sábado, 22 de abril de 2017

O TÍMIDO BOTÃO DE VIOLETA

    
 
     Surgiu o botão de violeta inesperadamente, no sábado cinzento e frio de outono. Surgiu, assim, espontâneo, natural, reação de vida, mesmo morando num pequeno vaso, em cima da minha mesa de  sonhos, compartilhando espaço com livros, canetas, cadernos, entre rabiscos e telas e tintas.
     A natureza  é incrivelmente determinante, forte, impetuosa. Recupero a alegria meio abalada pela notícia  que recebi logo cedo de uma amiga. Seu pai, que acumulara mais de noventa anos de existência , falecera.  
     Mesmo entendendo que sua tarefa, neste mundo, tinha sido arrematada, a falta de um ente querido empobrece a vida de quem fica.  Então, movida pelo baque, senti pela amiga; imaginei o seu pesar, o sofrimento da sua mãe também muito idosa. Compadeci-me.
     Eis que o despertar de um tímido botão rosado enfeitou o meu dia, renovou o meu sentir, o meu pensamento.
     Quando me vejo  assoberbada, me dirijo  a um parque, ou jardim, ou me lanço nas águas do mar. Hoje não foi preciso. A plantinha, tão mimosa e pequenina, foi generosa.  Porém, ontem, dei um pulinho num Jardim especial. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro. E lá me detive, me recompus, apesar de  compartilhar, durante toda a viagem,  com o carrancudo taxista, um programa em que era discutido um assunto horripilante. Nem vou discorrer aqui sobre ele. Entendo que, quanto mais comentarmos a maldade, a loucura, o desequilíbrio, mesmo à guisa de esclarecimento, pior o mundo se tornará. E eu quero viver num mundo ameno, feliz, suave, esperançoso. Quero garantir saúde mental.
     Cautela é como caldo de galinha, já dizia vovó, não faz mal a ninguém; portanto, sejamos cautelosos, inteligentes, astutos;  esmiuçar fatos negativos envenena a mente.  Turva o nosso coração, a nossa alma.
     Curvemo-nos, portanto, à beleza da natura que está aí por todos os lados, que , farta, nos envolve e alerta, nos purifica, nos alimenta, nos sustenta; aos  seus perfumes, aos ares límpidos, ao convívio com a verdadeira vida. 
    
(na foto, mico no jambeiro)
       
     Muitas vezes quando lá estive_ no Jardim, vi inúmeros fotógrafos profissionais com suas máquinas e lentes possantes e  noivas e grupos de  formandos ocupando as aleias e os gramados. E esta ação tornou-se comum e exagerada, a ponto dos banheiros do Parque ficarem lotados com pessoas trocando de roupas para as incontáveis poses. 
     Agora, em virtude de tanto atropelo, há regras rígidas: Um acordo para ser lido , uma taxa mensal e outra ocasional, todas as vezes em que precisarem daquele cenário espetacular para realizarem seus trabalhos fotográficos.
     Há que ser preservado um lugar assim, tão inspirador, onde damos conta da grande paz e do imenso manancial de vida e de estímulo à criação.
     Em meus passeios solitários, um rio de inspiração me alimenta e muitas pinturas e poemas ali já realizei. Soube  que Clarice Lispector também abastecia sua criatividade ali. Ou, simplesmente, descansava e se restabelecia de algum sentimento nocivo, destes que nos prostram e nos aprisionam na ilusão da derrota.
     Num pequeno espaço, existem agora alguns bancos com frases de sua autoria:
" Sentada ali num banco, a gente não faz nada: fica apenas sentada deixando o mundo ser."

(fotos de minha autoria: um jambeiro carregado de jambos, acima e de uma aleia de jambeiros, abaixo)
A Natureza pródiga
Estende um tapete vermelho-carmim
Submisso, a meus pés.
A cada minuto, um eco
Da tinta rubra que cai na tela
Da terra barrenta.



Tem um cheiro gostoso...
É um não sei quê de suave e doce...


E o som continua a espocar.

Estamos sós. Eu e os jambos.

(do livro Fragmentos da Memória, de minha autoria)
 
 
     
 

sexta-feira, 7 de abril de 2017

SERÁ QUE É PALAVRÃO?

     O dia amanheceu silencioso. Estava tudo aparentemente igual: as mesmas montanhas, o mesmo mar, o céu infinito enfeitado de nuvens, a brisa que empurrava as ondas, os corajosos surfistas, as pedras  mágicas do Arpoador...
" ... fogem do mar as ondas esquivas, para bordarem com a sua canção cada lugar silencioso..."  ( Cecília Meireles)
          Presenciei as enormes fragatas cruzando os céus. Eram muitas... dezenas... Iam de um extremo a outro. Surgiam detrás da pedra do Arpoador voando baixo e desapareciam por trás das montanhas.
     Fiquei ali um bom tempo, admirando o cenário tão belo. Deixei-me arrebatar por esta beleza forte e verdadeira da natureza. É o que me dá ânimo e resistência aos atropelos da vida.
     A jornada estava só começando. Afinal, era cedo, tinha feito um exame de rotina__ desses para nos certificarmos como andam as taxas do tal colesterol!...  E, quando já saboreava goles do capucino quentinho, oferecido pelo laboratório, eis que alaridos cortam os ares.    
     Gritos de "Pega ladrão!"  assustaram a todos nós. E se o tal bandido entrasse para se refugiar? Afinal, as portas mecanizadas abriam-se logo que chegávamos. Permaneci mais um tempinho ali até não haver mais tumulto.      Ele, o ladrão, fora pego. Ufa! Alívio geral.
     Cedo, tinha me programado um pouco, porque gosto dos imprevistos. Dos bons, claro! Então, depois do almoço leve, saí pra resolver coisas. Escolhi o metrô e lá fui eu.
     Após desembaraçar-me de alguns compromissos, reencontro uma amiga de longa data. Nossa! Quanta alegria! E o que me disse, tocou-me: "_ Eu estava com saudade de você!"
    Cruzamo-nos numa calçada_ eu indo pro  Cafeína, ela indo para o Banco. E conversamos e falamos e recordamos e  nos abraçamos mil vezes e rimos  muito e , por isto, custou-nos a despedida. 
     Na volta, aproveitei a exposição na Aliança Francesa de fotos por Smartphone trabalhadas pela artista ( Christiana Guinle), "fundindo o processo criativo com o mecanismo digital." Apesar de não ter me tocado,  Arte sempre vale a pena conferir.
     Voltei pra casa de metrô novamente. Por enquanto, acho muito confortável e seguro.
    Entro no vagão cheio. De repente, alguém salta e as pessoas próximas me apontam o lugar, convidando-me para sentar. Isto é incrível!  Aliviei as pernas.
     Sorri para a moça ao meu lado. Ela correspondeu ao meu sorriso, mas percebi que, a cada parada, ela exclamava baixo, sussurrando entre dentes: "_Merda!"  (será que esta palavra ainda é considerada um palavrão?) E balançava as pernas volumosas, aparentando cansaço e ansiedade.
     Arrisquei uma  conversa: "_ Você sabe me dizer se o metrô tem parada no Leblon?"  Ela, gentil, voltou-se para mim  sorrindo e respondeu, olhando-me nos olhos: "_ Sim, vai! Eu salto no Jardim de Allah."
     Retruquei  então que, quando eu quisesse ir ao Shopping Leblon, usaria o metrô. Ela sorriu.
     Livrei-me de mais ou menos uns três palavrões. Despedimo-nos com sorrisos(novamente). Acho que , no total,  foram mais de três!
     Desembarco. E ,então, haja fôlego para a longa caminhada e para as escadarias da estação. Será que este foi o motivo pelo qual uma jovem desmaiou à beira de uma das intermináveis escadas?
      Estava lá, deitada, corpo  inerte,   pernas retorcidas guardadas numa saia preta recatada, torso coberto por uma delicada blusa branca de algodão, dois homens debruçados sobre ela, tentando reanima-la. Talvez fossem médicos, pensei.
     E os seguranças, quais vespas agitadas, em torno da vítima, ligando de seus aparelhos, pedindo socorro, imagino. Parecia cena de filme de suspense.
     Saio da estação e caminho devagar, para usufruir da leve brisa de outono que me refaz de qualquer cansaço. Até que finalmente, chego em casa,  me atiro no pequeno sofá, fecho os olhos e tento relaxar ao som de Andrea Bocelli.