sábado, 19 de agosto de 2017

ONDE ESTÃO AS TROMBETAS?

          Incrível aquele jardim que mamãe tratava com tanto amor. Tínhamos até um pequeno flamboyant que, apoiado no muro, esbanjava beleza com a fartura de rosadas flores!
     O que dizer da dama-da noite que muito me impressionava pelo perfume que só vinha... à noite? Aquilo era mágico! Ainda menina, sentava-me no banco verde de madeira  e, em silêncio deixava-me  encantar.
     O banco era um adorno       importante neste contexto de sonhos. Pés trabalhados em ferro e , unindo o encosto ao assento,  ferro retorcido em desenhos bem elaborados. Era  um primor!
      Em noites plenas de luar, o céu rico de estrelas , eu estendia o olhar para o outro lado do rio e lá estava a silhueta de um pé de jabuticabas! O  rio  passava pelos fundos da nossa casa, que era a última, de uma bucólica vila  da Rua Leopoldo.
     Eu ficava ali, sonhando acordada, absorvendo o perfume fresco da dama-da-noite , naquele cenário magistral.
     Pela manhã, os sapotis maduros esparramados  no chão, caídos da grande árvore vizinha,  habitada por diferentes pássaros e por morcegos assustadores.
     Era um jardim diferente. Folhagens enormes serpenteavam os muros, mimosos buquês-de-noiva contrastavam com as trombetas cor-de-rosa que anunciavam sempre a alegria dos aromas... Havia um arbusto  ornado de cachos com flores roxas; jasmins de várias qualidades nos embeveciam  pelas cheirosas flores delicadas.
     Eu apreciava muito os manacás. De cor lilá que mudava , lentamente, para a branca, quando a morte se avizinhava !  E suas flores desmaiavam, uma a uma, sobre a terra úmida, ornando à volta do pequeno arbusto. Até hoje, quando os encontro em outros jardins, minha memória voa e me faz retornar à casa paterna, onde passei a infância e a juventude.
     Quantas doces recordações! Vivíamos num paraíso,  portas abertas, cantos de aves, fartura de flores e frutos.
     Mamãe ainda, cuidadosamente, colocava uma pequena bacia com água fresca no chão para  atrair as aves. E elas compareciam. E que prazer o banho com estardalhaço, logo cedinho, pela manhã! Cenário que ficou na lembrança, fazendo-me sorrir sempre que retorno a ele.
     Dia desses, meu coração afligiu-se. À frente do prédio  onde moro agora, há um pequenino jardim, porém tratado com capricho. Algumas plantas rasteiras, pequenos tufos aqui e ali, outras  com espinhos, mas sempre floridas e o arbusto que nos dava orgulho: um pé de trombetas!
    Mas o novo vizinho do primeiro andar, cuja janela fica bem atrás deste cantinho  , mandou o porteiro cortá-lo fora, sem compaixão. Condomínio sem leis! Mataram a beleza da entrada do nosso prédio! Não há mais perfumes. Somente algumas espécies inexpressivas  resistem.
     O homem insensível, insensato, por certo, agora aprecia a rua, o trânsito, as pessoas, os assaltantes... E todos, moradores ou não, podemos perceber, neste pequeno terreno sem graça, plantas minguadas e tristes, tristes como nós.  
    
     

sábado, 12 de agosto de 2017

COISAS GOSTOSAS SEM COENTRO!

     Achei a Clusiaceae, típica flor do cerrado! Achei em meus arquivos, a flor da família Clusiaceae, que fotografei, há tempos, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
     Reencontrei-a agora, folheando uma dessas revistas de viagens. Uma foto pequena, mas que me remeteu, de pronto, ao dia em que a conheci. E toda boa descoberta gera um certo tipo de emoção.
     Já que estou buscando inspiração para a nova aquarela, conforta-me a alegre Clusiaceae, de pétalas despertas, miolo colorido, cheio de vivacidade, uma exposição feliz, sem recatos.
    " Faça coisas bem gostosas, nesses dias de restabelecimento", recomendou-me uma amiga, referindo-se à  convalescência de um procedimento cirúrgico.
     O que poderia eu realizar neste momento, reclusa, além da leitura e da escrita? Lançar-me às aquarelas, prescrevi!
     Um   ilustre filósofo e historiador do momento, geralmente, recomenda em inspiradas e inspiradoras palestras: "... leiam, meus amigos, leiam..."  Pois a leitura melhora o nosso cérebro, amplia o conhecimento, estimula a criatividade, atualiza-nos...
   Ontem descobri que tenho algumas coisas em comum com o brilhante professor: não suportamos coentro e apreciamos Rubem Alves! Eu diria que vivo encantada, não só com o proeminente filósofo, mas também com o notável cronista. Rubem Alves nos deixou uma obra memorável, que nos atiça o intelecto, remove certos ranços, nos permitindo avançar na literatura e na vida.
     O único ponto em que discordo de Leandro Karnal é que, se não me falha a memória, citou Quintana como " leitura para iniciantes". Ora, ora! Mário Quintana é desses autores eternos e para todos.
      Não é prolixo, muito pelo contrário! Talvez este seja o critério para o notável mestre... Seus textos curtos provam que ele adorava a síntese. Inteligentíssimo e audaz, afirmava em entrevistas que "a poesia não é mais do que a procura da poesia".
     Podemos nos debruçar sobre filósofos renomados, romancistas inspirados, excêntricos literatos, arcaicos sonetistas, líricos poetas como Cecília; mas, Mário Quintana abole de seus textos o supérfluo. Derrota o estilo empolado. Seus textos modernos em versos são quase prosa e em prosa são pura poesia. E revelava que poesia é dinamismo interior.
(Cecília Meireles)
 
     Mesmo com a poetização do cotidiano, numa quase linguagem jornalística, seu lirismo é percebido nas entrelinhas do poema.
     Há que ser muito sábio para conseguir, depois da curva do aprendizado, derrotar a empáfia e se reencontrar com a beleza do próprio coração.
     Salve Quintana com sua poesia fresca, que acolhe os leitores, iniciantes ou não, porém dedicados e interessados na iluminação da própria existência pelo orvalho da simplicidade na criação poética.
     Proponho ao nosso respeitável aquariano(mais um ponto em comum!), Professor Karnal, que reveja sua afirmativa sobre Quintana.
     Há quem prefira as altivas rosas, que se mostram vitoriosas no topo de um caule espinhento, a espraiar perfume a mancheias, às violetas, serenas e humildes, porque escondidas sob as folhas largas, mas que denotam um dulcíssimo perfume  que também se derrama a mancheias...
     Pura questão de escolha, de preferência. Subestimar a flor do cerrado goiano à flor de um jardim opulento seria um grande e imperdoável equívoco.