terça-feira, 26 de julho de 2016

AVÓS TERNOS!...

    
      Avós (pa)ternos e avós (ma)ternos ...  Vovô Carlos, músico excelente, flautista da Orquestra Municipal_ contava mamãe, orgulhosa, de ascendência alemã, não cheguei a conhecer. Morrera cedo. E vovó Silva , perita em agradar a todos, especialmente a netinha, com guloseimas. Lembro até hoje das bananinhas secas que sempre me trazia.   Conversávamos muito. Vovó gostava de atenção, de carinho. Quem não gosta?
      Os paternos, de ascendência italiana, moravam num grande sítio, com criação de galinhas e muitas, muitas árvores frutíferas. Coisa mais linda era aquela limeira , cujos galhos, fartos de frutos, entravam, silenciosamente, no quarto, pela   janela larga.
     E a galinha que não parava de cantar: Có có có có!... assim que punha  o ovo do dia na cama do quarto de hóspedes,onde, às vezes, vovó tirava uma soneca depois do almoço! Có, có, có, có!... gritava. E lá ia vovó, toda alegrinha preparar o ovo fresquinho para a neta querida.
     O grande tanque de cimento, no jardim da frente da casa, onde eu, criança silenciosa mas arteira, colocava os mais estranhos bichos: sapos, lagartixas, peixes do rio Paraíba do Sul, caracóis...  ficava a observá-los durante horas a fio...
     Ô infância boa!... Saboreava os quitutes da quituteira que meu avô contratava quando ia passar as férias lá. Era uma senhorinha bem alta, magrinha, sorridente e negra como azeviche. Era tão carinhosa! Cozinhava sorrindo, feliz. As empadinhas que fazia era a especialidade. Tudo no fogão a lenha, claro!...
     Parece que estou vendo...a cozinha, a porta dos fundos que dava para o alto da chácara, onde subia, assim que chegava lá pras bandas de Sapucaia.  Adorava ver aquelas mangueiras! Davam manga-espada. Carnudas, doces, cheirosas. E o barulhinho da nascente? Era fantástico ver a água jorrando de uma pedra! Uma pedra grande, vistosa, generosa. Como eu a admirava! Aquilo parecia um milagre.  
     O jardim era encantado... os beija-flores se aglomeravam em volta de tantas flores vermelhas.... Havia também um pequeno canteiro cheio de ervas aromáticas e de chás. Vovó, quando se sentia indisposta (o que era raro!), pegava umas folhinhas e mascava... E se curava. Tivera  antepassados indígenas e sabia muito bem a arte da cura pelas ervas.
     Tudo isto me fascinava.
     Rara era a noite em que eu e minha avó Ritinha não nos sentássemos __ havia um pequeno banquinho próximo ao muro que dava para a estrada Rio-Bahia, juntinhas e apreciássemos o céu! Muito diferente da cidade grande! Era coberto de estrelas. E , então, conversávamos como boas amigas.
     Vovó costumava fazer muitas visitas. E eu  ia com ela. Fazíamos  percursos maiores, só pra ficarmos mais tempo passeando... Um dia, desviamos do caminho e pegamos uma estradinha  íngreme de terra. Lá, conheci o algodoeiro. Vovó me mostrou. Vi com interesse e peguei a penugem alva, que revestia as sementes em cada bolota daquelas que enchiam o arbusto. E vovó, com seu jeitinho calmo de falar, saboreando as  palavras,    me explicava tudo.
         As visitas eram regadas a doces de compota. Tudo uma delícia! 
     Era assim o nosso convívio. Saudades sinto tanto da avó materna quanto dos avós paternos. Agradavam, conversavam, passeavam conosco, mil mimos nos ofereciam. Atenção redobrada e carinhos fartos. Como não lembrar de pessoas tão especiais? Ternas, meigas, dispostas ao sorriso, à generosidade sem fim.
     Meus avós! Onde estejam, sintam  a   minha gratidão e o meu mais extremoso sentimento.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

APLICAÇÃO NA NÁDEGA, DOUTOR !


 
 
 

     Lá foi ela, meio desesperada, meio claudicante; "afinal, tinha que confiar no médico", pensou, um tanto insegura
     A promessa era de uma, uma só injeção de um conhecido anti-inflamatório, nas nádegas. Só pode
ser injetado nas nádegas! É o que confirma a bula. Se for em qualquer outro lugar do corpo, correrá algum tipo de risco, principalmente das articulações.
   Ora, ora, por isso , mesmo ele se mostrando um médico meio esquisito, com o rosto sempre voltado para o computador no momento do atendimento, que nunca se lembrava do seu nome, nem de suas mazelas clínicas,  era um conceituado ortopedista, médico cirurgião de um modesto(?),não, não,de um hospital federal bem reconhecido! "Lá só trabalham feras", dissera uma amiga.
     À hora marcada, um imprevisto! Uma mulher bem idosa chegou, falando pelos cotovelos! Mirando a secretária  com impaciência e cheia de empáfia , afirma decididamente que seria a próxima, porque não podia esperar.
     Aquilo deu nos nervos. E todos perguntaram: " Está com tanta pressa pra quê?..."  Ela se agitou.
     Perceberam que não valia a pena retrucar. Melhor calar. Levantou-se, foi ao banheiro. Seu casaco_ era um dia frio, caiu no chão e ela nem percebeu. Saiu do banheiro. Entrou novamente. Isto tudo sem parar de falar, ou, melhor dizendo, murmurar entre dentes...
     Em tão pouco tempo, já tinha conseguido conquistar a aversão de todos. A secretária, no instante da sua ausência ao toilette, declara: " Vou logo mandar entrar , porque senão cria caso..."
     E passou a contar que, num certo dia de consulta, tanto ela, a secretária, quanto o médico, tinham ido ao enterro de um conhecido  clínico e chegaram um pouco atrasados.
     A velhota, que os esperava,  não perdoou. Insinuou grotescamente que eles tinham um caso, por chegarem juntos! Coitada da recepcionista! Ficou muito envergonhada e, desde então, criou antipatia àquela mulher.
    Pois bem. Quando esta paciente terminou sua consulta, bateu na porta para que abrisse(porque , ao terminar a consulta, este médico nunca leva os pacientes até à porta do consultório). Então, o ser humano desprezível que há em cada um de nós(nuns, em parcela mínima, noutros, em cota maior!), fez questão de ignorar, sorrindo, com um certo ar sarcástico aquele bate-bate.
     Estavam todos já penalizados com a velhinha, implorando para que a moça abrisse a porta do consultório... mas nada! A secretária conseguiu o seu momento ápice de vingança, torpe sentimento que espreita os corações...
     Quando já, então, berrava, Vivi( a secretária) abriu. E ainda chamou a atenção do médico: " Oh, doutor, por que o senhor não abriu?" Ele fez um gesto de enfado e só restou à paciente  sair, levando o seu agasalho marrom displicentemente, sem perceber que ele se arrastava   infinitamente pelo chão do corredor.
     Neste clima tenso, entra a próxima para receber uma injeção, como já tinham combinado o médico e ela.
     Mas o doutor muda tudo. Levanta-se, convida a paciente a deitar-se. Ela estranha... ", doutor, precisa deitar para aplicação do medicamento  na nádega? " E ele, já com a ampola nas mãos, espirrando um pouco do líquido pela agulha, exclama.: " Nádega? Ah, não... vou injetar direto no ponto da dor!"
     A paciente tenta argumentar, mas não demoveu o homem da sua sandice. E, apavorada, deitou-se. Ele vira-se para ela e pergunta: " Qual o joelho? Direito ou esquerdo?" , colocando sua pesada mão num dos joelhos.
     É no pé direito, doutor! No pé!... " De imediato, ele volta-se para o pé e, sem dó nem piedade, rapidamente, aplica-lhe ... Bem, até agora a paciente não sabe se ele aplicou-lhe o remédio ou somente um anestésico, pois, no  meio da conversa, avisa-lhe que irá misturar os dois _ o remédio e um anestésico numa ampola só.
      Quase sofrendo um desmaio pela dor intensa,  recebe ainda uma receita  com a ordem vigorosa: " Ao sair daqui,  compre este anti-inflamatório". "Mas, doutor, optamos pela injeção  pra eu não ingerir medicamento algum..." 
      O médico estica a mão com  a frieza  habitual para o cumprimento  e determina  incontestável : "Boa tarde, faça o que mandei. Tem que tomar ."
    

segunda-feira, 11 de julho de 2016

GERTRUDES

 
     Sentei-me ao lado daquela senhorinha de aparência frágil. Apresentava-se com sapatos baixos dourados, a pequena bolsa escura trazida displicentemente a tiracolo,  saia plissada cor-de-rosa e blusa de mangas compridas com grandes listras horizontais em preto e branco.
     O cabelo, como paina, contornava o rosto miúdo de expressão faceira, dando-lhe um ar de senhorinha. Mas os finos brincos eram dependurados, alegres , combinando com os olhinhos espevitados.
    O sorriso, sempre presente,  apenas um pouco contido, pelo constante frear nos cantos da boca pequena.
    De mãos finas e delicadas, imaginei que ainda trabalhassem em algo artesanal.  Seus gestos  acompanhavam a fala,  com extrema suavidade.
    Dava gosto ouvi-la e observá-la. De uns tempos pra cá, gentileza, respeito, mansidão são atributos  raros.
   Portanto, já que nos sentamos lado a lado, nas cadeiras de um  laboratório a esperar resultados de exames, não poderia perder a oportunidade de prosear com ela.
     Aos poucos, foi revelando as atividades e a vida. Viúva recente_ o que lhe causou certa emoção ao relembrar, um casal de netos já adultos e uma filha. Seu maior prazer ? Tricotar, ponto a ponto, sapatos de lã para aquecer os pés de pessoas em tratamento de câncer.
     E fui me encantando...
     "Ultimamente", revelou-me como um segredo, "o dinheiro andava bem curto e já não conseguiria fazer tantos chinelos como antes se os netos não a socorressem." Não pedia muito, mas, devagar, insinuava:
"_ Meu neto, você quer ser abençoado, não quer?"
E com a resposta afirmativa, prosseguia:
"_ Então, colabore, pague, pelo menos ,um novelo de lã. Cinco reais serão suficientes!"
     Conseguia, com seu jeito terno, amealhar mais. Um dia, cinco, noutro, dez, a neta deu-lhe cinquenta e ontem recebeu do neto cem reais! E  como estava feliz por isto!
     Seus olhinhos miúdos brilharam ao fazer-me tais revelações. E disse-me mais. Contou-me , com  alegria, que há um bom tempo  é reikiana, nível três.   Isto explica  a sua conduta: logo que termina de criar um par de sapatos de tricô, reza com as mãos estendidas sobre ele, pedindo a Deus que  o abençoe  a fim de que aqueça os pés e o coração da pessoa  necessitada que irá recebê-lo.
     Sensibilizada, agradeci por ter me contado tais coisas , pois me fizeram um bem enorme. De imediato, retribuiu o meu comentário e, olhando-me  com  atenção e carinho , disse-me que eu era muito bonita. Agradeci mais uma vez e nos despedimos.  Nossa conversa foi banhada por uma brisa de fraternidade e entendimento.
     Admirável mulher, de oitenta e quatro anos, com energia amorosa suficiente  para se debruçar aos menos favorecidos , com perfeita naturalidade.
     Esta é a verdadeira poesia,  intrínseca ao ser humano que aprendeu a ouvir-se e a refletir sobre o que vale a pena ser vivido. 




sexta-feira, 8 de julho de 2016

AS TAIS ERVAS DANINHAS


     Quem disse que sabemos amar? Palavras bonitas nas canções religiosas... nos sermões... nas conversas... até nas redes sociais. Todo mundo fala de amor! É como se estivéssemos a praticar o mais puro amor.
     Mas, não, oh, não. São até precisas as tais religiões para nos colocarem nos eixos.
     Lima Duarte, numa de suas entrevistas, declarou: " Todo mundo é louco. Religião me sossega. Religião me suspende." Achei incrível esta afirmativa, perfeitamente lúcida, consciente.
     Mas não quero entrar neste assunto. O assunto que me move, agora, é o tão falado amor! Então, falarei mais um pouquinho...
     Refiro-me ao amor universal, pois o que une um homem e uma mulher, falhos os dois, em lutas íntimas constantes e crescentes, amealhando ilusões ao longo de suas vidas tão materiais não preserva o amor de fato.
     Algo existiu para que dois seres fossem atraídos um ao outro, porém, lhes afirmo que, muito raramente, o sentimento que os conduziu à união foi o amor. Pode ter sido a atração física, algum encantamento, qualquer interesse.
     Vejam a famosa modelo que, dito hoje nos jornais ,  foi espancada pelo marido. Um homem para bater forte na sua própria mulher até quebrar-lhe as costelas está fora do ar... E o sentimento? Para onde foi?
     Assim como este caso, muitos outros, com agressões verbais  que também magoam e destroem qualquer relacionamento.
     O amor que vive no coração, se fosse bem preservado, cultivado, como uma plantinha frágil, todos seríamos felizes verdadeiramente. Atentos às nossas atitudes, mansos , irradiando paz e felicidade o mundo seria outro.
     Se quisermos manter um padrão vivo de bons sentires, é preciso estarmos sempre atentos. Como dizia um conhecido meu, mestre disciplinador: "É preciso orar e vigiar sempre."
     O ser humano, ainda imaturo, engatinha no amor. A violência, a impaciência e o descaso, o egoísmo, o orgulho,   são as qualidades que prevalecem. Como pode o amor se impor a tantas ervas daninhas? E como havemos de amar o outro , se, muitas vezes, não sabemos amar a nós próprios?
     É preciso a percepção desenvolvida e a vontade para que cada um, verdadeiramente, veja a si mesmo. O fio condutor do seu comportamento, qual é?
     À medida que os bons sentimentos crescem em nós, ao longo das nossas vidas __ os que nos induzem à conduta correta, pacífica, fraterna, amistosa, nos tornamos cada vez mais felizes. Os bons sentimentos nos harmonizam, pois a nossa natureza é o amor.
     E sempre valerá a pena um cuidado especial,  a atenção a- morosa. Nunca o ódio, o descaso, o escárnio, o desdém. Coisas das gerações dos duelos, ultrapassados. Façamos o Bem, vivamos o Amor, sejamos felizes. Simples assim.