Ouvindo belos acordes de um violino__ é assim que inicio esta página.
Desde menina, gostava de ouvir músicas clássicas pelo rádio e de identificar o som dos violinos, deitada de bruços, no chão da sala. Janelas e porta abertas para sentir o delicioso perfume que vinha do jardim . Era assim que eu gostava. Bem à vontade, ouvia e ouvia e pensava: Como conseguem este som?... Este som é a própria música!
Eu não conhecia o instrumento. Até ali somente o piano, que minha mãe teve que interromper as aulas, pois não tínhamos condição de ter um. E ' já precisava', dizia a professora do Conservatório Brasileiro de Música, pois eu iria iniciar apresentações; para o treino, seria indispensável. Coisas da vida.
Dom ignorado, segui adiante. Nenhum instrumento me atraiu mais para o aprendizado. Há uns três anos, mais ou menos, a flauta interessou-me; principalmente, porque é pequena e fácil de carregar e soube de seu uso em iniciações e rituais espiritualistas. O som leve e mavioso nos transporta. E porque, também, existem pássaros cujo canto nos lembra este instrumento, dediquei-me ao estudo .
Mas não era nada disso que eu queria contar...
Eu queria mesmo era contar que, certo dia, em que, depois de fotografar _ www.flickr.com/photos/smercadante __ algumas aves, numa pracinha em Salvador, na Bahia, procurei caminhar pelos arredores. Tudo estava tão florido! E eu me sentia tão feliz com o que havia encontrado! Lavadeiras-mascaradas, dois ninhos de joão-de-barro, sabiás, bem-te-vis, um beija-flor bem pequenino, cambaxirras...
Resolvi, então ir até o shopping mais próximo para lanchar. Repentinamente, uma senhorinha bem assustada, , esbaforida, se dirige a mim e comenta, abanando os braços em desalinho:
__ Oh, minha filha, o ponto dos ônibus é logo ali, mas nenhum parou pra mim!...
Disse isto num tom meio melancólico, meio revoltado.
Procurei acalmá-la. Suavizei a voz. Olhei com ternura para o seu rosto cansado. E disse:
__ Para onde a senhora vai? Para o Shopping? Eu estou indo pra lá. Aceita uma carona?
Ela quase não acreditou. O táxi apareceu rapidamente, o mulato educado nos atendeu, solícito. Cartãozinho na despedida.
A velhinha, por um bom tempo, seguiu-me contando a sua história familiar. E, no final, ao nos despedirmos, inesperadamente, ela pisca um olho pra mim e diz:
__ Além de simpático o taxista até que era bonitão, heim?
Alegre, aquela velhinha me fez refletir em tantas coisas: no final da nossa jornada, no desamparo(os velhos, eu os vejo sempre sozinhos... Nunca estão acompanhados nem pelos filhos nem pelas filhas... no máximo uma bengala é o que lhes serve de apoio), na alegria que ainda perdura, nas tristezas e desapontamentos que estão ocultos no coração, nos dons esquecidos, nas limitações cruéis, no conhecimento adquirido ao longo da vida, na sabedoria desenvolvida, no silêncio que a sociedade hostil impõe!... Já viram alguém puxar assunto com idoso sem aquela aparência de que está sentindo 'peninha'?
Uma vez, estava caminhando em Botafogo com uma conhecida e passou por nós um velho. E esta amiga falou-me:
__Tenho muita pena de velho.
Eu retruquei:
__ Pois eu não. Pena, não! Geralmente tenho admiração. Eles sempre têm algo para contar. Alguma história perdida no tempo deles. E quando falam, recordando, seus olhos brilham! Existe ainda uma luz por trás de um rosto enrugado.