós enxergamos está para ofensas, dureza, virilidade, testosterona, malandragem, eficácia extrema. Não mais se pode relaxar, no sentido puro e repousante da palavra. Temos que nos portar como se estivéssemos numa grande e inextinguível batalha.
     Aí, então, não há nervos que aguentem... Como se estivéssemos sempre a esbofetear o nosso interlocutor.
     E se há aqueles que temos obrigação de tratar com educação e gentileza, a coisa piora! Sim, senhores! Piora, na medida em que nos esforçamos para aparentar uma suavidade que ainda não conquistamos. Quando a situação cessa, voltamos a esbravejar!...
     Contei para alguém especial para mim. Mas não era um bom dia. Fui julgada e discriminada, sem dó nem piedade. Temos que entender o outro. Então, escrevo para cicatrizar o coração, ainda um tanto machucado...
     Estava quente, muito quente. Saí, fui dar uma volta numa praça cheia de perfumes. Abasteci-me deles. Sentei-me ao pé de uma das árvores portentosas de flores cheirosas. Cheguei a ver um ninho de joão-de-barro.
     Fiquei ali, perdida em sonhos, não sei por quanto tempo. Quando me levantei, estava tão tranquila que sorria. Caminhei pela terra e , em volta de um quiosque fechado, havia um tipo de cerca, ornada por espadas e lanças. Uma pequena maravilha.
     E nessa idade que comemoro a cada dia, às vezes faço umas estrepolias... Fui rápida. Escolhi uma delas e meu antigo desejo foi satisfeito. Retirei do solo árido e coloquei na sacola que trazia na bolsa.
     Atravessei a rua e tomei a condução, feliz da vida! Logo eu, que só tenho uma travessura registrada em toda a minha pacífica existência, estava exultante! Coração na boca, olhar cabisbaixo, sorriso maroto ameaçando acontecer.
     Ah, vida! Chego em casa e já preparo o vaso com a boa terra. Acolho a espada tão verdinha! Converso com ela( a idade permite certas maluquices), apresento-a à casa e a coloco no quarto. Dizem que faz bem. Veremos.
     Por enquanto, o benefício é esta alegria imensa de ter dado a ela condições de uma vida melhor.
    
    



domingo, 13 de outubro de 2019

O BARULHO DO MUNDO

     Quero sossego, paz de espírito, suavidade. Mas o mundo é barulhento, querida! O mundo_ os humanos são irascíveis, confusos, dissimulados, conflituosos. E medrosos.
     Creio que talvez, por isso, sejamos infelizes. Lutando intimamente pra obtermos a tal felicidade, da qual os mestres mencionam tanto. Pelo menos eu me esforço.
     Se dependesse só da gente... Mas não. Vive-se numa sociedade um tanto cruel, um tanto egoísta, um tanto empobrecida de bons sentimentos. Preocupada em primeiro lugar com o poder, com os ganhos materiais, com o tal status.
     Tornam-se pedantes, falsos, mentirosos e, muitas vezes, sarcásticos. Até a hora em que lhes aborda o sofrimento. Então, amedrontam-se. Suas carinhas, antes  arrogantes, agora expressam uma delicadeza, estão murchos. E de tudo! Da tal arrogância e , coitados, da riqueza de sentimentos bons, aqueles dos quais os mestres não se cansam de repetir, de ensinar.
     Muitos sabem da teoria até, porém da prática...
     Acordei, como disse, querendo paz. Coloquei o CD ganho de presente de um jovem confrade da Casa da Poesia, há muitos anos: Jardim Secreto. Vejam, o meu gosto estava apropriado.
     Mas o vizinho despertou diferente. Queria algo barulhento. Uma batida dos infernos, da mais profunda escuridão. Ou, não... Talvez sentisse somente medo. Medo da solidão. Quer gritar ao mundo seu desespero.
     O som altíssimo impedia de ouvirmos o nosso som pacífico. Vim para o quarto e resolvi escrever sobre. Escritor que se preza é assim, qualquer assunto os empurra para o papel. No caso, para as teclas de um computador.
 Hoje, Dia Mundial do Escritor!






    

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

UM ATO POLÍTICO?

     Tarde agradável, aquecida pelo sol de primavera. Brisa repousante, favorável a uma bela caminhada. Mas, minha amiga não esperava que fosse caminhar tanto!...
     Ruas em torno da praça do bairro com o trânsito interrompido pela guarda municipal. Sol esquentando os miolos... paciência infinita de uma avó, sendo testada, de segundo a segundo.
     Explico: Minha amiga foi participar de uma passeata em prol do Dia das Crianças. Os netos estavam eufóricos!... Só que não...
     Todas as turmas, sim, eu escrevi 'todas' _ foram convocadas. Desde o maternal até o fundamental. Menores em colos abrasados dos professores e dos ajudantes, mãozinhas escorregadias dos pequenos agarrados aos seus familiares, professores soltinhos, a promoverem batuque!
     Era muita barulheira! Rostos lambuzados com tintas coloridas, salpicados de lantejoulas, cartazes provocativos , fantasias e muita, muita barulheira!
     Pensando que a tal caminhada seria na pracinha, minha amiga Déa relaxou. Afinal, poderia se acomodar num dos bancos , à sombra das amendoeiras.
     Qual o quê!... Primeira volta, todos animados ainda... Segunda volta, achando esquisito que não subissem pela escadaria que leva à praça, propriamente dita. Terceira rua, nada, ainda, começam a murchar... Quarta rua, pés se arrastando... Havia muitos avôs, avós, coitadinhos! disse-me Déa. Sorrisos coalhados de suor que deslizava, sem cerimônia, pelo pescoço em dobraduras.
     Concordamos que esta manifestação em nada simbolizou ato político. 
     Os netos se colocaram. "Vovó", disse o mais velho, " não gostei quando a professora veio pintar o meu rosto. Disse a ela que sou alérgico, acho que ela esqueceu."
     E o menor, de apenas quatro anos: " Não gostei nada, nada. Os guardas impedindo as pessoas irem para suas casas, né, vovó?"
     E assim que chegaram à Escola, de volta, o pequeno entrou correndo, pondo as mãozinhas nos ouvidos. " Tá muito barulho!"
     O mundo está barulhento demais! Espantaram os pássaros e os pensamentos dos  homens sentados nos bancos , à sombra das árvores. Perturbaram a paz da praça.
    

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

VELHO É O MUNDO!

     Folheando Cora Coralina em Vintém de Cobre, novamente revivi momentos do interior, na cidade de Sapucaia que, semelhante ao interior de Goiás, também mantivera acesos alguns hábitos como o da conversa, entre vizinhos, na calçada...
     E logo me voltou a vontade de escrever aqui, no Blog, à maneira de cronista. De uma insistente cronista. De um alguém que procura dar sentido à vida, já desgastada, mas que teima em reacender , a cada estreia do sol.
     Vira e mexe fatos novos acontecem. É só a gente dar uma saidinha e algo pode nos provocar. E é preciso que estejamos atentos! Ah!... A atenção é que nos torna mais capacitados. Para tudo.
     Dia desses fui até uma das  Lojas Americanas. Lá encontrei o que queria por uma bela oferta: R$ 9,90, dizia a tabuleta, a pilot vermelho, em números grandes! Peguei dois cabides.
     Fui até o caixa. Fila pequena, mas demorou muito o atendimento por causa de uma freguesa que criava caso. Assim que chegou a minha vez, expus o produto e cada um custava, agora, R$ 19,90!
     Levei um baque! Falei com o (um tanto) atrevido funcionário. Digo isto porque, ao me aproximar, depois de lançar-me um olhar arrebatador,  insistia em me bajular: " Que morena de olhos verdes(?), hoje estou com sorte, só mulher bonita aqui no meu balcão..."  Retruquei, apelei para o seu bom senso: " filho, pra você já sou velhinha..." Ao que ele respondeu com tamanho repúdio: " Velho é o mundo!" Bem, não me contive... sorri. Sorri, sorri...
     Ao relatar o ocorrido, pensei que fossem dizer que eu estava enganada, que eu tinha feito confusão. Mas fiquei surpresa! Imediatamente o rapaz foi comigo e verificamos que não havia nenhum cartaz com o preço de oferta! Então, ele procurou a funcionária responsável pela  seção de lingeries e lhe contou o que acontecera, de acordo com a minha narrativa.
     Para o meu espanto sim, a moça confirmou que o preço tinha acabado de ser alterado: de R$9,90 para R$19,90. justamente naquele momentinho em que esperava na fila... E tudo foi resolvido, paguei o menor preço, é claro!
 
"... O trabalhador sente-se forte e seu trabalho se faz leve e ele se esperta / e até mesmo canta, abrindo o eito, estimula os companheiros, / joga pilhéria, graceja e alegra seus parceiros..."
(Cora Coralina)