segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

MOTORISTA TAGARELA

    
(Lençóis Maranhenses)
     Tarde tranquila de um domingo de verão, onde a promessa de chuva ficou somente na promessa. Até os pássaros temiam um temporal, pelos avisos de rajadas súbitas de vento, ou pelo céu coalhado de nimbos. Mas certamente ela, a chuva, caiu em outro lugar.
     Programinha prazeroso para fechar o dia é o café acompanhado de biscoitinhos amanteigados e, quem sabe, uma bureca de queijo ou uma torta doce, na companhia de amigos?
     Assim aconteceu. Tentaram colocar o papo em dia,  mas era assunto que não acabava mais. Continuaram a tagarelice na volta, já no táxi. O vozerio era grande no interior do veículo. O motorista, um senhor calvo, aparentemente tranquilo e simples, de vez em vez, sorria amistosamente e olhava pelo retrovisor.
     Lá pelas tantas, somente o motorista e uma passageira continuaram a viagem. Então, timidamente, iniciaram uma conversa que, pouco a pouco, foi-se desenvolvendo. De início, ele comentou sobre a falação entre mulheres. Lembrou-se  de uma viagem  de avião que fizera , onde sentara-se ao lado de duas tagarelas  que falaram sem parar até chegarem ao destino. E isto durou umas três horas.
     Foi além. Revelou-se um falante, um conversador de primeira!... Deu minúcias da viagem e do grande desconforto provocado pelas  vizinhas de poltrona.
      Um episódio desagradável foi quando  assim que se levantou para ir ao banheiro, as duas também se levantaram! Ele teve que andar até a outra extremidade. Resumindo, o incomodaram bastante.
     Não havia jeito de desviar o assunto, ele estava visivelmente alterado com os fatos relembrados... Passava a mão na cabeça repetidas vezes, inquieto.
" As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
..."
     De repente, diz que é do Maranhão, de São Luís. Pronto. Esta foi a deixa que precisava. Interrompeu- lhe. Afirmou da sua admiração pelo Nordeste. Disse-lhe que conhecia São Luís e ele, já empolgado pelo novo tema, pergunta se tinha ido até os Lençóis Maranhenses!
     Claro que sim, afirmou, num arroubo. E então,  a conversa tomou um rumo atraente, inesperado, alegre.
" ...há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte de tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
..."
     Foram até o final, comentando as belezas e a riqueza tanto do  artesanato , quanto das festas folclóricas. Ainda ficou assunto pendente...
     E depois  afirmam que tagarelice é típico de mulher!...

ops: Os trechos destacados são de poemas de autoria de Mario Quintana.
    
    
    
    
    
    
    
    

sábado, 20 de janeiro de 2018

COMO O BOM BURRICO


     Quem adquiriu, ao longo da vida, o hábito gostoso da leitura, sabe que não é bem assim. E depende também do leitor que você quer conquistar.
     Da minha parte, nada foi planejado. Escrevo o que gosto, ou seja, o que me dá prazer; se este não for o motivo principal, não há razão para se ter um Blog! E  os comentários que tenho recebido sempre são muito bem-vindos!
     Portanto, os noveau riche que querem aprender regrinhas  de comportamento, as mocinhas  que apreciam dicas de maquiagem, os que se debruçam sobre fofoquinhas de famosos, os que gostam de viajar, os gulosos,  aqueles que curtem decoração, fotografia, enfim, para qualquer assunto  sempre haverá gente interessada e um blog à sua espera.
     O que me move para a escrita é o simples prazer de escrever. Dizem que se você gosta de escrever e não passa nem um dia sem praticar, então pode se considerar um escritor! É quase isto, é um chamamento vigoroso, uma imposição. E, quando percebo, lá estou eu, a ordenar ideias e assuntos que surgem num pestanejar.
     Quintana reconhece que qualquer que seja o tema do poema, sempre será um poema de amor! É mais ou menos isto que ocorre aqui.
      Crônica, atualmente, é a minha preferência _ o relato de um fato atual de forma pessoal.  E a poesia, que, de vez em vez, pousa no coração, assim como a borboleta  pousa na flor.
      Quem estudou e cultivou  a boa leitura, jamais perderá este interesse. E um livro poderá se revelar  um bom amigo: na praia, no campo,ao dormir, ao acordar... valha-me Deus! Em qualquer lugar ele pode lhe fazer companhia.
     A leitura é enfadonha para quem não se identifica ou com o assunto, ou com o autor. Poesia, então?!... Há que se gostar. Mas vejam um texto de Quintana. Ele faz você sacudir! É mais que um poeta, é um filósofo, um cômico, um pensador. Ele  se diverte nos próprios versos:
 
DO EXERCÍCIO DA FILOSOFIA
Como o bom burrico mourejando à mora,
A mente humana sempre as mesmas voltas dá...
Tolice alguma nos ocorrerá
Que não a tenha dito um sábio grego outrora...
 
      O poeta de verdade brinca, faz sorrir e, se quiser, discutirá certos assuntos sérios em rimas. Para ser bem atual, vejam aquele que se apresenta às sextas, no programa Encontro , de Fátima Bernardes. Sua poesia , em forma de cordel, é puro sentimento e filosofia. Não só nos embala, como também, muitas vezes, nos abala! 
    Vou ficando por aqui, para não entediar os leitores a quem prezo muito. Afinal, " há tanta vida lá fora!"...  
 


sábado, 13 de janeiro de 2018

"V" DE VITÓRIA

    

 
     Deixei pra trás a preguiça e fui caminhar!... Tomei do novo chapéu, arranjei-me com a bermuda antiga  e a camiseta de sempre, tênis pra variar... Ah! e a pequena pochete que quase não marca presença...
     O dia nublado e o calor forte tornavam pesadas as pernas. Mas vida sedentária já basta! Rumei ao Arpoador, pequeno pedaço do
paraíso, espetáculo da natureza ao final de Ipanema. Pedras, plantas exóticas, jangadas à vista, aves e mar, muito mar!...
     O movimento era grande e às dez da manhã isto não é comum. Mas na cidade do Rio de Janeiro e, principalmente na zona sul, há turistas de todos os cantos.
     Sentei-me, folgadamente, num banco de ferro pintado de amarelo, com uma parte alta, de muito mau gosto, como uma homenagem a Millôr Fernandes. A maresia já devora a pretensa escultura ou seja lá o que for. Está feia, mal ajambrada e, mesmo assim, algumas pessoas teimam em fotografar ali.
     Passei a admirar os surfistas corajosos, as aves marinhas volteando perto, os sabiás, as viuvinhas. Delicio-me a apreciar a natureza. O mar estava incrível e arrependi-me de não ter me prevenido com o biquíni.
     Repentinamente, senta-se ao meu lado uma jovem com um bebezinho no colo e um garoto espevitado e alegre dos seus oito anos. Zelosa, orientou o menino: " Meu filho, fique olhando pra mim, porque não vamos demorar, mode tenho que cuidar da sua irmã..."
     A palavra e o leve sotaque nordestino revelaram a sua origem. Puxou conversa e, a princípio, dei corda... Eram da Paraíba, de João Pessoa.  Lembrou-se da mãe, muito mais do pai que ensinou-lhe o respeito e a honestidade. Contou casos da família, dos tempos de escola, da professora  e passei a escutá-la com atenção.
     Falava muito bem, acertava nas metáforas de maneira incomum.
     Recentemente a casa da sua avó foi assaltada e "até o botijão de gás levaram", disse-me com inquietação. Concluímos que a violência não está restrita às grande metrópoles. Sua avó mora no interior, numa cidadezinha antes pacata, com poucos habitantes. E, por lá, a violência a cada dia se faz presente.
     Ela não parava mais. Em seu discurso longo, o ponto final, as reticências , até a vírgula, não mais cabiam. Era um atropelo só! Levantou-se! Começou a falar da filha que completara dois meses,  das dúvidas sobre a escolha do nome e da confirmação divina pois nascera com  o "V" de Vitória, em forma de sinal, no ventre. Era esse o seu nome: Maria Vitória.
     Entusiasmou-se. Pegou a criança agitadamente, abaixou-lhe a fralda para me mostrar o tal sinal. Distraiu-se.
      Olhei para o mar... "Cadê seu menino", perguntei-lhe, um tanto preocupada. Ela voltou-se e o viu, mais adiante, perto já de uma grande onda. Mas ele saiu-se bem... Ela, afogueada, voltou-se pra mim e continuou: "Pera aí, deixa eu falar... " com os olhos girando, empolgada.
     Levantei-me, ainda conseguia manter a tranquilidade, apesar de toda aquela avalanche inesperada da falante  e dei um palpite: Compre um caderno e escreva. Você elabora bem os seus pensamentos(era uma torrente de ideias!) e deve deixa-los no papel.
     Ela ainda tentou retrucar, mostrando certa timidez com um sorrisinho lhe escapando dos lábios finos, dizendo que tinha estudado pouco na roça, mas não me convenceu. 
     Afinal, não é assim que nós, pobres mortais, que nos lançamos à deliciosa aventura da arte da escrita, fazemos?
                             
" ...
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
...
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
..."
(Manuel Bandeira, A Estrada)
 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

VIAGEM BREVE E CRÔNICA LEVE

     Pediram-me para deixar o garotinho na primeira poltrona, já que ele também viajava só. Concordei, é claro, de imediato. Afinal, disse-lhe, "a prioridade, nesses casos, é da criança".  Deve ter uns sete, oito anos. Olhou-me, timidamente e sorriu, aliviado.
     Sentei-me mais adiante, sem problemas e, como gosto de observar, observei. Fiz como Karnal, o filósofo pop, que aproveita o tempo  de voo para rascunhar o próximo livro. Rascunhei, então, a atual crônica.
     Na hora do lanche, a senhora idosa, muito distinta aparentemente, impecavelmente trajada, usando brincos de pérola exuberantes, foi cuidadosa: escolheu um suco light e saboreou, com elegância, o sanduíche. Ao terminar a comilança limpou a sua boca delicadamente com o guardanapo de papel da Companhia aérea, levantou seu corpo rechonchudo com dificuldade e dirigiu-se ao minúsculo banheiro.
     " Certamente lavará os dentes", concluí. Eu podia adivinhar...
     O menino que sentara no lugar a mim reservado, entretido com joguinhos eletrônicos preparados pela simpática tripulação , comeu com voracidade!
     Bebeu o refrigerante rapidamente e devorou o pão com queijo. Seus maxilares, ágeis, trabalharam ininterruptamente até o final, num só fôlego!
     Pensei: " A idade faz a diferença..." Mas me enganara.
     Pousei o olhar atento e reflexivo à frente e, na poltrona do meio vi, então, uma cabecinha branca e miúda, de um senhorzinho inquieto.
     Creiam-me, suas grandes orelhas abanavam freneticamente acompanhando o movimento incessante das mandíbulas numa dança alvoroçada. Comia com sofreguidão, mesmo demorando a engolir.
     Outros fizeram charme, comeram com altivez, como o rapaz ao lado, que lia as páginas de um volumoso livro com muita elegância e postura.
     Impecavelmente vestido, à guisa da juventude, trajando blue jeans e malha escura, finalizando o look pelo par de tênis negro, tipo keds. Parecia um ator antigo, hollywoodiano, cabelos negros e lisos com algum produto semelhante à brilhantina, penteados para trás, com um topete delineado com audácia. Mãos finas, dedos longos como os de um pianista.
   Tudo na viagem transcorreu calmamente. Li a revista da Companhia, entusiasmei-me com a reportagem turística sobre Bogotá, cacei palavras e até ousei dar um exemplar de Palavras Transformadas à vizinha de poltrona.
     A simpática senhora durante toda a viagem leu atentamente o livro  e isto me encheu de um certo tipo de emoção.
     A conversa ao final da viagem foi reveladora. Após comentar sobre a recente leitura com animação, descobrimos que nossos filhos são amigos! Coisas da vida, que nos surpreende a cada dia...
    E foi assim que, naturalmente,  preparei esta nova crônica leve e breve.


Aproveito para desejar a todos que visitam o meu Blog, um próspero e feliz ano de 2018! Minha gratidão a todos vocês!...