terça-feira, 21 de outubro de 2014

TAXISTA BONITÃO

     Ouvindo belos acordes de um violino__ é assim que inicio esta página.
     Desde menina, gostava de  ouvir  músicas clássicas pelo rádio e de identificar o som dos violinos, deitada de bruços, no chão da sala. Janelas e porta abertas para sentir o delicioso perfume que vinha do jardim . Era assim que eu gostava. Bem à vontade, ouvia e ouvia e pensava: Como conseguem este som?... Este som é a própria música!
     Eu não conhecia o instrumento. Até ali somente o piano, que minha mãe teve que  interromper as aulas, pois não tínhamos condição de ter um. E ' já precisava', dizia a professora do Conservatório Brasileiro de Música, pois eu iria iniciar apresentações; para o treino, seria indispensável. Coisas da vida.
     Dom ignorado, segui adiante. Nenhum instrumento me atraiu mais para o aprendizado. Há uns três anos, mais ou menos, a flauta interessou-me; principalmente,  porque é pequena e fácil de carregar e soube de seu uso em iniciações e rituais espiritualistas. O som leve e mavioso nos transporta. E porque, também, existem pássaros cujo canto nos lembra este instrumento, dediquei-me ao estudo .  
     Mas não era nada disso que eu queria contar...
     Eu queria mesmo era contar que, certo dia, em que, depois de fotografar _ www.flickr.com/photos/smercadante __ algumas aves, numa pracinha em Salvador, na Bahia, procurei caminhar pelos arredores. Tudo estava tão florido! E eu  me sentia  tão feliz com o que havia encontrado! Lavadeiras-mascaradas, dois ninhos de joão-de-barro, sabiás, bem-te-vis, um beija-flor bem pequenino, cambaxirras...
     Resolvi, então ir até o shopping mais próximo para lanchar. Repentinamente, uma senhorinha bem assustada, , esbaforida, se dirige a mim e comenta, abanando os braços em desalinho:
     __ Oh, minha filha, o ponto dos ônibus é logo ali, mas nenhum parou pra  mim!...
     Disse isto num tom meio melancólico, meio revoltado.
     Procurei acalmá-la. Suavizei a voz. Olhei com ternura para o seu rosto cansado. E disse:
     __ Para onde a senhora vai? Para o Shopping? Eu estou indo pra lá. Aceita uma carona?
     Ela quase não acreditou. O táxi apareceu rapidamente, o mulato educado nos atendeu, solícito. Cartãozinho na despedida.
     A velhinha, por um bom tempo, seguiu-me contando a sua história familiar. E, no final, ao  nos despedirmos, inesperadamente, ela pisca um olho pra mim e diz:
     __ Além de simpático o taxista até que era bonitão, heim?
     Alegre, aquela velhinha me fez refletir em tantas coisas: no final da nossa jornada, no desamparo(os velhos, eu os vejo sempre sozinhos... Nunca estão acompanhados nem pelos filhos nem pelas  filhas... no máximo uma bengala é o que lhes serve de apoio), na alegria que ainda perdura, nas tristezas e desapontamentos que estão ocultos no coração, nos dons esquecidos, nas limitações cruéis, no conhecimento adquirido ao longo da vida, na sabedoria desenvolvida, no silêncio que a sociedade hostil impõe!... Já viram alguém puxar assunto com idoso sem aquela aparência de que está sentindo 'peninha'?
     Uma vez, estava caminhando em Botafogo com uma conhecida e passou por nós um velho. E esta amiga falou-me:
     __Tenho muita pena de velho.
     Eu retruquei:
     __ Pois eu não. Pena, não! Geralmente tenho admiração. Eles sempre têm algo para contar. Alguma história perdida no tempo deles. E quando falam, recordando, seus olhos brilham! Existe ainda uma luz por trás de um rosto enrugado.




    
    
    

domingo, 5 de outubro de 2014

EXERCÍCIO DE AMAR

     O menino ficou impressionado com a morte do tio. E a cada dia pergunta para a mãe: " Mãe, vovó tá muito velhinha? " 
    A explicação dos pais foi esta  mesma, a de que o tio morrera porque ficara muito velhinho e tinha chegado a hora dele ir para o céu.  Afinal, o que dizer para uma criança de apenas três aninhos? 
     Mas ele passou a se preocupar com todos aqueles de quem gosta. E a vovó está na lista.
     A convivência com uma criança desafia a nossa imaginação. 
     Família faz um bem enorme. Dá resistência às decepções, imuniza contra as maldades e gera um conforto ao coração. Tudo isto por causa do amor que une.
     Mesmo que haja algum desentendimento , afinal não é nada fácil a convivência, família é algo especial. Aprendemos a respeitar o outro, desenvolvemos várias habilidades de convivência e despertamos, pouco a pouco, o amor. Paciência e paciência, eis o segredo.
     Virtudes assim exercitadas acabam por despertar o que há de melhor em nós, a parte divina, digamos. E é o que precisamos fazer emergir, já que entendo que este é o objetivo da vida: evoluir, crescer, mesmo que seja em um só aspecto.
     E o amor, acredito, será expandido para todos. Nada de preconceitos, limites, pois o amor não é limitado. Família torna-se , então, um exercício. O amor que nutrimos e desfrutamos amplia-se para que abracemos toda a humanidade neste grande sentimento de confraternização.
     Mas esta idéia representa um ideal, claro. Um ideal que quase nunca encontramos realizado. A sociedade vem mudando celeremente e o ideal desejado muda a cada geração com naturalidade. Os antigos, então, se escandalizam com as mudanças, mas nada há o que fazer. É esperar, ver, planejar e viver em harmonia com os nossos mais recônditos sentimentos.
     E nada de ficar remoendo épocas passadas e acumulando amarguras no coração. Não! Rejeitar sempre a queda para o negativismo permitirá que aceitemos novos rumos e nos insiramos no atual contexto do mundo em que vivemos. Saturar a mente de idealismo positivo dará , talvez, uma confiança, uma leveza e certa harmonia primordiais a nossa saúde.
      Sabemos que cônjuges podem viver felizes em casas separadas, que casais se separam mas continuam a cuidar de seus filhos com muita cumplicidade e a maioria nem pretende mais casar. A nova atitude passa uma certa imagem de liberdade e de maturidade.
     Confesso que a imagem guardada na lembrança da família tradicional, expressando amor e carinho, atenção e cuidados, mesmo que, de vez em vez, aconteçam pequenos desentendimentos, pequenos ajustes de convivência,  ainda é forte em mim. Pai e mãe presentes e a terna figura dos avós , tios e tias, primos e primas, todos entrelaçados pelo sentimento harmônico, talvez seja uma grande oportunidade de exercitarmos as virtudes latentes no ser humano e que estão disfarçadas e confusas pelos atropelos do mundo moderno.