sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

PELOS CAMINHOS QUE ANDO

    " sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos a fora
..."
     Ontem, ao utilizar um desses carros que chamamos pelo aplicativo no celular, assim que entrei, senti um cheiro forte de gás. Muito forte. Tão forte que minhas fossas nasais ardiam, parecia até que havia nelas pimenta.
     Avisei ao motorista e ele, calmo, confirmou que, realmente, estava o carro a ser alimentado a gás, que ficava atrás. Por isso eu sentia o desconforto e ele não.
     "_ Não seja por isso," bradei, decidida; passarei para o assento da frente, ao seu lado.
     Notei que, ao sentar-me, deu uma olhada de soslaio, passou a narrar fatos da política atual com entusiasmo, mostrando conhecimento e tentando atrair minha simpatia.
     E, entre uma fala e outra, um tapinha amistoso , nada convencional, desferia-me na coxa, coberta pela grossa calça jeans. Ainda bem.
     Estava muito cansada e ansiosa para chegar em casa, de modo que fui relevando, relevando...  e chegamos. Ao  saltar ainda me disse: "_ Tem bom faro!", referindo-se a minha percepção ao cheiro do gás.
     Fatos assim ainda me  desconcertam, mas consigo superar este tipo de atrevimento. Peso na balança os prós e os contras e determino  a linha de conduta. Entro em estado de alerta e confio nos meus reflexos rápidos.
     Hoje tudo foi diferente  ao chamar um carro. Após uma breve observação , ao avistarmos, à porta de uma empresa, um casal de jovens fumando, ao lado de uma dessas  cestas de lixo  da prefeitura, muito suja, iniciamos uma agradável conversa, pontuada por conclusões . Comentamos que, apesar de tantos alertas quanto aos malefícios do fumo, ainda muitas pessoas insistem neste erro fatídico.
     O motorista Cláudio, cerca de quarenta e poucos anos, disse-me, então, que fora educado pelos avós. Respeitoso, atencioso, "sem vícios, casado, com um filho trabalhador".
     Ora, ora, isto me enche de satisfação. Saber que o mundo não está de todo alterado. Contou-me que, criança, tomou de um colega a borracha e levou para casa. Sua avó, atenta, cuidadosa, quis saber que borracha era aquela (Ele falava sempre a verdade. Era o combinado!).
     Sem pestanejar, ela acendeu uma das bocas do fogão, levando a mão do pequeno até bem próximo à labareda, causando-lhe um susto e um aprendizado. Um tanto arriscado, eu diria, mas assim ela disciplinava seu neto, com rigor chocante.
     Hoje, aos noventa e nove anos, sua avó ainda marca presença forte na vida deste homem simples, coerente, lúcido, saudável e educado. A conversa discorreu pelos temas atuais  e, de vez em vez, comparávamos com os tempos de outrora. De juventude mais sadia,  de pessoas menos apressadas, mais confiantes. menos ansiosas, mais felizes.
 
  " pelos caminhos que ando
um dia vai ser
                                        só não sei quando "      
 
ops: os poemas aqui apresentados  são de autoria do poeta curitibano Paulo Leminski