terça-feira, 23 de setembro de 2014

PISCAR DE OLHOS

"Vazio agudo
Ando meio
Cheio de tudo"

Porque o poeta , dizem, 'é um fingidor', mas cá entre nós, tudo o que escreve preserva um tanto de si. Ou é tudo de si. Assim como o escritor curitibano, Paulo Leminski, quem de nós, às vezes, também não sente este vazio?
     A vida passa num piscar de olhos... Fiuuu... Quando você vê, já lá se foram os trinta, os quarenta, os cinquenta... Aí a coisa começa a acelerar. E se você for pobre de ideias e de ideais, está frito! Há que se ter alguma meta. Por mais tênue que seja. Um foco. Um 'por que estou vivo ainda'? E 'pra quê'?... São perguntas que, certamente, levarão você a penetrar__ se já não estiver, no mundo espiritualista, esotérico e seu interesse fará com que sejam abertas as portas de um valioso conhecimento. Talvez, quem sabe, tenha um gosto por artesanato, por música, pela escrita ou por sei lá mais o quê!
     São boas as questões, o filosofar, a busca pela quietude da mente mesmo ante estas curiosidades. Existem tantas matérias onde podemos mergulhar! Precisamos ter um espírito  interessado, bisbilhoteiro para que a saúde mental fique preservada. Um aguçar de interesse pela Vida, pela Criação e ,  a partir daí, estudar!...Sempre. É uma boa dica.
     A literatura é um caminho, porém há leituras que me dão a impressão que estou a perder meu tempo precioso que, afinal, está se esgotando...  Reencarnar não é fácil, dizem os estudiosos. E é na encarnação que temos a grande oportunidade de nos aperfeiçoarmos cada vez mais. Leituras insípidas, que não me enriquecem  abomino. Gosto da leitura que me traga de fato algum lazer ou conhecimento. Não me interesso pela tola erudição.
     Já li que até um simples resfriado nos libera de alguma dívida passada. Pode ser. Quem somos nós para afirmarmos que não? Sabemos pouco porque perdemos tempo com baboseiras. Isto é o de menos. A prática da maldade seria o caos para o próprio ofensor. Portanto, faço como o baiano Rui Barbosa que, inquirido sobre a sua religião, disse, sem pestanejar: " Quando faço o Bem, sinto-me bem; quando pratico o Mal, sinto-me mal. Esta é a minha religião."
     A Arte, sem dúvida, é um caminho para a libertação. Mas  muitos são atraídos para o vício e a má conduta que degrada. Todos nós somos passíveis de sermos atraídos tanto para o Bem_ e esta é a nossa Natureza, quanto para o erro, para a atitude equivocada, que nos afastaria da Felicidade.
     Cada um poderá encontrar o seu próprio caminho, mesmo depois de ter percorrido metade de um centenário. Ou continuará como está. Muita coisa pode mudar se quisermos. Sempre a Vontade a nos impulsionar!...
     Vejo pessoas desconectadas consigo e que apelam para medicamentos pesados, que alteram o cérebro. Vivem a se justificar das grosserias pelos remédios que tomam...
     Outras  se deixam levar por ilusões e abatimentos. Esperar dos outros nos tornará presas de tristezas e lamentos. Olhar para nós mesmos e confiar, acho que é mais correto. Confere a nós prudência e mais acertos. Mas o ser humano é frágil e preguiçoso, indolente, propenso à negatividade.
     Cada um tem o seu tempo. Somos diferentes. Ninguém tem o poder de alterar a linha de raciocínio e de conduta do outro. É pessoal, é íntima a reforma que nos libertará dos grilhões das lamúrias provindas da imensa ignorância que ainda domina  as consciências. 


"Não crie sofrimento, pratique a virtude, seja senhor de sua mente. Eis o ensinamento de todos os budas."
    
    
    
    



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

ENCONTRO COM CATARINA

     Estava decidido. Por que não passar naquela charmosa Cafeteria, antes do médico? ' Calma', dizia para mim mesma,  que dá tempo de sobra...
     Ainda tinha uns vinte minutos e as funcionárias são ligeiras no atendimento. Atravessei a rua no sinal e dirigi-me à galeria repleta de vitrinas atraentes. Mas me contive. Não, o que viera fazer ali era bebericar um saboroso cafezinho para despertar da sonolência típica do pós almoço.
     Ah, aqueles sapatos... a camiseta com a estampa de onça! Não, não. Decididamente, não! Concentrei-me. Entrei na fila.
     Nossa! Não imaginei que tantas pessoas quisessem sorver um cafezinho àquela hora do dia: às quatorze horas!
     Chamou-me a atenção uma senhorinha à minha frente. Baixa, menos que 1, 60m, que é a minha estatura; os sapatos marrons que calçava eram do tipo mocassim, mas  delicados, com salto  de uns dois a três centímetros; a pequena bolsa preta de couro pendurada com elegância no ombro esquerdo; usava calças pretas retas e uma blusa com mangas curtas, de malha fina num tom azul suave. Os alvos cabelos curtos e bem penteados, naturalmente seguros por algum laquê conferiam àquela pessoa um ar de leve seriedade. 
     Brincos pequeninos davam um toque de brilho  e, quando comentou algo com a moça à sua frente acompanhou com um gesto largo e fraterno. Ao virar-se para mim, seus olhos muito vivos e azuis chamaram-me mais ainda a atenção. Sem um pingo de maquiagem, seu rosto refulgia.
    Chamava-se Catarina e concluiu a nossa conversa dizendo que fiz muito bem em não batizar a minha primogênita com este nome, já que acarretava muito sofrimento...
     Sim, porque este meu jeito italiano de ser passei a assumir há algum tempo. E aquela senhora parecia-me tão bela! Puxei assunto.
     Cuidadosamente, toquei em seu ombro e falei da minha admiração pela sua maneira exímia de comportar-se,  mantendo elegância no seu porte impecável! Sem nenhuma extravagância, com naturalidade, arrebatou minha total atenção. Ela então sorriu-me, meio desconcertada. E iniciamos uma deliciosa conversa.
     Perguntou-me com um jeito travesso:
     "_ Diga-me , que idade você me dá?"
     Rapidamente, pensei que talvez tivesse uns oitenta, então dar-lhe-ia uns setenta para agradá-la. Dito e feito!
     Ficou contente com a minha suposição e , arregalando os olhinhos miúdos, vibrou:
     __" Tenho mais de oitenta! Oitenta e quatro anos!"
     Contou-me que suas roupas duram muito, a blusa tinha uns seis anos, a calça, uns oito... Mas não, não era esta a questão, disse-lhe. A questão era o seu porte ereto, mas não rígido; sua aparente severidade derrotada por um sorriso transbordante; seu olhar lúcido e tão amoroso. 'Quero ser como você quando crescer,' disse-lhe eu, meio em tom de brincadeira, meio de pura sinceridade.
     Os assuntos foram variados como dicas de remédios fitoterápicos, a recomendação do seu médico  para fazer pequenas caminhadas, duas vezes ao dia, como método para evitar o Mal de Alzeimer,  a minha vontade desencorajada pelo marido de dar o nome de Catarina à primeira  filha.
   Durante cerca de uns quinze minutos, que passaram breves demais, entre goles do café quentinho e  de deliciosos  biscoitinhos amanteigados,   nós duas rimos e também saboreamos a delícia de uma conversa entre pessoas identificadas. A linha de raciocínio pareceu-me semelhante e, quando nos despedimos, já nos sentíamos como amigas de uma vida inteira.
    

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

TODA A VIDA!...

     "__ Pega a Rua da Alfândega e vai toda a vida!...", disse-me o segurança daquele Centro Cultural, na cidade.  Estava tudo mudado! A Prefeitura encarregou-se de embaralhar as vias. A Avenida Rio Branco, a Rua Primeiro de Março dentre outras  estavam desconfiguradas.
     Era tão simples chegar lá antes de implantarem estas modificações! Tomava o ônibus na Praça, perto de casa, sentava-me confortavelmente __pois ali é o final da linha, e passada aproximadamente meia hora, saltava quase à porta do Centro Cultural Banco do Brasil.
     Estando na condução e percebendo que tomara um caminho diferente, assustei-me um pouco. Afinal, não tenho nenhuma intimidade com o miolo da cidade. Perguntei ao motorista e ele confessou-me aborrecido que havia sido modificada a trajetória dos ônibus, confirmando-me que para pior...
     Orientaram-me: "__Salte no último ponto da Avenida Rio Branco! " E eu lá sabia onde era?...
     Nessas horas, invisto nos meus um tanto precários dons,  mistura de psicóloga de coluna de jornal e de artista mambembe, para atrair a simpatia e a cumplicidade de alguns sensíveis que estejam por perto. Faço-me meiga (isto eu sou mesmo, mas reforço com pinceladas convincentes em que dramatizo o olhar de atordoamento e o sorriso de menina).
     Convenci um senhor que trajava uniforme azul e creio que era funcionário de alguma linha de ônibus municipal a me ajudar definitivamente. Prontamente, garantiu-me que me auxiliaria, avisando a hora de saltar e que eu teria que seguir direto, depois de virar à direita. Então, temerosa, disse:
      __"Andarei muito? É longe?"
     Ele não titubeou e assegurou-me que eu andaria facilmente pois era' muito nova e cheia de vida'!
     Meio sem graça, sorri e sentei-me, calada.
     A viagem foi rápida e segura, apesar das curvas acentuadas e freadas de mau gosto. Saltei quando me avisou o homem e, decidida, caminhei. A exposição do instigante Dali valeu a aventura.
     Depois do chá reconfortante de frutas roxas, iniciei o retorno. E não teve jeito. Segui a orientação recebida no Centro Cultural e caminhei toda a Rua da Alfândega, cheia de mistérios e de sobradões antigos que compunham uma urdidura fantasmagórica. Umas três ou quatro pessoas passaram por mim.' A rua esvaziara-se', pensei. Quando cheguei finalmente na Avenida, o cenário era totalmente diferente, caótico.
     Carros, ônibus, poeira e gente , muita gente.  Perguntei a um jovem sobre o ponto. E ele avisou-me que teria que andar mais  pra atravessar, apontando  o local do semáforo. Posso quase  jurar, pelo seu sorriso e pelo seu olhar, que ficou feliz em prestar a boa ação do dia àquela senhora confusa.
     Somente um , de toda a lista dos números dos ônibus que ali paravam, servia para mim. Esperei uns quarenta minutos com paciência de Jó. Até que, já  preocupada com a aproximação do horário do rush, tomei um táxi, que veio reclamando da atual intervenção da Prefeitura  nas vias de trânsito da cidade "__ Está tudo uma bagunça!", exclamava o taxista nervoso e veloz, parecendo querer fugir de toda aquela situação desconfortável.
     Lembrei-me do guarda do Centro Cultural e  que tivera me esquecido de perguntar a ele:
"_- Vida longa ou curta?"...
    
    
    
        
    

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

COMO A PORTA DO PARAÍSO

O mundo é  frágil
E cheio de frêmitos
Como um aquário..."

                         (Mário Quintana)


     "__ Tia Sylvia! Tia Sylvia!..."  Era assim que as crianças do Orfanato, quando me viam saltar do ônibus, no outro lado da estrada, gritavam com ritmo como se fora uma canção. E era com esta euforia que me recebiam todas as vezes que ia lá, geralmente uma vez por semana. 
     O motorista olhava aquela gurizada manifestando tamanha alegria e sorria. Eu, meio acanhada, jovem tímida, saltava do ônibus também sorrindo e atravessava aquela estrada poeirenta e quente de Jacarepaguá.
    O portão se abria__ como a porta do Paraíso e as crianças__ como anjinhos travessos cercavam-me  , abraçando-me, falando sem parar. Ia cheia de sacolas e livros e presentes e guloseimas e o meu coração vibrava.
     Eram órfãos , ou, então, abandonados. Havia casos de mães que pediam para que os socorrêssemos, pois não tinham condições de criá-los. Ali encontravam segurança, alimentação farta, roupa, calçado, estudo e muito, muito amor.
     Lembro-me de uma menina dócil, delicada, que chegou com uns dois anos. Fora deixada pela mãe. Pele muito branquinha, cabelos negros cacheados e um par de ternos olhos negros   que nos comovia. Nunca mais a mãe voltou para buscá-la.
     Apiedávamo-nos de todos. Eram tão carentes! Tão assustados! Tão necessitados de cuidados e de atenção. De amor. Todos nós precisamos de  amor. E quando oferecemos , sentimos o coração pleno de alegria borbulhante e, ao mesmo tempo, de uma paz crescente. Esta será a maneira de sermos felizes?
     Um dia, ao chegar no abrigo, um conhecido nosso nos pediu ajuda para solucionar alguns casos de meninos recém acolhidos que nunca tinham sido vacinados. Enchi-me de coragem e fui de ônibus com aquele grupo ao posto mais próximo da região e a situação foi regularizada. Aquela viagem tornou-se uma aventura, pois ainda não os conhecia; portanto, sair com eles, enfrentar uma condução pública e confiar na sua obediência foi um grande desafio.
   Cheia de planos, de ideias de brincadeiras cheguei ao orfanato certa vez. Ao lado do prédio onde estávamos, havia um terreno grande e uma árvore alta e muito frondosa. Nesta árvore, um balanço de corda.  Eu e toda aquela criançada empolgada, felizes fomos para lá. Mas não podia dar certo mesmo. Estavam todos muito agitados. De repente, uma das crianças caiu do balanço e bateu com a cabeça no chão. Sentindo muita dor chorou e gritou e gritou... Atordoada, fiquei meio sem ação.
     Mas a Providência não falha! Naquele  momento, um amigo chegou, dirigindo um veículo grande. Uma Kombi. Levou a criança para o Hospital e  tudo foi solucionado.
     Corremos o risco de um imprevisto assim quando lidamos com muitas crianças.
     Minha mãe colaborava bastante para que as visitas  fossem momentos de muita alegria. Não deixava por menos. Uma vez chegou a fazer pipoca, colocar em saquinhos para que  a molecada vibrasse de contentamento. Afinal, qual criança não gosta de pipoca? 
     Balas eu não levava ' para preservarem seus dentes', explicava, quando me pediam.  Ajudava-os nas lições da Escola e, muitos finais de semana passei ali, vigiando durante a noite. As menores, se precisassem de auxílio e as maiores para que não fossem namorar escondido. Davam trabalho, claro, mas sempre nos respeitavam e procuravam compreender que as nossas atitudes eram para o seu bem estar.
    Quando, já casada,  grávida eu continuei esta pequena parcela de colaboração, uma funcionária muito querida levava-me, por iniciativa própria, um copo de leite, antes de deitarmos. Quanto carinho e preocupação!
     Estes são alguns momentos em que vivi a esperança e a pureza junto às crianças órfãs; meu carinho era esperado com ansiedade e o que eu recebia em troca era um amor tão grande, tão lindo, tão renovador que guardo vivas até hoje comigo estas lembranças. Cada vez que eu me recordo deles e daquela época eu renovo também  o meu coração.