domingo, 31 de maio de 2015

FORÇA DAS CIRCUNSTÂNCIAS

     O ar de outono me comove. Escrevo  sentindo a brisa da tarde entrando pela janela ao meu lado. Traz com ela o tempero do mar...
     Os céus estão azuis límpidos, sem uma nuvenzinha sequer. De vez em vez, pousa no bebedouro o colibri tesourão, fazendo um barulhinho peculiar e me olhando, com desconfiança, um pouco assustadiço.
     Certo dia, entrou, deu algumas voltas por sobre a minha cabeça e saiu, voando  em disparada pela janela. Quando os raios do sol o tocam, vemos suas cores verde e azul brilhantes.

 

     A Natureza pode ser bela! Colorida, cheia de mistérios e encantos. Mergulhar nessa estranheza , descobrir atividades que absorvam a atenção neste meio, nos faz desenvolver a consciência da vida e nos dá um suporte emocional, eu creio nisso.
     Cada um segue o caminho que mais lhe agrada, ou que pode seguir, ou aquilo que conhece...
     Muito bom é quando descobrimos algo que nos promove a legítima alegria. Sem dúvida, que o convívio familiar é fundamental para o nosso próprio equilíbrio, mas, às vezes, penso que, a partir do momento em que dependemos dos outros para atingirmos nosso bem-estar, corremos um certo risco.  Cada um tem sua vida, seus interesses, seus infortúnios.  Aprender a viver sozinhos, às vezes, por força das circunstâncias,  é tarefa para quem sabe ou se dispõe a conhecer e a usar  as ferramentas que a vida  dá: inteligência, vontade, confiança, alegria inata .
     Reconheçamos que a vida fica mais leve com as amizades; a troca de ideias, muitas vezes de confidências, o saber de que pode contar com alguém, tudo isto também nos promove saúde mental e emocional.
     Assim como a discórdia, num meio onde a união deveria prevalecer, destrói toda aquela formosura de sentimentos construído, dia a dia, pacientemente e com  determinação. O vento da discórdia traz inquietudes e insanidades. E, pergunto, pra quê? Muito melhor  cultivarmos a atitude de pequenos gestos delicados e preservarmos a gentileza nas  nossas relações humanas. O coração agradece.
     Atitudes levianas partem de corações omissos; escárnios saem de bocas acostumadas a falar em demasia sobre si, sem ver e sentir o outro. Estabelecer a ligação com o outro é preciosa determinação para recuperarmos de vez aquela alegria íntima, verdadeira, muito diferente da euforia baseada em ilusões.
     Dia desses padeci um grande abalo; pensei em falar com uma amiga querida sobre um fato que me angustiou; porém, me detive. Já era de noitinha e não quis aborrecê-la com problemas meus. Tentei superar aquela angústia e consegui apaziguar a turbulência no meu espírito. Ainda bem.
     Poucos dias depois, encontrei-me com esta mesma amiga para tomarmos um café e colocarmos o papo em dia. Então,  açoitada por uma dor inenarrável, agredida pelo destino, que a enlaçara numa doença terrível, ela se abriu comigo e confessou-me seu sofrer. Tentei consolá-la e procuramos conversar amenidades, distraidamente, depois do baque da novidade triste.
     Acho que, para preservarmos a paz, em qualquer situação na vida, devemos  sair do nosso pequeno mundinho egoísta. Também vale aperceber-se da natureza ao redor... que seja o baloiçar dos arbustos pela brisa fresca de uma manhã de outono... ou, ainda, deixar-se encantar pela aproximação efêmera de alguma ave.

"...
"... 
O ar de outono é fresco.
Clara, a lua.
Folhas secas
se juntam e se dispersam.
...
vi o quanto doía
a saudade.
Se maior, mais fundo penetra.
Se menor, faz-se infinita.
Dor tamanha
preferível não te conhecer."
 
(Vento de Outono,Li Bai)
    
    
    
     

terça-feira, 19 de maio de 2015

FARTURA DE BELEZA

     Eu estive ali, naquele mundo diferenciado; eu respirei Arte, Arte em porcelana.
     Convite aceito, lá fui  eu na tarde chuvosa,  caminhando  devagar pelas ruas frias do bairro até chegar ao destino requintado, um Hotel na orla de Copacabana. Lá é que acontecia o evento e eu não me negaria este prazer.
     Apesar de não dominar a técnica desta pintura, sei apreciá-la e valorizar a Arte de um modo geral. Tenho mais intimidade e me deixo envolver com as telas e os  cartões, pois neles é que expresso a minha criatividade, além da escrita, é claro. A pintura em tinta acrílica e a levíssima aquarela, há um bom tempo, me conquistaram, fazendo parte da minha vida.
     Minha amiga, uma das artistas do evento, lá estava com um franco sorriso e  com um  largo abraço recebeu-me.
     Desfilaram, ao meu olhar atento, a fartura da beleza e do encantamento.
        
 
 
 
 
       Enquanto apreciava a pintura das araras, uma senhorinha puxou assunto comigo. Discorreu sobre as qualidades de um professor que tivera, antes de se acidentar. Disse-me ela, com olhinhos apertados pelo sorriso amigável e ininterrupto, que gostava muito do que criava. Mas, depois que sua coluna passou a requerer cuidados especiais, ela desistiu. Mas continua amando a pintura e, principalmente, o seu antigo professor. Apontava, ao longo da nossa conversa, algumas peças e deteve-se nesta obra afirmando que todas eram dele. Mas não eram.
     Calei-me. Notei seu leve tremor  e suas mãos procuraram as minhas. Ficamos assim, de mãos dadas, por um bom tempo. E eu a ouvia discorrer sobre os detalhes da pintura que tanto a impressionara, principalmente sobre os azuis.
 
 
     Depois  despedimo-nos e comecei lentamente a deslizar pela exposição, para continuar a  descobrir belezas e a me encantar. Mas, inesperadamente,  ouvi  aquela vozinha frágil, suave, já familiar,  dizer: "__ Eu tive a impressão de que alguém segurava a minha mão. E era tão bom!... Ah, quem terá sido? " E olhou ao redor, procurando... Seu acompanhante, arredio, continuou sério e calado.  Condoí-me. Voltei e a surpreendi dizendo que tinha sido eu quem pegara suas mãos por alguns minutos. Seu rosto fino e envelhecido pelas marcas do tempo impiedoso, abriu-se num sorriso iluminado. Novamente entrelaçamos nossas mãos.