sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

PELOS CAMINHOS QUE ANDO

    " sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora
..."
     Ontem, ao utilizar um desses carros que chamamos pelo aplicativo no celular, assim que entrei, senti um cheiro forte de gás. Muito forte. Tão forte que minhas fossas nasais ardiam, parecia até que havia nelas pimenta.
     Avisei ao motorista e ele, calmo, confirmou que, realmente, estava o carro a ser alimentado a gás, que ficava atrás. Por isso eu sentia o desconforto e ele não.
     "_ Não seja por isso," bradei, decidida; passarei para o assento da frente, ao seu lado.
     Notei que, ao sentar-me, deu uma olhada de soslaio, passou a narrar fatos da política atual com entusiasmo, mostrando conhecimento e tentando atrair minha simpatia.
     E, entre uma fala e outra, um tapinha amistoso , nada convencional, desferia-me na coxa, coberta pela grossa calça jeans. Ainda bem.
     Estava muito cansada e ansiosa para chegar em casa, de modo que fui relevando, relevando...  e chegamos. Ao  saltar ainda me disse: "_ Tem bom faro!", referindo-se a minha percepção ao cheiro do gás.
     Fatos assim ainda me  desconcertam, mas consigo superar este tipo de atrevimento. Peso na balança os prós e os contras e determino  a linha de conduta. Entro em estado de alerta e confio nos meus reflexos rápidos.
     Hoje tudo foi diferente  ao chamar um carro. Após uma breve observação , ao avistarmos, à porta de uma empresa, um casal de jovens fumando, ao lado de uma dessas  cestas de lixo  da prefeitura, muito suja, iniciamos uma agradável conversa, pontuada por conclusões . Comentamos que, apesar de tantos alertas quanto aos malefícios do fumo, ainda muitas pessoas insistem neste erro fatídico.
     O motorista Cláudio, cerca de quarenta e poucos anos, disse-me, então, que fora educado pelos avós. Respeitoso, atencioso, "sem vícios, casado, com um filho trabalhador".
     Ora, ora, isto me enche de satisfação. Saber que o mundo não está de todo alterado. Contou-me que, criança, tomou de um colega a borracha e levou para casa. Sua avó, atenta, cuidadosa, quis saber que borracha era aquela (Ele falava sempre a verdade. Era o combinado!).
     Sem pestanejar, ela acendeu uma das bocas do fogão, levando a mão do pequeno até bem próximo à labareda, causando-lhe um susto e um aprendizado. Um tanto arriscado, eu diria, mas assim ela disciplinava seu neto, com rigor chocante.
     Hoje, aos noventa e nove anos, sua avó ainda marca presença forte na vida deste homem simples, coerente, lúcido, saudável e educado. A conversa discorreu pelos temas atuais  e, de vez em vez, comparávamos com os tempos de outrora. De juventude mais sadia,  de pessoas menos apressadas, mais confiantes. menos ansiosas, mais felizes.
 
  " pelos caminhos que ando
um dia vai ser
                                        só não sei quando "      
 
ops: os poemas aqui apresentados  são de autoria do poeta curitibano Paulo Leminski

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

HÁBITO DELICIOSO

    

    Fui almoçar num restaurante simpático de um Shopping, onde o forte são os sucos... mas encantei-me pelas saladinhas. Você escolhe uma certa quantidade de itens, o molho, o acompanhamento, enfim você forma a sua salada. E são muitas opções.
     Quem já conheceu o Restaurante Chaika, em Ipanema , sabe que esta era uma das delícias de lá. A mesma fórmula.  E dava certo!
     Mas ontem, depois de sonhar e de planejar minuciosamente o almoço, desencantei-me. Não sei se foi sal ou limão demais. 
     No pagamento, não me contive, narrei ao garção o ocorrido, o erro da mão,  o paladar ácido e salgado e o número de ingredientes desequilibrado: muitas azeitonas e pedacinhos de peito de peru em demasia. Raras lascas de abacaxi, quase nenhum orégano, frango então... nem se via! Clara de ovo? Quase nada. Em compensação, o queijo de Minas era farto, porém desenxabido.
     Em casa, hoje, resolvi cozinhar. Um arroz soltinho, misturado à vagem_  daquelas fininhas e crocantes sem fio, cortada em pedacinhos, uma cenoura também cortada miudinho e um ovo batido levemente onde foram colocadas tirinhas de azeitonas verdes bem firmes e o feijão preto com caldo encorpado e saboroso que já tinha no freezer.
     O filé de frango acebolado e mais rodelas delgadas de pepino, sem sementes, regado ao extra virgem de origem chilena. Prefiro os italianos, mas encontrei este por um bom preço.
     Lembrei-me, na hora da preparação, de uma antiga professora de culinária de um programa na TV. Chamava-se Ofélia Aunciato e era muito querida. Sua cozinha era simples e deliciosa. Explicava tudo com paciência e muita ternura. Até hoje tenho seus livros e, quase todos, autografados.
     Acho estranho quando alguém diz que não sabe cozinhar e faz questão de dizê-lo enfaticamente como se isto fosse uma qualidade dos inteligentes. Para mim, soa como falha. Se precisamos comer, havemos de aprender a fazer a nossa própria comida; não depender de outra pessoa para coisas tão básicas é fundamental. Questão até de bom senso.
     Mas nós, brasileiros, temos um passado histórico tenebroso, onde a escravidão demonstrou, por muitas vezes, o mau caráter, a indolência, a crueldade e a ignorância.
     Noutro dia, num programa de TV, uma cantora muito conhecida e que também apresenta , revelou que suas roupas íntimas ela não lava, de jeito nenhum! Imagina, que horror, lavar as próprias calcinhas... Não, não, ela "tinha empregada para isto", afirmava, em tom esnobe.
     Que péssimo exemplo para as seguidoras alienadas. Ah. Lembrei-me. Ela revela sua religião em alto e bom tom, com orgulho. Recita salmos e canta gospel empolgada.
     O mundo capenga está enlouquecido... Pela manhã, voltando pra casa, num trecho da rua, além da feira de orgânicos, vi a moça que, num tabuleiro vendia cafezinho da garrafa térmica, o caminhão de lixo especial tentando manobrar à porta do hospital, um rapaz oferecia salgados, enquanto um paciente , à primeira vista semimorto, deslizava , acomodado numa maca,com a ajuda de funcionários, para dentro da ambulância com sua luz vermelha tremeluzente, estacionada atrás do caminhão de lixo hospitalar.  
    Bem, façamos o que nos dá prazer. Esta é uma dica para amenizar a sofreguidão do mundo em que vivemos. E preparar a nossa comidinha pode se tornar um hábito delicioso... Falando nisso, está na hora da minha tapioca, recheada com queijo , acompanhada de um café esperto!
 
O velho fogão carcomido  pelo tempo
cujo escuro esqueleto já passa a mostrar
é que me ajuda com seu fogo lento
 mil delícias,  dia a dia, a preparar.
       
     

domingo, 26 de novembro de 2017

O PÉ DE AVOCADO

     Levei para casa, dia desses,  um avocado, aquela fruta que parece um abacate pequeno.
      De origem mexicana, trazido para o Brasil por um engenheiro agrônomo em 1975, seu consumo ainda é reduzido. Mais caro e mais magro do que o abacate comum, excelente para diminuir o colesterol, riquíssimo em vitaminas, sais minerais e potássio, tornou-se o queridinho dos esportistas.
     Aliás, devo acrescentar que todos os alimentos de cor verde são benéficos ao coração. Você sabia? Verde é a cor do chakra cardíaco e um grande tônico para o organismo. A cor verde ajusta as vibrações. Não é à toa que nos hospitais ela transita...
     Ideal para comer numa única refeição, geralmente acompanhado de granola,  sem precisar guardar o restante como o abacate comum, que, mesmo na geladeira, escurece.
     Para mim, estava perfeito! Saboreei, num lanche de domingo e achei muito agradável seu paladar. Não sei bem o porquê, deixei o caroço _ do tamanho de uma noz, na janela da cozinha, ao lado do vasinho com alecrim, na altura do meu olhar. Admirava-o todos os dias e pensava que ali estava reservada uma nova vida!
     Ficou durante um bom tempo a me encantar os olhos e a provocar reflexões ... Até que, coloquei-o com delicadeza sobre a terra do vaso à entrada do apartamento, sem pretensões.
    Esqueci-me dele.
    Num dia, como num conto infantil, eis que um belo pé de avocado surgiu!... Lindo, vigoroso, determinado a se desenvolver.
     Preocupo-me com ele, criança ainda, ávido pela vida, ingênuo. Os vizinhos vêm apreciá-lo. Alguém afirmou que é o mais belo abacateiro já visto... coisas assim, de gente entusiasmada com o vigor da natureza.
     Mas estou inquieta. Até quando o pequeno pé de avocado manterá esta desenvoltura? Isto somente o tempo dirá.
    
     


sábado, 18 de novembro de 2017

A MORTE DA BALEIA

     Não foi por acaso a foto. Não. Tive meus motivos, ao encarar a baleia  morta na areia da praia de Ipanema. Sabemos que nada é permanente, definitivo. Mas aquela vida parecia-me  desperdiçada e causava-me profunda dó. Questiono se já teria cumprido o seu papel no contexto do universo.
     Muitas pessoas em torno comentavam. Uns diziam que já chegara morta na praia, vítima, certamente, do acúmulo de lixo nos oceanos. Outros afirmavam que morrera encalhada na areia. 
     Estes animais, assim como as tartarugas e outros bichos do mar, engolem coisas que lhes fazem mal e lhes roubam a vida. Material que é jogado no mar pelos homens sem consciência.
     O fato serve como alerta, estudo e discussão em salas de aula, a prepararmos as novas gerações para o desabrochar do entendimento da vida e a nossa responsabilidade com ela .
     Quando menina_  lembro-me, era uma manhã feliz de sol, meu pai levou-me a ver uma baleia que tinha encalhado numa praia do Rio de Janeiro. Fiquei tão impressionada! Seu corpanzil era, talvez, três vezes maior do que este da foto.
     Fiquei segurando a mão grande e firme de papai durante todo o passeio. Assim , sentia-me segura, ante aquele bicho incrivelmente grande.
    Nesta ocasião, lembrava-me a todo instante da história de Pinocchio, o boneco encantado de madeira que, ao tentar salvar seu pai  engolido por uma baleia, teve o mesmo destino. Mas tudo acabou bem na história.
    Aqui, no último feriado, de praia lotada, a cena vista por todos era desoladora. Inspirou-nos piedade, tristeza e reflexão sobre a natureza pulsante do nosso planeta. A Terra geme, grita , suplica entendimento e cuidados.
     Quando o sol baixou,  os que se deliciaram com as águas frescas do mar e aproveitaram o sol de primavera deixaram um rastro de imundícies espalhado na areia. Quantas cenas como esta  nossos olhos ainda terão que ver até que a sensibilidade brote dos corações adormecidos?
    
    

domingo, 5 de novembro de 2017

DOMINGO MORRINHENTO

     " Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo..."
(Mario Quintana)
Se saio, posso pegar um vento forte, uma tremenda chuva repentina, um resfriado sem graça... Se fico, me esbaldo nos textos, nas leituras, nas conversas com amigos...
     Mas o nosso corpo é uma máquina incrível que está sempre a pedir reparos e quer movimento.
     O que fazer? Arrisco-me? Ou defendo a tese que boa romaria faz quem em sua casa fica em paz? Há dúvidas.
     Aos domingos, tudo lá fora está mais quieto, com pedintes espalhados pelo chão, o comércio fechado, somente as cafeterias e lanchonetes funcionando. E o mercado também insiste em manter as portas levantadas, fazendo uso de seus seguranças quando ameaçados por ladrões.
     O vento encorpa, ameaça trazer chuva, afasta os pássaros da minha janela.
     Levanto-me decidida a enfrentar as caretas do mau tempo. Escolho a roupa adequada a uma breve caminhada, agasalho o pescoço fino com um lenço de algodão, decido pelo par de tênis, protejo a garganta com uma pastilha de limão e mel. Guarda-chuva não é aconselhável, virará ao contrário com as lufadas do vento.  Talvez eu rume à feirinha de artesanato, tão próxima.
     Retorno, quase embevecida. Coisa de poeta, de quem vive como sílfide, um tanto suspensa em sonhos.


     Serão camélias adornando a esquina da rua onde moro? Não resisti, arrisquei-me a fotografar esta imagem tão bela, tão rara ,para que não se perca esta beleza, ainda que efêmera. Que fique gravada em nós a beleza perfeita da criação.
     Mais uns passos, enveredo-me por outro caminho, 'está fresca a tarde, hei de aproveitá-la!', pensei. E, olhando pra cima, à procura do céu, mais um retrato da natureza viçosa.
     Este é um movimento de liberdade, de expansão, de culto ao que importa, de fato. Renovação de energia, boa vibração, perfumes. Certamente, apreciar o belo, o puro faz bem à alma, é o seu alimento.
     Em tudo na vida podemos optar. Sempre haverá caminhos a escolher. O saudável é o recomendado. Ou seja, aquilo que nos acalma, nos eleva, nos liberta.
    
 

 
          Inspirada pela beleza sofisticada desta flor, encontrada num canteiro pequenino, ao lado de um prédio,  entrego-me ao exercício da aquarela. A Arte também promove a saúde e o encontro com a felicidade que já habita dentro de nós.

     " O olhar do poeta é como o olhar de um condenado...
como o olhar de Deus."
(Mario Quintana)
 

domingo, 29 de outubro de 2017

CARIDADE?

     Amizade ou caridade_ esta é a questão.
   Não saem da minha memória  as palavras que ouvi de uma  amiga dos tempos da mocidade, comentando a respeito de uma amiga comum (vou chama-la de Gertrudes).
     Soou-me mal. Muito mal. Disse-me ela que , como Gertrudes está passando um período difícil, ela fez uma tremenda caridade! Telefonou-lhe.
     Conversou, aconselhou, "fiz uma grande caridade", disse-me, enfaticamente
     Encrespei-me. Não domino ainda a grande sabedoria dos mestres: o silêncio nestas horas é precioso. Porque nada adiantam nossas considerações e palpites, pois a outra pessoa está certa como dois e dois são quatro!
     Então questionei-a: "Caridade? Mas isso não é um exagero? Não seria o exercício da mais profunda e sincera amizade? Você telefona, aconselha, conversa..."
     E como a minha amiga_ vou chamá-la de Joana_ insistisse muito, chegando a afirmar suas certezas sobre caridade atabalhoadamente, quase sem respirar, num crescente de ansiedade, então... calei-me.
     Calei a fala, porém os pensamentos não. Eles não sossegam. Continuam, inquietos, atordoam-me.
     Pensamos que conhecemos alguém lá de trás, que esteve conosco na mesma trilha, época de estudantes. Mas o tempo passa, a vida toma rumos inesperados, as ideias modificam, as palavras podem endurecer e o coração necrosar. Ainda bem que não acontece com todos.
     Tempos difíceis estes de agora. Muitas vezes, os amigos de antes ficaram lá no passado e a lembrança guardada é boa. Que fiquem lá, como peças importantes da vida que vivi, nos tempos de inocência e alegria pura.
     A vida às vezes machuca tanto que, se sondarmos o coração, só restarão desilusões , tristezas, amarguras.
     A ordem  agora é de reciclagem. Palavra atual. Reciclo então  as companhias, os ideais. Não se pode perde-los.  Os ideais, claro.
    



terça-feira, 17 de outubro de 2017

AMOR E PÁSSAROS

    Foi provado pelas pesquisas de um renomado cientista, sobre cristais de água, que a vibração dos pensamentos e das emoções muda a  estrutura da água.
     Ora, se o nosso corpo é formado de 90% de água,  fácil é compreender que pensamentos e emoções nele_ no corpo, interferem.
     Aos céticos ferrenhos aconselho modestamente que não estudem nem leiam sobre este assunto, a menos que não se indisponham às mudanças de pensamentos e conclusões! Assunto palpitante que nos permite ascender conscientemente, tornando-nos melhores e mais brilhantes.
     Por conta disto, tomando nas mãos um livro, cujo título , já de entrada, aguça lembranças desastrosas do momento atual da sociedade, resolvi alterá-lo, nem que fosse somente para o meu exemplar.
     Tomei do jornal_ não procurei em livros de poemas_e folheei atentamente, até  encontrar a palavra que buscava: amor, para colar na capa, por cima da palavra  ódio.

     Uma só palavra amor em todo o jornal, encontrada na coluna de Ancelmo Gois! Uma só. E tinha que estar junto aos pássaros!...
    
 

       " Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
_vós que viajais inertes
como defuntos num caixão_
se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
_Inclusive o amor e outras novidades."
(Quintana)

sábado, 14 de outubro de 2017

FILÓSOFO POP

     Na livraria do shopping, a amiga levou para casa um DVD de um filme nacional e eu, para variar, um livro. Desta vez, do incomparável Leandro Karnal.
     Fico me perguntando o motivo de tanta admiração. Simples. Descobri noutro dia: ele se expressa com absoluta franqueza.
 
     Quando palestra, todo o seu conhecimento, adquirido durante a  longa trajetória de dedicação absoluta nos estudos , pesquisas e magistério é passado de forma natural, sem afetação.
     Tenho que ter cuidado para não exagerar, mas ultimamente, dou mais ouvidos a ele do que a qualquer outro, seja na TV ou nos vídeos lançados no youtube. É uma caudalosa enxurrada de aprendizado para os ouvintes atentos, naturalmente. E, além disso, temos muitas coisas em comum!...
     Estou neste namoro há algum tempo. E cada vez mais me interesso pelas coisas que diz com tanta propriedade. O tema abordado, principalmente  nas últimas aparições,tem sido a ética.
     O livro fala sobre isto e muito mais. Discorre sobre alguns sentimentos como ódio e preconceito que existem, sim, no coração do brasileiro.
     Achei o título forte, mexeu comigo, não me fez bem. Impiedoso no tom, empurra-nos ao precipício da realidade nua e crua.
     No entanto, para mim, que não estou presa a nenhum compromisso com Universidades e que tento percorrer a estrada de um outro tipo de conhecimento, creio que o Amor, sim, é a nossa base fundamental. É o Amor que cria, assim como a raiva e o ódio destroem. Fomos criados por amor. E ele existe dentro de nós!
     Para Sri Daya Mata e muitos outros mestres, "a vida não tem sentido sem amor". Este sentimento só é encontrado nas profundezas do nosso Ser e a prática da meditação, assim como os livros, é o veículo que facilita este encontro.
     É um caminho prolongado, consciente,  de muito estudo e dedicação também. É como ele explica. Quer aprender? Simples: pegue uma cadeira, sente-se , abra o livro e comece a leitura com atenção plena!
     Quer perceber o Amor em si? Simples: respire, relaxe e pratique a meditação. Por mais breve que seja, sempre fará com que avancemos mais um pouquinho para o destino que nos aguarda: a comunhão  com o amor e a felicidade.

 
 
 
 

terça-feira, 10 de outubro de 2017

NO TÚNEL DO TEMPO

    
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 Era uma boa distração para minha mãe. Para minha mãe. Para mim, um tormento . 
     Momentos que se tornavam longos, até a etapa final: a foto! Minha mãe elaborava, idealizava e não havia foto sem mim. Ela me arrumava, arquitetava as minúcias da veste, dos adornos, todo o cenário. Haja disposição e paciência! Para minha mãe, uma diversão, que ela fazia sorrindo o tempo todo com a sua inseparável Kodak. Eu, calada, obediente, cumpria todas as determinações dela:
     "Senta aqui, filha", dizia-me com ênfase, resolvida. Apruma-te, coloca a mãozinha sobre a outra, deixando aparecer o anel."
     " Agora, dá um sorriso, filhinha!" "Isso, muito bem." "Vira de costas, pra aparecer o decote."

     Costurava todos os meus vestidos e se orgulhava muito. Afinal, os copiava de uma loja famosa da Rua do Ouvidor. Desenhava, cortava o molde, comprava a fazenda igual e ficava uma perfeição! Que mulher habilidosa era a minha mãe!
     Desde cedo, bebê ainda, todas as fotos era mamãe quem as tirava. Cada sorrisinho... um flash!, como diria aquela personagem de uma novela da Globo.
     Sentada no troninho, dormindo, ao acordar, ao cair o primeiro dente, na cadeirinha de vime, no jardim, no batente da porta...
    As festas da Escola _chegada da Primavera, dia disso, dia daquilo, todas, D. Judith não perdia a oportunidade para vestir-me a caráter e ter o prazer de fotografar-me. Sem dúvida, tinha queda para tal Arte.
     Pequena, usava os cabelos soltos; logo depois, eram presos por grandes laçarotes que eu abominava. Mas criança não dava palpite, muito menos se estava gostando ou não. Tinha dores de cabeça terríveis, mas nunca dissera nada para não desconcertar minha mãe, sempre tão animada.
     Lembro-me que aos cinco anos fomos  a um renomado fotógrafo: Marcondes. Era um acontecimento!Ficaram lindas as fotos, apesar dos laçarotes continuarem a me martirizar.
     Mais tarde, aos quinze, retornamos ao mesmo artista, mas agora, já  adolescente, tive uma pequena crise de rebeldia! Não estava gostando nem do vestido, nem do sapato, de nada, nada! E fiquei séria durante toda a viagem, em pé, de condução comum, chamando a atenção de todos, pois trajava um belo vestido de festa, de cetim cor-de-rosa.
     Minha mãe afligira-se, não sabia o que fazer para contentar-me, porém, abdicar da foto, jamais! Fomos. E hoje, ao apreciá-las,com calma,  revivo ainda aqueles momentos, tão cheios de  ilusões.
     Nas redes sociais, as pessoas estão postando suas fotos da infância. É outubro. E, abrindo o álbum, para, quem sabe, escolher também alguma, mergulhei em muitas lembranças e fui tomada por uma enxurrada de emoções...
 
     "...
porque se pode ver entre o vidro e o retrato
uma folha outrora verde, uns cabelos que já foram vivos
e agora para sempre imóveis na moldura negra
e, na fotografia, alguém está sorrindo eternamente
quando um sorriso, para ser sorriso, devia ser efêmero...
..."
(RETRATO SOBRE A CÔMODA, Quintana) 
 
 

 
 

domingo, 8 de outubro de 2017

ENREDO DE FELICIDADE

     Se a tristeza me ronda... escrevo; se é a alegria que irrompe no coração... escrevo; se nem a alegria , nem a tristeza me procuram... escrevo. Feliz passatempo que , ao longo da vida, tenho cultivado.
     A caminhada costumeira até o mar, cedinho, me faz muito bem. E mesmo me arriscando a ouvir tiroteios inesperados, ainda mantenho este hábito salutar. Hoje não foi diferente. Procurei uma cadeira banhada pelo sol num quiosque e lá fiquei.
 
 
 
 

     Um funcionário ajeitava tudo, colocando as mesinhas de madeira envernizadas e as cadeiras do conjunto harmoniosamente arrumadas. Senti-me um tanto constrangida, já que não tinha pedido o côco de sempre.
     Mas a manhã reservou-me uma surpresa. E das boas.
     Olho para o lado e o vejo trazendo um côco para mim! "Não precisa pagar" adiantou-se ele. " Este é por conta da casa."
     Agradeci, perplexa, tentei recusar, mas foi em vão. A gentileza foi feita. Restou-me agradecer e saborear.
     Sol e água de côco combinam. Mar à vista, brisas, gaivotas, cheiro de mar... Um enredo de felicidade.
     Levantei-me depois de tornar a agradecer e peguei o caminho de volta até chegar a uma cafeteria movimentada. Famílias, casais, crianças, cães. Uma suave alegria era o clima quase contagiante. Mas nessa etapa da vida, observamos. Não nos contagiamos tanto assim. Observei.
     Extravagâncias, estardalhaços da meia idade, crianças ainda sonolentas, velhinhos destemperados, garçons atenciosos e lentos. Mendigos se aproximaram, atrevidos. Uma senhora com um cão o alimentava  igualmente: pãozinho com manteiga molhado no leite, pedacinhos de pastel de nata, lascas de queijo. Conversava com ele que, impaciente, abocanhava os petiscos.
     Retornei do passeio pra casa, o coração dava mostras de cansaço.  E me detive comparando o dia de hoje com o  de ontem,  quando fiz exames numa clínica conceituada.
     Entro no vestiário, saio do vestiário, espero no corredor, vou ao banheiro, saio do banheiro, rumo para a sala do exame. Por um bom tempo um barulho estrondoso  quase dilacera o nosso cérebro! Mas sobrevivemos! Saio da sala, meio tonta, vou ao banheiro, saio do banheiro, aceno ligeiramente para uma senhora sentada, já com o seu jaleco para o exame, entro no vestiário.
     Muito lentamente e com atenção máxima volto a me vestir. A cabeça zonza. Consigo sair do pequenino compartimento vestida como antes. O lenço esvoaçante agora levo nas mãos. O gloss para os lábios não deixo de passar, recurso para um up ao rosto um pouco abatido.
     Atordoada ainda, sentei-se numa cadeira do corredor e iniciamos uma ligeira conversa com a paciente que ali estava. A fala fluía, solta, quando percebi que estava sem o meu anel. Tinha certeza de ter saído de casa com ele!
     A paciente sorri e conta-me_ creio que para amenizar o meu embaraço, que também perdera trezentos reais nesta semana.  Disse-me ela, num tom desanimador:" É assim mesmo, perde-se e não se sabe como..."
     Procuro aqui e ali, entro no vestiário, no banheiro e nada. Falo com a jovem recepcionista que  sorri, enigmática  e diz com displicência..." Não, senhora, não vi, ninguém me entregou nada."
     Pois como sumira assim? Confesso que me afligi um pouco. Este era um anel especial. Tinha um significado para mim. Então, calma mas resoluta decido que vou falar com a supervisora.  Escancaro a minha resolução. Pergunto onde fica a autoridade? Em que andar a encontro  e qual o seu nome?
     " Há muitas", responde-me ela, num tom apreensivo.
     E quando me despeço ligeiramente e rumo ao elevador, sua voz revela-me: " Senhora, por acaso é este o seu anel? Estava aqui, na mesa..."
     Abracei-a, num ímpeto, comovida! Não percebi seu calor humano, somente uma frieza desconcertante em uma estampa calcificada num fiapo de sorriso.
     Acenei novamente para as pessoas que esperavam(agora já eram duas)e saí da clínica com o lenço de seda cor-de-rosa, adornando o meu colo, esvoaçante, ao sabor da brisa fresca da primavera.
    
    
    

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

FASE POÉTICO-POENTE

    " ...
Ao acordar
vi um pássaro cantando entre as flores.
Quis saber:' Que dia é hoje?'
'Primavera', responderam.
'O corrupião canta'. Suspirei.
Aquele canto me tocou
..."
( Li Bai)
 
     Estávamos ali, na cafeteria Starbucks, num dos andares  do " shopping das escadas", conversando amenidades, trocando ideias e confidências. Amizade selada numa viagem turística. Companheiras de poltronas até a linda Guarapari, no Espírito Santo.      Mulher de princípios, amiga dedicada , uma guerreira na vida. 
     Lá pelas tantas, depois de muito bate-papo, no meio do lanche, ela comenta: " Por que os jovens têm tanta alegria e nós, da idade madura, não podemos sentir ainda a alegria de viver?
     Bem, a fase é outra, então os hábitos cultivados até os dias de hoje deverão mudar.
      Não quis detê-la na reflexão brotada espontaneamente, logo após algumas considerações, mas pensei  nas mudanças de hábito prementes, se quisermos manter uma certa saúde e bem estar: passar a comer menos, aceitar com tranquilidade algumas noites insones, procurar dormir e acordar cedo , caminhar mais e devagar, ter uma vida social_ e nisto há um tanto de dificuldade, ou porque alguns amigos já se foram _se é que em entendem, ou porque outros mudaram tão completamente que já não sintonizam mais  conosco.
     Refeita  do questionamento impactante, pois inesperado , soprou-se-me um pensamento revelador. Disse-lhe, então, com uma pitadinha de euforia: " Amiga, os jovens estão construindo a vida, neurônios a toda, entusiasmo a mil ! Enquanto nós, nesta fase poético-poente temos agora tempo bastante para inovar o nosso comportamento! Apreciar detidamente  ao nosso redor: a pessoa que fala conosco, uma vitrine, um livro que desperte o nosso interesse, a ave alçando voo, uma nova canção...
     Se quisermos, esta fase será muito rica, nos alegraremos com os detalhes, com as pequenas coisas, como este nosso encontro feliz e bem-humorado, abençoado. Há muito para ser descoberto e apreciado."
     E a minha amiga concordou, meneando a cabeça e sorrindo  delicadamente.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

NA COLÔNIA DOS PESCADORES

    

                                     (vista de dentro do Forte de Copacabana)
      Era uma manhã calma, dessas em que a brisa passa por nós como um carinho de Deus.
     Início de primavera, algumas ondas suaves num mar transparente  se lançavam nos muros do Forte de Copacabana, levantando a espuma branca como uma louvação àquele cenário.
     Nenhum lobo do mar à vista, descansando por ali, como já  ocorrera há algum tempo. Somente o sol num céu anilado, limpo de nuvens hostis.
     Vista inspiradora, perfeita ao poeta sensível, mas nem ousava tanto. Apenas desejava usufruir de toda a maravilha ali presente, saborear a cada passo, a cada respiração ritmada a doce beleza ali estampada.
     Andei até o final da orla de Copacabana, presenciei na colônia dos pescadores a venda dos peixes fresquinhos ali expostos, arrumados em fileiras nos grande tabuleiros de madeira .
     A capelinha ornamentada era um convite à oração .
     Dei a volta e sentei-me num daqueles bancos que ficam lotados logo cedinho. Mas havia um lugar, um só, num deles. Bem em frente ao sol nascituro, iria me deliciar banhando-me com seus raios , aquecendo o corpo e a alma.Esta a minha intenção de imediato.
     De um lado, um senhor grande e gordo, envergado pelo peso dos anos, certamente. Do outro, uma senhorinha nada amistosa que tentava conversar com o seu companheiro, marido talvez, usando monossílabos que escorregavam de sua boca frouxa entreaberta.
     O velhinho da esquerda olhava pra mim, de soslaio, com cobiça e tentava esboçar um sorriso que logo, logo se desmanchava como se fosse uma aquarela amorfa.
     A velhinha da direita dizia: " Olha lá(se referindo a um cachorro que passava)." Sem exclamação. E o velhinho tentava olhar, se virando tão devagar que não chegava a ver o que ela queria que ele visse...
     Assim os minutos escorregavam... Até que o seu acompanhante falou algo e prestei atenção:" Deu que hoje ia chover..." E a senhora completa: " Erram sempre."
     Nisso, o meu vizinho à esquerda se entusiasma  e passa o seu braço pelo meu lugar de encosto. Entro em estado de alerta.
     Enquanto isso, o jogo de vôlei master à nossa frente acelera e um dos componentes cai quando consegue erguer o braço com a bola. Desequilibra-se e cai na areia ainda úmida. O time reclama, vaia muito e diz sonoros palavrões sem nenhum pudor.
     Achei que estava na hora. Na hora de levantar, atravessar a Avenida Atlântica e ir em busca de morangos fresquinhos na feira da rua em frente.
    

     

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ESQUISITICES

     Não. Não sou mais deste mundo, penso. Tudo ficou esquisito, músicas (?) barulhentas, sem melodia alguma, letras tão pobres, pessoas aparentemente desconectadas de si mesmas...
      O que salva é a"Poesia com Rapadura", criação de um espaço num programa matinal da TV brasileira, onde um poeta nordestino, famoso agora, sempre nos presenteia com um poema de cordel.
     O cabra da peste tem valor! Sabe, como ninguém, tocar o coração das pessoas ainda sensíveis.
     E nada como a Poesia nos dias de hoje a nos dar uma chacoalhada para apreciarmos o que ainda é belo e puro e verdadeiro.
     Hoje passou por mim, na calçada, uma velhinha. Mal conseguia andar com suas perninhas magrelas e pequeninas_ devia ter cerca de um metro e quarenta de altura...
     Usava calças coladas e a boca vermelha , já sem definição. Olhou pra mim, com olhar inquisidor. Desviei o meu. E ela continuou a sua caminhada, meio trôpega, meio sem sentido, balançando o esqueleto , a recordar sua ginga de outrora. Triste figura.
     Mas o quê faço? Julgo. E isto não me agrada. Nem um pouquinho.
     Ao telefone, confesso a um antigo amigo que voltei a me interessar pelo jogo de damas, depois que assisti a um programa de TV, onde comentaram sobre os benefícios deste entretenimento.
     Qual não foi a minha surpresa a ouvi-lo, num tom nervoso, voz alterada, que nunca se interessou por estes tipo de jogos_ dama, xadrez, nada disso! O interesse dele seria por bolinhas de gude. "Isso sim, é que me distraía, e não jogos de tabuleiro , onde há um ganhador, onde  aquele que derrota é o mais esperto, inteligente. Não, não os suporto."
     Falou com tal ênfase, que soou como crítica severa. Desconcertei-me. Calei-me. Até as amizades antigas mostram agora um lado antes oculto...
     Mas esse desabafo foi uma velada crítica, ou não? Ando ouvindo em demasia o filósofo, estabelecido na mídia_ Karnal. E já que tenho nata a tendência de análise, agora, então, tudo torna-se motivo para questionamentos.
    O dia foi longo, a espera foi pouca e nada, nem mesmo as esquisitices do mundo atual irão abalar um coração decidido a amar.
    



quinta-feira, 28 de setembro de 2017

ESTRATÉGIAS CONTRA O ESTRESSE

     Qual não foi  o tamanho do meu entusiasmo quando, voando placidamente, veio a grande ave. Como se tivesse planejado com minúcias, como  uma verdadeira estrategista, fez um pouso surpreendentemente suave, apesar do grande porte. De asas enormes, bico longo, pernas muito altas, ali chegou com um só intuito: comer algum peixe distraído.
     

       Era primeira vez que via a grande garça-moura, assim, de perto. Antes já tinha visto em fotos de  livros que estudam pássaros.
     Mas um bicho assim, voando baixo e pousando pertinho da gente, provoca-nos alguma reflexão. Reflexão no mistério da grandeza da vida, no meio ambiente, na alegria que surge, espontânea, ao darmos atenção à natureza a nossa volta.
     Hoje conversei com um amigo meu, fisioterapeuta, de grandes virtudes, como a honestidade e a franqueza. E, conversando, ele me disse que " as pessoas, em geral preferem o artificialismo, o engodo, a afetação".
     Ele dá alta ao paciente, quando percebe que não precisa mais de atendimento;  diz, claramente que, o que a pessoa tem não é inchaço e, sim, gordura localizada e, para combatê-la não precisa de fisioterapia,mas de caminhada e exercícios!
     Conhecimento. Honestidade. Simplicidade. Virtudes raras.
     Digo isto porque  talvez fosse mais atraente um texto mirabolante em que me permitisse revelar citações de autores modernosos, famosos pela mídia, de citar experiências vividas em cidades conhecidas pelo luxo e pela riqueza. Mas sou da turma dos ingênuos, dos simples(não confundam com tolos e ignorantes).
     É preciso muita sofisticação para chegarmos à simplicidade_  pela idade física , ou pelas múltiplas reencarnações.
     E de que maneira fazemos isso?    Sem stress, sem dores na cervical, sem ofensas revidadas... Conectando-nos à Natureza, em princípio. Existem outros métodos, porém para as mentes estressadas, que zombam do que não conhecem, tornam-se inalcançáveis!...
     Direi que , pouco a pouco, estabelecendo primeiro um contato visual e, mais tarde, vigoroso, a conexão com as forças da vida nos impulsionará a uma certa liberdade para a reflexão ponderada  e ação mais justa.
     Portanto, ainda sob o doce impacto do encontro inesperado, comungo com Castro Alves. Com quem, além do poeta, posso me entender agora diante desta boa emoção?
"...
 Larga harmonia embalsamava os ares.
Era dos seres a harmonia imensa,
 Vago concerto de saudade infinda!
..."
    
    

    

    

    
      

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

LADRÃO DE PASSARINHOS


    


    
O mundo está muito diferente, diferente daquele vivido nos idos de 60, onde a preocupação nossa era com o ladrão de passarinhos.
     Morávamos perto de um morro, quer dizer, no final da rua havia um morro: o morro do Andaraí. Lá, meu pai tinha conhecidos que, como ele, amavam pássaros; pena que engaiolados. E relembro com tristeza  que, às vezes, organizavam rinhas. Que amor era esse?
     Uma barbaridade. Isto eu não compreendia. Como podia meu pai, cujo coração era nobre e bom, se render a estas torpezas com os pobres galos?
     Quanto aos cárceres das avezitas, meu pai, pacientemente, sempre, em conversas intermináveis, tentava me convencer de que, se soltasse os canários, os curiós, os coleirinhos, o azulão, o pintassilgo eles morreriam , pois sempre viveram em gaiolas, não saberiam buscar abrigo e alimentação.
     Isto foi o máximo de crueldade que presenciei., além da colega de classe do Primário, que adorava me beliscar, até eu sentir dor!  
     De resto,  o gatuno que, sorrateiramente, certa madrugada, aproveitando-se da escuridão,  roubou todos os passarinhos que papai enfileirara, nas suas gaiolinhas, à frente da casa, bem no alto, na parede de relevos, colorida de amarelo claro.
     Quanta diferença dos dias de hoje! Ouvindo o tiroteio pesado que tem ocorrido na nossa cidade,  eu perco a tranquilidade e consequentemente, passei a temer sair de casa com frequência, como fazia antes.
     Idealizamos passeios, visitas, mas vendo as imagens exaustivamente repetidas nos noticiários da TV, causa-nos uma tal estranheza que, a cada dia, vem crescendo o pavor  que nos paralisa. Então, analisados os prós e os contras, evitamos sair...
     Restam-nos os bons livros, as aquarelas, as palestras  e as entrevistas dos filósofos contemporâneos pelo Youtube , a boa música, os poemas tocantes, as conversas com amigos pelo telefone ainda, a companhia de Nat King Cole, Sarita Montiel, Emílio Santiago... aquela turma da pesada dos anos 60, 70...quando então,  havia melodia.
     Hoje, há barulho. Um irritante barulho repetitivo, pesado, desconcertante, infeliz.
     Hoje, há carantonhas pelo comércio, com poucas exceções. Hoje, as amizades já não são as mesmas.  Com o passar do tempo, ao invés de se tornarem mais próximas, mais afáveis e compreensivas, o azedume , qual ferrugem , assola os corações despreparados para a vida, que despejaram de si a esperança e a alegria.
     O jeito é confiar. Enjeitar o desânimo e o fracasso, acreditar na vida renovada. Pelo menos, este é o propósito  do meu coração.
    

                        (canário-da-terra, livre, num gramado do  Jardim Botânico do Rio de Janeiro)