quinta-feira, 30 de abril de 2020

SAUDADES DE UM SÁBADO

    
Nesta temperatura amena, em que nossos ais diminuem, ante a passarinhada que não poupa  cantoria, minha alma segue para um tempo irrecuperável, oscilando entre as suaves alegrias já vividas e a saudade que não tem fim...
   Veio-me à mente uma cena de um momento lá de um tempo atrás... Era eu moça e cheia ainda de sonhos.  Professora, gostava do que fazia, esmerava-me na profissão, a vida era cheia. 
     Mas gostava de fazer visitas... Um hábito de gente antiga, mas eu gostava! Na casa da minha tia Nininha, então, nossa! Até hoje me lembro daqueles momentos tão felizes!
     Ela era dessas pessoas que sabem cativar alguém. E com a sobrinha, então, fazia de um tudo.
     Sua casa parecia casa de bonecas. Bonita, limpíssima, o chão brilhava; não se via um fiapo, uma poeirinha que fosse... nada. Só limpeza, beleza, alegria e arrumação.  
     Lembro-me de que, certa vez, cheguei de surpresa. Era um sábado , desses em que a natureza parece ter caprichado mais: um ar temperado, um cheirinho de flores no ar trazido pela brisa leve, um dia cheio de calma. Após o almoço, lá fui eu, determinada a passar uma tarde agradável com meus tios: Joana, carinhosamente chamada de Nininha e Júlio: alto, de bigodes fartos, brincalhão, sempre sorridente.
     Titia logo preparou um pudim! E enquanto preparava, conversava...E o tio foi comprar  pães saborosos e quentinhos, presunto e queijo. Sempre ficavam alegres com a minha presença.
   Sinto falta deste carinho desinteressado,  sincero, natural. Tão bom sentirmos que somos amados de verdade! Deixaram, pelo menos para mim, o sentido da palavra amor: aconchego, ternura, atenção.

 


quarta-feira, 29 de abril de 2020

O SHOW TEM QUE CONTINUAR

     Hoje, mais do que nunca pensativa, revendo antigos vídeos do genial André Rieu, questiono: Quando retornará aos palcos este setentão cheio de glamour e glória, o Embaixador das Valsas?...
     Porque do jeito que estão as coisas, tenho cá muitas dúvidas se retornarão os seus shows de música e alegria! Nem como será a nossa própria vida daqui por diante...
     Vamos vivendo, meio trôpegos, um dia de cada vez, preenchendo os minutos, procurando, com a ajuda dos céus, o autocontrole para que a confiança e a coragem não despenquem.
     Somos limitados. A força geralmente buscamos,  ilusoriamente, das condições externas, nem aprendemos a olhar para dentro de nós! Aí é que está  a questão primordial, a chave. A força deve vir do nosso íntimo, do nosso coração.
     É agora ou nunca! Chegou a hora. Mais uma morte aconteceu hoje da mãe de uma amiga.
     Mas existem pessoas incrédulas: ainda passeiam com o cachorro, fazem caminhadas achando que  fortalecem o sistema imunológico(?), passeiam nas praças e orlas, saem sem máscara. O que está acontecendo no nosso mundo é tão cruel que não nos demos conta ainda da sua gravidade. 
     " Ore que Deus ajuda", dizem uns; outros, " tem que ter fé", "Não vamos morrer não..."  Nem Jesus salvou-se da cruz...Talvez, sim, as preces nos deem a força necessária para sairmos ilesos da loucura, nos transmitam alguma calma e nos inspirem.
     Noutro dia vi um entregador. Alinhado, não era compra de mercado. Alto, bonitão, espadaúdo. Assim que chegou no prédio onde seria feita a entrega, desleixadamente pendurou a máscara na orelha direita e pude ver a sua barba . Notava-se, era tratada com capricho. Passou-lhe a mão demoradamente com zelo. Acariciou-a seguidas vezes.
     Nisso, chegando a moradora, eis que o rapaz entrega-lhe a encomenda e, em seguida, sai.
    Logo depois, esgueira-se num canto da calçada, desabotoa a calça e urina, sem olhar para quem passa... Organiza-se, empertiga-se e... coloca a máscara. Toma a moto e parte, vertiginosamente.
     Estava pensando em fazer umas comprinhas pela internet, mas depois deste dia, passei a avaliar ...
 
    " ...
Quando essa longa e úmida noite chegará ao fim?
Eu queria uma casa vermelha com mil quartos,
para abrigar coitados que passam frio sob esse céu,
e fazer com que seus semblantes fiquem de novo alegres:
todos nós, calmos que nem montanhas, no meio da chuva e da tempestade.
Que essa grande casa surja diante de meus olhos.
Aí, sim, morrerei de frio na minha cabana, mas feliz." 
                                                                                                                               (Du Fu, poeta chinês)


terça-feira, 28 de abril de 2020

ENQUANTO ISSO...

     Enquanto não podemos nos deliciar com as águas benfazejas do mar... enquanto não podemos pegar aquele cineminha na sessão das quatro... enquanto não podemos abraçar e beijar netos e filhos... enquanto o dever de cidadão nos obriga a ficarmos em casa, procuro descobrir atividades que preencham o meu tempo e me harmonizem.
     Pesquiso, sem muita pressa, a vida de alguns poetas: aqueles que o tempo mostrou que eram mesmo bons, já que se mantêm vivos na nossa memória!
     Transponho num vídeo as minhas impressões; comento ligeiramente e digo um poema. Sempre há alguém disposto a ouvir e até a apreciar.
     A ideia inicial era a de amenizar um pouquinho a aflição dos amigos, norteando-os com ideias positivas ou, simplesmente, belas! Constato, no entanto que, quando nos propomos a fazer algo bom para o outro, despretensiosamente, fazemos também para nós! Como uma rua de mão dupla...
     Dispus-me a me enredar na poesia diariamente e até dei um título a estes encontros: Poesia na Varanda, já que é nela onde faço os vídeos, tendo no cenário uma frondosa amendoeira e o som é de passarinhos.
     Tiro fotos de aves da janela do quarto. Abraço e beijo mentalmente a todos os que amo. Abraço também este mundo caduco.
     Venho descobrindo como fazer certos artefatos pelo You Tube... Já encapei uma caixa velha de papelão que ficou como nova!; fiz um cofrinho, um tubo com tampa, uma carteira de origami, até um coelhinho para carregar bombons! E estou a finalizar um porta-lápis muito engraçado.
 
     Confesso que, às vezes, me falta tempo... tempo para ouvir música, para retornar à pintura, para ver um filme da Netflix, para ler  uma  crônica _sempre estimulante_ de Rubem Alves, de quem sou fã!
     E entre um artesanato e uma espiadinha nos céus claros de outono, surge o desejo de elaborar um haicai!
Até os urubus
no isolamento social _
Pandemia
    

domingo, 26 de abril de 2020

OUTRO MUNDO

    Fico vendo as notícias alarmantes, mesmo sem querer... mesmo sem planejar...
     Na própria internet, quando um site é aberto, lá estão as últimas! Não compro mais jornal, não vejo TV, nada, nada... Recuso-me a entupir meu cérebro de negatividades... Porém, reconheço que a alegria de viver já não é mais a mesma... a vontade de reagir começa a definhar...
     Prendo-me quase em desespero à Poesia, aos vídeos que promovo, pesquisando autores dos mais antigos aos menos antigos,  procurando trazer à tona a esperança e o conhecimento do belo;  aos haicais que podem promover um certo aprimoramento espiritual... Leio os mestres.
     Sejamos francos: como é difícil a nossa melhoria interna!...
     Talvez, por isso, a pandemia. Conclusão triste a que chego. Uma derrubada no orgulho, na ignorância, na soberba. Um vírus que detona, pouco a pouco,  a humanidade...
     Detenho-me na arte, na poesia, na apreciação da natureza. É o que nos resta...
     Agradeço pela saúde, pela alegria íntima, pelo raciocínio ainda lúcido, pelas memórias boas... Então vêm uma tremenda saudade, nunca senti tanta! E o choro baixinho, a estranheza, o porquê e pra quê fazer certas coisas se o mundo mudou. E há de mudar muito mais! Uma revolução!
     Salvam-se as amizades. O bem-querer, a boa vontade, a palavra amiga, o sorriso. Nem todos têm as qualidades que esperamos que tenham. Dizem os mestres que sofremos em virtude dos nossos desejos... É verdade.

Ouço o vento. Ouço um soluço.
Ouço as orações que não afloraram,
Que se desenharam no espaço
Do espírito como voos invisíveis.
 
Ouço rumores violentos e tormentas,
Ouço sinos emergindo e sons
Que parecem flores molhadas
De orvalho e de luzes jovens.
 
Ouço uma voz cantando
A voz de alguém que passou
Cantando pela terra.
 
Ouço o mar. A voz do mar.
E mergulho no silêncio, o meu ser
Úmido de vozes e de sons.
 
 (Augusto Frederico Schmidt)
 
                         

quarta-feira, 15 de abril de 2020

SOLIDÃO IMPOSTA

     Nesta quarentena em que nos dispomos , no início sem entender coisa alguma, depois,  sonolentos, ansiosos, distraídos, continuamos reclusos. Mais adiante, bem... mais adiante sofremos!
     Percebemos que este vírus é poderoso e tudo começou com um morcego!... Explico: Pelo que dizem e tenho aberto os ouvidos para ouvir bem, lá, na China, bem distante... Comem de tudo!
     Desde morceguinhos sanguinários até ratos! Passando pelas baratas, escorpiões e mesmo formigas...
     Noutro dia vi um vídeo. Ah! Recebo dezenas deles num dia. Não sei vocês, mas deve ser igualzinho. O pessoal está nervoso, têm que se comunicar. E quanto mais torturante, mais divulgado.
     Num destes vídeos, aparecia uma chinesa do campo, bem rude, sem a mínima emoção, devorando um filhotinho de pássaro. 
     Vestia-se simplesmente, mas era truculenta. Alguém filma a criatura ao encontrar um ninho num arbusto , a pegar com absoluta indiferença um dos filhotes e arremessa-lo na boca feia e rugosa já. 
     É de chocar qualquer ser humano! Não demonstrava sentimento. Imune às maravilhas da natureza, saciou a sua fome com o que viu pela frente.
    Aproveitando o meio em que vive, deveria escolher algum capim, algum mato, o joio do trigo, a tiririca, a famosa cicuta... Aliás, com esta, ocorrem os sintomas parecidos do coronavirus, a tal insuficiência respiratória, ou fibrilação ventricular.
     Como hoje não estou para brincadeiras, tento me policiar, ou, melhor, daqui a pouco, entrarei em silêncio e me aprofundarei em mim mesmo. Afirmam os sábios que tudo mudará em nós e em torno. Acredito , esta, sim, é uma verdade poderosa.  
     Assim como a Natureza, pouco a pouco, se recupera dos malefícios causados por nós, seres inconsequentes, recuperemo-nos também, transformando esta situação a nosso favor. Aproveitemos a solidão imposta. 
 
     " O silêncio é essencial. .. Se nossa mente estiver repleta de palavras e pensamentos, não haverá espaço para nós."
 ( SILÊNCIO, Thich Nhat  Hanh)
    
          

segunda-feira, 6 de abril de 2020

REVIVENDO LEMBRANÇAS NA RECLUSÃO

     Nessa reclusão  que nos é imposta, o que mais têm funcionado são as lembranças!
      As más aprendi a rasgar e jogar na caçamba do lixo; no entanto, as boas nos transmitem as mesmas sensações do momento em que as vivemos. Não é assim?
     E é com esta impressão renovada que passo a contar-lhes um momento da minha mocidade, até hoje guardado não só na memória, como no coração.
     O estopim foi a conversa que tive ontem(via whatsApp)com uma amiga de infância. Contava-me ela vários fatos acerca de conhecidos, como pequenas historinhas. No final, perguntou-me: "Gostou da minhas histórias?"
     Não sei bem o porquê quase de imediato, reportei-me à casa de vila, onde fora criada entre pés de sapotizeiro e abacateiros frondosos, abieiros e mangueiras...e o jardim cuidado por mamãe, cheio de flores, desde os jasmins aos flamboyants, além dos medicinais guaco, boldo e erva-cidreira...
    Neste ambiente, os pássaros _ rolinhas delicadas  , pardais aos montes,  sabiás e bem-te-vis  marcavam presença!  E papai tinha uma coleção respeitável: canário-da-terra, o belga, azulão, curió e coleirinho e o bravo pintassilgo, dentre outros.
     Como a nossa casa era a última, vivíamos com a pesada porta de madeira escancarada!
     Certo dia, estávamos na sala, eu e papai nos distraindo com alguma leitura, quando, de repente... um bando de pardais assustadiços, porém organizados em sua manifestação solidária, nos chamou a atenção! Rodavam verticalmente, piando em demasia, na abertura da porta. Foi incrível!
     Levantamo-nos, movidos pela curiosidade, certos de que haveria um bom motivo para aquela manifestação assombrosa.
     Chegamos à porta, os pardais se dispersaram pelo jardim e vimos, assustados, que um gato amarelo, enorme, preparava-se para dar um bote certeiro nos pássaros de papai.
     Em domingos de sol, meu pai posicionava as gaiolas num muro baixo, que ficava entre o jardim, à frente da casa, e uma pequena área lateral.
     O malandro não gostou nada, nada do aviso dos pássaros! Demorou a sair dali. Papai, com voz e braços, tentava, desesperadamente, demovê-lo do intento... Até que, finalmente, o felino foi embora.
     Contei para a minha amiga Ana deste ocorrido. " Ufa! Que história!", disse-me ela, ainda com a respiração suspensa... 
    
      

    
    
    
    
    

sexta-feira, 3 de abril de 2020

EM QUARENTENA

     Não faz muito tempo, fui assistir a um filme na Casa de Cultura Laura Alvim. Depois, o cafezinho de praxe, com um casal amigo,  numa das mesinhas dispostas com graça, ao lado das salas de cinema.
     Inúmeras manhãs caminhando pelas areias limpas e macias de Copacabana! Especificamente no Posto Seis! Cedinho, o ar fresco ainda, gaivotas e biguás numa disputa pelos peixes! Eu me lembro até do socó, pousado numa das  amendoeiras na Colônia dos Pescadores, observando a movimentação. E a Capelinha ... E a peixaria...
     Os peixes miúdos e coloridos_ eram muitos!, nas águas de Ipanema... A beleza única do Arpoador... Quantas e quantas vezes ia até o alto da Pedra, apreciando todo aquele mar , aquela imensidão...
     No Forte de Copacabana, dizia e ouvia poemas  em reuniões literárias admiráveis.
     Um pensamento puxa outro... como contas de um rosário. Quanta vida tínhamos! Quantas chances de atividades!
     De vez em vez, uma visita a um Museu. Que prazer! E o passeio inaugural que fiz, com um amigo, na Academia Brasileira de Letras deixou marcas!
      Viagens, Cursos, Recitais, encontros com amigas para o bate-papo acompanhado do lanchinho farto, pelas galerias de Ipanema...
     Inesquecíveis passeios cheios de glamour pelas alamedas do Jardim Botânico, eternizados pelos poemas que compus...

MOMENTO ENCANTADO NUM JARDIM
 
A Natureza pródiga estende
Um tapete vermelho carmim
Submisso, a meus pés.
A cada minuto, um eco
Da tinta rubra que cai na tela
Da terra barrenta.
 
Tem um cheiro gostoso...
É um não sei quê de suave e doce...
 
E o som continua a espocar.
 
Estamos sós. Eu e os jambos.

     Lá, no Jardim, pintei, fotografei e aprendi a observar pássaros.
 
    Isso sem mencionar  fatos mais antigos, reminiscências mais remotas...
       Agora, longe os amigos, nenhum passeio, praia nem pensar, cafezinho só os daqui de casa e conversas pelo WhatsApp!
      Em quarentena,  restam-me as lembranças e a criatividade. Novos planos, crônicas no Blog, haicais e  fotos tiradas da janela... Os pássaros continuam por perto...
 
(gavião-carijó)