domingo, 11 de dezembro de 2016

PASSANDO A LIMPO

     Sim, o Natal está se aproximando...  e vamos, novamente, arquitetando planos de vida.
     Uma ideia aqui, uma cobiça ali e a lista cresce! Talvez aquela dieta, uma plástica para os iludidos__ Afinal, "Quem Tem Medo de Envelhecer...Você?" __ é a pergunta no título do livro, de autoria da carismática palestrante Magdalena Léa, sobre a etapa final da vida.
     São muitos os desejos e , consequentemente, os projetos. Um curso, aquela viagem tão adiada, a maternidade, mudança de emprego, de casa, de cidade, acordar mais cedo para apreciar a aurora, ou, antes de voltar para casa, no final do dia, dar um pulinho na orla para ver o pôr-do-sol. Às vezes, o pedido é simples, noutras, requer um cuidadoso plano de ação.
     Qual seria a proposta do leitor? Coloque um comentário! Vou gostar de saber.
     O que tenho observado, ao longo da vida, é que muitos projetos são postos de lado. Falta-nos a vontade! Ou aquilo que planejamos não nos é tão caro assim , ou, então, achamos que seria impossível alcança-lo.
     E o nosso rigoroso dia-a-dia cumpre o papel  de vilão, impedindo a nossa trilha para a realização do nosso intento.
     Certa vez, minha mãe , sempre prestimosa, ouviu os meus murmúrios e perguntou-me: " _Filha, o que você gostaria de ter na vida? O que você quer, de fato? pense em você!" E eu, tímida, mas certa do que sentia, respondi sem titubear:"_ Mãe, quero ser feliz!"
     Ela, então, retrucou que eu lutasse por isso. Na verdade, não sabia bem o que dizer, o que recomendar, o que aconselhar.
     O que você faz pra ser feliz? Buscar reconhecimento, aplausos, carro do ano, fama, troféus, prêmios...  A tal felicidade a que me proponho conseguir é um estado da alma; nada material poderá suprir este sentimento.
     Ela _ a felicidade, está mesmo dentro de cada um de nós e , para reconhece-la, é preciso estarmos decididos a esta conquista!
     Contudo, imagino, como colocar nova mobília na casa, se não nos livrarmos dos velhos móveis? Há que ser feita uma renovação, nos libertando de todo o entrave.     
     Para a felicidade emergir_ e nos boicotamos  várias vezes, é preciso de que deixemos uma onda de bem-aventurança nos envolver e penetrar em nós! Tentarmos ser resistentes às negatividades, às fofocas, aos mal-entendidos, aos rancores, à preguiça...
     Olhar mais o outro, perceber as coisas simples da vida, ouvir mais e falar menos, prestar atenção à volta, sugerir boas atitudes, tudo com naturalidade, pois a pretensão é um estorvo, uma inutilidade. Aninha-se nos corações tolos e ali se mantém.
     Certamente colocarei, a cada dia, minha energia nessa conquista pessoal e a meditação é o lume que nos ajuda muito; desejo também que cada um consiga realizar-se, seja com o que for. O importante, mesmo, é ser feliz,seja qual for o seu entendimento.
    
    

terça-feira, 29 de novembro de 2016




" A MEMÓRIA É UM MILAGRE "
  
      O tradicional Colégio Pedro II deixou marcas. Marcas de brilhantismo, audácia, respeito, companheirismo, cultura, educação. Cintila, até os dias de hoje, a sua estrela em nossos corações. Nunca, creio eu, deixaremos que se apague em nós essa grande admiração.
     Trazíamos conosco um respeito enorme pela qualidade de ensino oferecida por ele, tanto que foi reconhecida a sua excelência em Educação pelo Governo Federal em 1998, quando recebeu o Prêmio de Qualidade.
      Sabíamos que precisávamos nos preparar muito para ingressar no seu  corpo  discente.
     Os  professores eram diferenciados.  Cito, como exemplo, a dedicada mestra de Matemática Dinah Ribeiro, que muito me influenciou e capacitou.  Outros, já afamados, compunham um quadro ilustre deste ensino de qualidade destacada.
     "...
      O espaço é um milagre.
      O tempo, infinito.
      O tempo é um milagre.
      A memória é um milagre.
      Tudo é milagre.
     ..."
     Já dizia em versos o renomado professor de Literatura, Manuel Bandeira.     Esta  memória preserva a nossa história vivida numa das unidades do Pedro II. A minha foi a da Tijuca, bem em frente ao Colégio Militar. E esta localização dava panos pra manga!...
     Logo após a conclusão do curso ginasial__naquela época havia o Ginásio, o Curso Científico e o Clássico, fui para o Instituto de Educação. Esta instituição começou a funcionar no Imperial Colégio de Pedro II; de lá foi transferida para o Largo de São Francisco e depois ocupou outras duas Escolas até, finalmente, estabelecer-se no prédio da Rua Mariz e Barros , onde concluí o Normal.
     Já formada no Magistério, trabalhei em várias Escolas da rede municipal; uma delas foi a Escola Ramiz Galvão, cujo nome é homenagem ao grande professor de Grego, Retórica, Poética e Literatura  do  Colégio Pedro II.
     De alunos famosos a lista é grande... Desde cantores, músicos, compositores, jornalistas, políticos, atores, juristas, professores até os ... poetas!
     Eis um   trechinho do poema Anoitecer, do ex-aluno, o poeta parnasiano  Raimundo Corrêa:
 
     "... Esbraseia o ocaso na agonia
     O sol...Aves em bandos destacados,
     Por céus de oiro e de púrpura raiados
     Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...
     ..."
     Temos só motivo de orgulho! Época boa, de verdade! Não chega a ser saudosismo o sentimento que nos move a recapitular os tempos de estudante, pois valorizamos o nosso presente, consequência dos tempos idos e muito bem vividos!...
     Como ex-aluna, posso afirmar que aproveitei o que aprendi. Como professora, ensinei e eduquei ; adquiri o gosto pela escrita, tendo livros editados de poesia para adultos e para crianças.
  Um Viva ao nosso amado Colégio Pedro II!
180 anos de Cultura e Tradição
 
    

domingo, 27 de novembro de 2016

DOIS CONCERTOS



  Um domingo bem típico da primavera  é algo balsâmico, confortador, cheio de beatitude, assim como o dia de hoje,  que nos ofereceu uma grande leveza.
     Até a brisa parecia diferente, parecia que tinha vida ondulante, acariciando nossos rostos de maneira arrebatadora. Trazendo com ela odores indecifráveis, perambulava pelos caminhos e nos inebriava.
     Tudo isto parecia fazer parte de um grande concerto primaveril , onde se destacavam  as cores, os odores, a performance dos ventos brandos. Tudo arrematado por singelos cantos  do alto das palmeiras, na orla que se apresentava maravilhosa, como o cognome desta cidade: Cidade Maravilhosa!
     O sussurro do mar cadenciado contribuía e, ao longe, como a perder de vista, um cenário de tirar o fôlego: o desenho das montanhas torneando o horizonte.
     Num certo momento do dia, outro concerto nos tocou a alma! Agora,  na TV,  este nos ofereceu uma renovada esperança com a exibição de  jovens  estudantes de música clássica: a violinista_ que arguída revelou que seu sonho é tornar as pessoas felizes ; um oboísta; um flautista e, finalmente, um virtuose  do... acordeão, executando Paganini !
     Se não me engano, creio que pleiteavam vagas numa orquestra. No final das apresentações,  alguns jurados comentaram, rapidamente, demonstrando extrema perspicácia e simpatia,  inclusive a bailarina Ana Botafogo, que ali estava pela sua grande sensibilidade artística.
     Nessas horas, admito que a televisão é indispensável, se quisermos assistir iniciativas deliciosas como esta. Quantas  horas, dias, tempo  de estudo estes jovens se dedicaram? E ao tocarem, dedos ágeis, sopro perfeito, sensibilidade aguçada, o sorriso suave era presente. Almas especiais, sem dúvida.
 
    
    

domingo, 20 de novembro de 2016

FLORES OU ESPINHOS?

 

          Vinha pelo caminho habitual, observando as flores que insistem em aparecer nos arbustos mais  esquálidos das redondezas. Amarelas, brancas e rosadas. Diminutos arbustos desfolhados, porém, floridos! E isto faz toda a diferença.
     Olhar com atenção a florescência a romper-se, generosa e fresca, aguça a  mente, lança um sopro de esperança na  alma, refresca o nosso coração doído.
     E gente é como árvore... de repente, as flores da compreensão, o perfume da generosidade são despertados e pode acontecer em qualquer estação da vida. A bondade florescerá, já que vive  latente em nós.
     No caso de gente,  a seiva da criatividade busca, em motivos às vezes banais, um percurso para dar vazão a si própria. Os rebentos soam, muitas vezes, nas Artes, na fala, nas ideias renovadas, nas soluções primorosas.
     Mas há que se notar a si mesmo com atenção para que esta conquista aconteça. Há que se adquirir pela prática a tal atenção plena, ou, como chamam atualmente, mind fulness . O monge tibetano  Tarthang Tulku já dizia que esta é a chave para iniciarmos o longo e definitivo caminho infinito da evolução: perceber-se.
     No caso das árvores, são naturalmente altruístas, doadoras , acolhedoras, bondosas. Já no nosso caso, ainda precisamos meditar ou navegar numa outra trilha que nos alavanque a vontade para as conquistas do espírito; isto se estivermos dispostos, se estivermos despertos! Se não, seremos aquele espinheiro, desprovido de flores,  que ninguém quer por perto.
     De acordo com o mestre Osho _, um dos mais conhecidos e provocativos do século XX, " a mente moderna é uma mente enraivecida"; portanto, é  preciso um certo esforço, várias tentativas para, finalmente , podermos ofertar as flores da amizade , do consolo e da paz. E essa tal felicidade já mora em cada um, é a nossa própria essência! Portanto, mãos à obra! Silenciar e mergulhar  em nós já é um bom começo.
     " Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato..."
                                                                      (Cora Coralina)
           
     

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

QUE TRAPALHADA!...

     Ela estava contente: afinal, iria encontrar-se com suas amigas dos tempos da mocidade, do Colégio Pedro II, do grupo de jovens  da Igreja Sagrado Coração de Jesus! Não pensou muito, porque, se pensasse, se entregaria à preguiça, que a  está ultimamente  rondando com insistência, principalmente logo depois do almoço.
     Então, assim que terminou o seu almoço, arrumou-se primorosamente e partiu, rumo à Tijuca. "De Ipanema seria fácil", pensou, animada. Tomou o metrô, rumo à Rua Uruguai, uma nova estação que facilitaria bastante .
     Sua amiga afirmou-lhe pelo telefone que, assim que saísse da estação, seguisse em frente. Só esqueceu de dizer que, logo em seguida, virasse à esquerda...
     Chegando à rua, olhou o número: quinhentos e tantos... Nossa! Duzentos e pouco era o prédio de Ana. O calor , quase insuportável, apesar da estação mimosa das flores, fez com que atravessasse( a rua em que estava era de mão dupla) e chamasse um táxi!
     Um motorista_ um senhor de idade, muito agradável  atendeu o seu apelo e tornou a viagem leve. Ela pediu -lhe que seguisse em frente, achou que chegariam rapidamente ao número.
     Mas... cadê o número? Não havia a tal numeração do condomínio da amiga. Por que? Até o motorista ficou um tanto agitado.
     "_Senhora, na Rua Conde de Bonfim esse número não existe! A senhora deve estar enganada."
     "_ Amigo", retrucou, já meio esbaforida," como não existe? Está aqui... ó... no papel em que anotei: Rua José Higino, númer...  Eita! Rua José Higino? Mas estamos em qual mesmo?"
"_Na Conde de Bonfim!..." , disse, soltando as mãos do volante e encenando um grande gesto de aborrecimento e de enfado.
     Ela calou-se por um breve momento. Não sabia se ria ou chorava. Já estava cansada, com calor e, agora, mais essa! Mas temos que levar tudo na flauta, este é o seu lema. Não adianta espernear...
     "_Moço, vire, faça o retorno, vamos pra rua certa!"
     "_ Se pensa em me pagar com uma nota de cinquenta, deixo a senhora aqui mesmo, pois não tenho troco!..."
     E ela supondo que o tal chofer fosse um primor de educação e gentileza... Mas conseguiu manter a calma, a disposição e o sorriso, sua marca registrada.
     E num leve tom brincalhão, replicou:
"_ Vamos lá, pagarei em trocados, fique tranquilo. É por isso que o Ubber está dando certo..." disse, em tom jocoso, talvez para provoca-lo um pouco. Notou que ele passou a falar mais baixo, procurando se esquivar da agressividade latente que ficou, por instantes, à mostra.
     Deu a volta até chegar ao destino. Se ela tivesse, ao sair da estação, ido em frente e virado logo à esquerda, estaria na rua certa e a alguns passos do prédio...
     Finalmente chegou ao apartamento da amiga, revendo Ana Maria, Dulce e Adeila, abraçando e sendo abraçada, num reencontro amistoso e feliz.
     E todo aquele cansaço, o calor, o pequeno entrevero diluíram-se como bolhas de sabão...
Como preconizou Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena!"
      Passaram uma tarde maravilhosa, como nos tempos idos, esqueceram-se das dietas saudáveis e entre fartas risadas e boas recordações, deliciaram-se com petiscos saborosos, beberam refrigerante e fartaram-se de bolo de brigadeiro!...

     
    

domingo, 6 de novembro de 2016

PARA DERROTAR UM TSUNAMI

  
 A jornalista da Rede Globo que esteve afastada por motivo de saúde, voltará, em breve. Na próxima semana já estará comandando novamente o RJTV.
     Sua alegria sincera, sua espontaneidade, a vontade de ajudar o próximo são suas marcas. Pelo menos é o que passava sua imagem atropelando os desconfortos da população mais necessitada de providências básicas e urgentes, pela sua palavra firme , sua presença que, apesar da aparente fragilidade, denota um espírito forte.
     Se repararmos as personagens cujas vidas tiveram um real significado, veremos que, na sua grande maioria, são pessoas aparentemente delicadas, mas com uma vontade e um caráter indomáveis. Acho que este é o caso desta conhecida jovem.
     Eu a vi, de relance, numa das cafeterias da Kopenhagen, certo dia da semana, em Ipanema, numa galeria. Estava apressada, pediu um café, tomou aos goles e saiu, rápido.
     Noutra vez, em Ipanema também, na Rua Aníbal de Mendonça, cruzou comigo com aquele seu jeito acelerado... Magrinha, roupas confortáveis, singela.
     Enfrentou uma doença terrível, quatro vezes. Mas vence sempre as batalhas que trava.
     Por que alguns  se entregam, desanimados, enquanto outros reagem, apesar do sofrer? Depende de cada um, da sua fortaleza interna, do que já registrou em si e, claro, também das condições à volta. Família, por exemplo, é um bálsamo nestes casos. Pai e mãe, as raízes, darão um consolo real; irmãos, amigos... o leque vai se expandindo... a palavra confortadora, a presença amorosa, o olhar da compreensão, o gesto da amizade, tudo isto facilitará a recuperação ou então, a aceitação. Aliás, tudo isto é a manifestação do Criador em nós. 
     E quando a pessoa estiver só no mundo? Sem parentes, sem amigos, na mais completa solidão? Acontece... Há que ter fé. Mas no que consiste este sentimento? Acreditar. Na vida. Num ser supremo, que não entendemos lá muito bem, somos mesmo incapazes. Mas podemos senti-lo. Ah, podemos!
     Talvez o sofrimento seja para tal depuração até chegarmos a Ele, quem sabe? Que existe uma força fantástica, criadora, disto não tenhamos dúvida! É só olhar pro lado, para a manifestação da natureza, dos sentires, para o nosso próprio corpo físico, máquina perfeita, extraordinária, para a composição do universo! Mas somos ainda tão rudes que nem nos damos conta disso, nem  paramos pra pensar, quanto mais sentir!...
     Debulhamos alguns pobres versos trôpegos e nos achamos!...Balbuciamos preces formuladas e temos a sensação de que cumprimos nosso dever... cantamos hinos, pedimos a bênção e pronto, resolvemos tudo. Mas quando vem o tsunami da doença, a derrota quer se estabelecer.
     É preciso aquela vontade férrea a que me referi no começo, é preciso o afago da família, dos amigos. Ah, claro, e bons médicos e hospitais decentes e condições para que a população chegue até eles ,  seja tratada e, quem sabe, obtenha a cura. Bem, mas isto já é pauta para a  respeitável jornalista Susana Naspolin. 
       
    

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

UMA ESPIADINHA NO MAR...

   
" _ Coisa que não acaba no mundo é gente besta e pau seco."
(Manoel de Barros)
 
  Hoje o dia estava pra relaxar, ficar em casa, resolvendo pequenas coisas, afazeres cotidianos, breves pesquisas, relendo poemas, pintando aquarelas.  Aquele telefonema que estava adiando para o amigo conversador, aquela arrumação na gaveta dos biquínis, aquele novo doce de compota na panela de pressão...
     A chuvica(?) __ como insiste em dizer uma jornalista do tempo, famosa pela elegância e pelos tropeços no idioma... não, não, recuso-me a inserir o pretenso vocábulo . Seria chuvinha mesmo, ou chuvisco! Ou seja, uma chuva fininha, que não causa muitos danos , isto se você não estiver dirigindo um veículo, é claro; a chuvinha foi quase um embaraço para quem, como eu, gosta de apreciar o mar bem de pertinho.
     Por que não me aquietei em casa, com atividades que me proporcionam tanto gosto?  Mas não. Tinha que dar aquela espiadinha, conferir tamanha beleza,  mesmo em tempo chuvoso.
     Ventava um pouco. Ah... sentir o ar em movimento, me despenteando e afagando meu rosto,  não há palavras suficientes que descrevam este prazer.
     Sim, o marzão estava ali e toda a maravilha da plenitude de uma tarde de fim de inverno, com céu de um suave azul, pontilhado por nuvens brancas e plúmbeas rolando no horizonte. Um grande pássaro arriscou seu voo vespertino.  E eu fiquei ali, encolhido o meu corpo no moletom lilás, mãos geladas nos bolsos do casaco e a alma livre a sentir-me acolhida pela pujança da natureza.
     Até que o vento ficou mais robusto, as nuvens se encorparam e resolvi voltar para o aconchego do lar.
     No caminho, passando pela estação do metrô, já que alguns funcionários se aglomeravam para conversar, pensei em  aproveitar para tirar dúvidas quanto ao percurso do ônibus. Ao aproximar-me, no entanto, vi que somente um falava muito, cheio de trejeitos e as outras(eram todas mulheres) só escutavam, sentadas e riam, riam sem pausa.
     Assim que disse que queria uma informação, o homem virou-se para mim e retrucou, com sua voz feia , esganiçada, com forte sotaque : " Só darei informação se você pagar por ela!". Riram mais... Eu, espantada, questionei sobre os seus modos e ele continuava a repetir, repetir tal grosseria. E elas riam, riam da exibição do infeliz.
     Dirigi-me a uma das funcionárias então, mas ele, sarcástico, feio, provavelmente cheio de complexos, vira-se para a colega e arremata: " Não dê informação a ela, não, viu? Ou cobre. Depois rachamos..."
     Atordoada, saí dali, arrependida de ter parado. E eles falaram alto: " Senhora, pode perguntar, era brincadeira..."
     O mundo está ficando estranho, esquisito, ou sou eu que estou a exigir demais? Tão bom quando as pessoas se entendem, se respeitam, são naturalmente fraternas e bem educadas.
     Não é a condição social, nem o lugar de origem, nem a formação. Não. Já vi  e presenciei muita manifestação de arrogância e raiva, com palavras rudes , revelando um desassossego interno, sob os panos da pretensa cultura que se afirma ter e da origem abastada  que proclamam com soberba.
     Acho que talvez o caso em questão seja apenas (?) imaturidade da consciência. Melhor pensar assim.
    

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ENXURRADA DE EMOÇÕES

    
     Muito bom quando alguém lê, em voz alta, ao lado do autor, o poema por ele criado. É um gesto respeitoso, afável, digno. Quando alguém se debruça, gentilmente, sobre o papel, sobre o livro e sente a emoção ali pulsante, então, o coração do poeta vibra de alegria. 
     Como disse certa vez Quintana (Quintana, Mario, 1906-1994), às vezes o poema não vem para embalar e , sim, para abalar, referindo-se à ideia contida no texto.
     São tantos os tipos de poemas, que nem quero ter um estilo... e novamente permitam-me citar o referido autor. Lembro-me de um comentário seu numa entrevista, onde afirma que seria muito monótono  mantermos um estilo. Fatídico, sempre ali, posto definido. O mesmo que ser condenado a uma prisão perpétua. Todos o reconheceriam pelo... estilo! Coisa morta, inalterável. "O estilo é uma dificuldade de expressão", "Uma deficiência que faz com que um autor só consiga escrever como pode." 
     Se  nós nos transformamos ao longo do tempo, por que não, algo que surge de nós, não ganhar cores e tons diferentes ao longo da existência? Somente a essência não se altera.
     Hoje ofereci , como  presente de aniversário, além de uma caixa de bombons recheados , o meu primeiro livro de poemas __Palavras Transformadas,  a uma pessoa muito especial, sensível, generosa.  Tão delicada que fez questão de ler, tão logo  o recebeu , em voz alta, um dos poemas, para que os amigos ali presentes pudessem  ouvir.
     Escolheu a primeira poesia: O LÁPIS, que, na época da edição, foi  eleita pelo editor para ocupar lugar de destaque, abrindo assim, a referida obra.
    Leu com a ternura que carrega em si, atenta às palavras, ao seu significado, à pontuação que cadencia os versos. Entregou-se.

Simples instrumento
manual,
entre o polegar e o indicador
firme se instala
e a desenhar rabiscos e
anotar ideias
se esbalda.
Comandado, então, por cérebro
de poeta,
nem se fala!
É a glória
pois ele não para!
Conduzido pela mão que,
célere,
o agarra,
a enxurrada de emoções
o oprime a deslizar
no papel
sem queixas ou lamentações.
Servil e
obediente
aponta.
Quase gentil,
quase robô.
Encanta.
 
     Abraçadas, recebemos os aplausos calorosos. Há que se ter alma em tudo o que realizamos.

domingo, 18 de setembro de 2016

DIA PERFEITO PARA A FELICIDADE INOCENTE

      Poucos são os que reparam nas silenciosas flores... Elas estão por aí, viçosas, oferecendo seu perfume com generosidade.
 
    Hoje fui até o Arpoador tomar aquele solzinho__ digo 'solzinho' porque estava fraco, meio encoberto pelas nuvens e lá notei, no parque Garota de Ipanema, muitas flores. E pássaros a correrem pra cá e pra lá, em seus volteios absurdamente felizes, construindo ninhos despreocupadamente.
    Vi as flores. Especialmente umas grandes e brancas que se alastravam pelos canteiros. E que aroma!...
 "...
Com que ternura as flores bolem,
aos exalos de pólen!
..." *1
      Então, não me contive. Aliás, conter-me por que? Parei . Observei-as detalhadamente. Não eram só as flores que compunham o cenário primaveril. Havia as abelhas, tão febrilmente laboriosas. Inquietei-as por alguns segundos com a minha curiosidade quase infantil.
     Continuei a caminhar, mas voltei. Tinha que registrar, retratar. E no celular, companheiro das minhas idas e vindas, captei  as belas imagens.
     No mesmo instante, um homem parou ali mesmo, e pegou seu celular também. Pensei: " Ora, ora! Ele fará o mesmo. Ficou tocado pela cena e pelos perfumes. " Mas , qual o quê! Ainda sentou-se na beirada cimentada do canteiro, absorto na sua conversa trivial de namorico, amassando parte das folhas das plantas. " _ Oi, meu amor, lembrou-se de mim... Tudo bem?" Ouvi dele. Uma manhã  apropriada ao amor, sem dúvida!...
"...
Quem seu Amor não busca, certo o espera,
ao vir a Primavera.
..." *2
     "Quase ninguém nota as flores", pensei, um tanto resignada. Mas logo recompus-me e continuei meu caminho rico e solitário.
     Aproxima-se  a estação mais bela, certamente, pois com ela vem a pujança das flores e dos pássaros renovando a vida! Não há como negar a força da Natureza. E mesmo nos pequenos detalhes já nos assombra  a sua perfeição absoluta.
 
"...
Por esta Primavera em lirismos acesa,
eu sinto meu amor em toda a Natureza,
e sinto a natureza amando em mim." *3
      Sei que o Japão consagra reverência especial à Primavera. Haikais são produzidos em sua homenagem e a população fica mais atenta à floração. Afinal, a Natureza é o berço do haikai. É um povo com uma cultura muito diferenciada da nossa. Preservam, cultuam o que é nobre e belo, valorizam a Natureza.
" Demorou este ano,
Mas de repente, em toda a parte_
Primavera!" *4
     Os valores, amealhados ao longo do tempo, tornam-se  como um camafeu no coração que nos permite sentir , mais do que simplesmente ver a beleza à nossa volta, nos transmitindo a sensação da felicidade quase conquistada.
    
*1,2,3 Gilka Machado, Estos da Primavera
*4 Paulo Franchetti, Haikai

terça-feira, 13 de setembro de 2016

VIDA BREVE

    
"...
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso."       
 
   Num mundo em que as pessoas tornam-se hostis, febrilmente interessadas em amealhar  cada vez mais e mais dinheiro, em que tendem a ridicularizar e desinteressar-se pelos que amam as coisas simples da vida, precisamos urgentemente de criaturas bondosas.
     Sim, a bondade resolveria boa parte dos problemas da humanidade. Se fôssemos bons, de fato, não haveria pedintes pelas ruas, expostos ao frio, à violência, à fome.
     Se fôssemos bondosos , certamente entenderíamos o outro, que nada mais é do que nosso irmão na Criação, pelo menos  é o que pregam  todas as religiões.
     Se fôssemos, de verdade, bondosos, teríamos respeito e consideração pelo outro e, principalmente, a meu ver, evitaríamos o julgamento precipitado. Saberíamos ouvir e veríamos o que é bom e belo. Nada de disse-me-disse!...
     Ocuparíamos o nosso precioso tempo em obras cativantes e direcionadas a minimizar sofrimentos, que podem ser tanto físicos quanto morais. O que vejo são diminutas tentativas  de atitudes pretensamente 'nobres'... Manifestação ainda do orgulho torpe e da vaidade esnobe que alimenta os egos.
     Se a bondade estivesse fincada nos nossos corações a Terra seria mais bela, mais limpa, pacífica. Viveríamos em plena ascensão da felicidade.
      Há uma semana faleceu uma ex-aluna minha, que se manteve na breve vida com dignidade, afeição, sorrisos, alegria pura. Era linda por dentro e por fora. Tinha em si a bondade que suavizava a própria caminhada . Morreu repentinamente , de madrugada.
     Uma morte, dirão alguns, boa, porque sem sofrimento. Para nós, que a admirávamos e sentíamos uma ternura infinita por ela, ficou um desajuste no coração que bateu forte, assombrado, de início, dando lugar , agora, a um sentimento apaziguado.
     Que a gentil Luciana possa encontrar-se com os seus antepassados, especialmente sua avozinha, a quem devotava tanto amor e se reequilibre, aceitando a sua  própria morte, talvez prematura, e o seu destino.
     Ficamos nós, saudosos, a pensarmos sobre suas qualidades. Deixou-nos um rastro de luz e de entendimento.
    
 
 
(Obs.: Trecho do poema O Mapa, de Mário Quintana)

terça-feira, 6 de setembro de 2016

TREZE REAIS, COM SABOR DE VITÓRIA

    
     Após seis meses de espera, finalmente os Correios cumpriram seu próprio regimento. Conferiram a indenização pelo atraso de várias semanas numa correspondência SEDEX vinte e quatro horas.
     Explico: Era um envelope que continha um presente especial, para alguém mais especial ainda! Imaginem um menininho, de cinco anos, ansioso, às vésperas da Páscoa, que iria receber da vovó carioca um maravilhoso__  porque delicado e bem feito, Livro de Orações para Crianças.
     Foi colocado na agência com muitas semanas antecedentes para garantir  a sua chegada. Mas... qual o quê!... Ficamos à espera... nada!
     Ninguém tem ideia como age  uma avó contrariada!  Insistimos por e-mail, enviando mensagens e, às vezes, de volta, recebíamos  notas com termos técnicos para leigo nenhum entender mesmo.
     Teimamos. Íamos aos Correios diariamente. Passamos a ligar diariamente. Até que, talvez exaustos pela nossa persistência desmedida, simplesmente cumpriram seu dever. Depositaram, na própria agência, o valor cabível: treze reais e alguns centavos.
     "Ora, ora!" Dirão alguns, como fez  a antiga funcionária: "_  Tão pouco...há há há... tão pouquinho...há há há há... A senhora esperou tanto tempo por isso?...há há há..."
      Olhei com piedade aquela criatura completamente empobrecida de entendimento, de princípios, de ideais.  
     Ora, ora digo eu!  Adianta reclamarmos, babarmos de tanta raiva ante o pouco caso da maioria dos políticos que aí estão se não cobrarmos, sim, os nossos direitos, por menores que sejam? Mas não acho que sejam poucos não. Refletindo vamos ver que devemos reclamar por nossos direitos, não importa a dimensão. Se é direito nosso, é nosso, ora bolas!
     Quando vou ao mercado e recebo alguns centavos por cada sacola plástica recusada, eu exijo receber! "_É tão pouco!", disse-me a moça do caixa, noutro dia. "E daí? Seu patrão só pode pagar isso, não é? " Retruquei. "Então é o que me deve."
     Os nossos deveres, não cumprimos? Sem discutir se é pequeno ou grande ... Por exemplo: Vou à praia e levo um saco para o lixo. Simples este meu dever. Mas nem todos cumprem!...
    Resultado? Lixo na areia, no mar, em todo canto. Sociedade pobre de princípios, de vontade, de compreensão, de educação. Parece que têm vergonha de serem corretos, honestos e bravos.
     Deixei a mulher escancarar toda a sua ignorância e depois sussurrei: "Vamos tomar um café comigo pra comemorar a precária devolução? E no Terzetto! Dá para pagar dois cafés!"
     Ficou  desorientada, de repente. Agradeceu e recusou, sem graça. Sinceramente, gostaria de leva-la na cafeteria elegante.
     No caso, a questão não é o valor da indenização, mas a liberdade e o  dever   em exercermos a nossa cidadania.
 
 
"...
A poesia voltará de novo, consoladora e boa,
...
Com uma violência de convicções inabaláveis.
...
Verei fugir todas as minhas amargas queixas de repente.
Tudo me parecerá de novo exato, sólido, reto.
..."
( Manuel Bandeira)

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

RAFAELA SILVA & SIMONE BILES

     A nova campeã americana de ginástica olímpica, jovem de apenas dezenove anos, pensa como gente grande. Faz questão de 'deixar pra lá', ou tentar não lembrar de todos os sofrimentos pelos quais já passou.
    Desde a comprovada incapacidade da mãe biológica em criá-la, até a efusiva manifestação estúpida de preconceito de uma atleta(?) italiana tempos atrás, ela sofreu calada e sempre a sorrir.
     Sim, o sorriso nos capacita para a vitória na vida. No meu primeiro livro Palavras Transformadas, lançado na Bienal em 1995, num trecho  digo assim: " Quer ouvir a melodia da alma? Sorria!", pois já acreditava neste poder. O sorriso vindo do nosso íntimo, verdadeiro, é a expressão máxima  da nossa força interior já conquistada.
       A atleta  sempre procurou  focar no exercício, mas o que a diferencia, além do dom , possivelmente seja a forma de encarar os desafios tristes da vida, que, ou nos derrubam , ou nos empurram para a tenacidade naquilo em que acreditamos de fato. Vai depender  da nossa natureza, da nossa índole, do nosso jeito de ser.
     Foi e é o que acontece com a moça. Procurou desprender-se  de todo o sofrimento, mantendo a sua mente livre para focar no exercício, na disciplina extenuante.  Sua mente não se apegava ao cansaço e à dor,  mas pensava sempre que o treinamento era uma diversão. Assim estava treinando também a sua mente.  Criada pelo avô e sua mulher, dedicados e amorosos ao extremo, a vida se abriu para ela.
     Ao enfrentar torpes preconceitos, Simone Biles novamente sorriu, mesmo com o coração quase esmagado por tanta crueldade.
     Por isso acredito que, ao mencionarmos o nome de alguém  que superou dores e dificuldades, jamais nos reportemos às suas condições econômicas, sociais,  físicas, raça,  credo... Nada disso importa. O que interessa é o caráter, a bravura , o despertar para a nobreza de espírito, a determinação em vencer. Principalmente a si mesmo.
     Dói o meu coração quando leio em redes sociais sobre a nossa campeã olímpica Rafaela Silva. " Apesar de ser negra, favelada..." O que é isso? Isto é o preconceito camuflado em quem se arvora em protetor dos humildes. De jeito nenhum contemplemos essas pessoas lutadoras e vencedoras assim! Digamos seus nomes! Alardeemos suas vitórias. Nada mais é preciso para identificá-las, pois isto é tudo.
 


terça-feira, 26 de julho de 2016

AVÓS TERNOS!...

    
      Avós (pa)ternos e avós (ma)ternos ...  Vovô Carlos, músico excelente, flautista da Orquestra Municipal_ contava mamãe, orgulhosa, de ascendência alemã, não cheguei a conhecer. Morrera cedo. E vovó Silva , perita em agradar a todos, especialmente a netinha, com guloseimas. Lembro até hoje das bananinhas secas que sempre me trazia.   Conversávamos muito. Vovó gostava de atenção, de carinho. Quem não gosta?
      Os paternos, de ascendência italiana, moravam num grande sítio, com criação de galinhas e muitas, muitas árvores frutíferas. Coisa mais linda era aquela limeira , cujos galhos, fartos de frutos, entravam, silenciosamente, no quarto, pela   janela larga.
     E a galinha que não parava de cantar: Có có có có!... assim que punha  o ovo do dia na cama do quarto de hóspedes,onde, às vezes, vovó tirava uma soneca depois do almoço! Có, có, có, có!... gritava. E lá ia vovó, toda alegrinha preparar o ovo fresquinho para a neta querida.
     O grande tanque de cimento, no jardim da frente da casa, onde eu, criança silenciosa mas arteira, colocava os mais estranhos bichos: sapos, lagartixas, peixes do rio Paraíba do Sul, caracóis...  ficava a observá-los durante horas a fio...
     Ô infância boa!... Saboreava os quitutes da quituteira que meu avô contratava quando ia passar as férias lá. Era uma senhorinha bem alta, magrinha, sorridente e negra como azeviche. Era tão carinhosa! Cozinhava sorrindo, feliz. As empadinhas que fazia era a especialidade. Tudo no fogão a lenha, claro!...
     Parece que estou vendo...a cozinha, a porta dos fundos que dava para o alto da chácara, onde subia, assim que chegava lá pras bandas de Sapucaia.  Adorava ver aquelas mangueiras! Davam manga-espada. Carnudas, doces, cheirosas. E o barulhinho da nascente? Era fantástico ver a água jorrando de uma pedra! Uma pedra grande, vistosa, generosa. Como eu a admirava! Aquilo parecia um milagre.  
     O jardim era encantado... os beija-flores se aglomeravam em volta de tantas flores vermelhas.... Havia também um pequeno canteiro cheio de ervas aromáticas e de chás. Vovó, quando se sentia indisposta (o que era raro!), pegava umas folhinhas e mascava... E se curava. Tivera  antepassados indígenas e sabia muito bem a arte da cura pelas ervas.
     Tudo isto me fascinava.
     Rara era a noite em que eu e minha avó Ritinha não nos sentássemos __ havia um pequeno banquinho próximo ao muro que dava para a estrada Rio-Bahia, juntinhas e apreciássemos o céu! Muito diferente da cidade grande! Era coberto de estrelas. E , então, conversávamos como boas amigas.
     Vovó costumava fazer muitas visitas. E eu  ia com ela. Fazíamos  percursos maiores, só pra ficarmos mais tempo passeando... Um dia, desviamos do caminho e pegamos uma estradinha  íngreme de terra. Lá, conheci o algodoeiro. Vovó me mostrou. Vi com interesse e peguei a penugem alva, que revestia as sementes em cada bolota daquelas que enchiam o arbusto. E vovó, com seu jeitinho calmo de falar, saboreando as  palavras,    me explicava tudo.
         As visitas eram regadas a doces de compota. Tudo uma delícia! 
     Era assim o nosso convívio. Saudades sinto tanto da avó materna quanto dos avós paternos. Agradavam, conversavam, passeavam conosco, mil mimos nos ofereciam. Atenção redobrada e carinhos fartos. Como não lembrar de pessoas tão especiais? Ternas, meigas, dispostas ao sorriso, à generosidade sem fim.
     Meus avós! Onde estejam, sintam  a   minha gratidão e o meu mais extremoso sentimento.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

APLICAÇÃO NA NÁDEGA, DOUTOR !


 
 
 

     Lá foi ela, meio desesperada, meio claudicante; "afinal, tinha que confiar no médico", pensou, um tanto insegura
     A promessa era de uma, uma só injeção de um conhecido anti-inflamatório, nas nádegas. Só pode
ser injetado nas nádegas! É o que confirma a bula. Se for em qualquer outro lugar do corpo, correrá algum tipo de risco, principalmente das articulações.
   Ora, ora, por isso , mesmo ele se mostrando um médico meio esquisito, com o rosto sempre voltado para o computador no momento do atendimento, que nunca se lembrava do seu nome, nem de suas mazelas clínicas,  era um conceituado ortopedista, médico cirurgião de um modesto(?),não, não,de um hospital federal bem reconhecido! "Lá só trabalham feras", dissera uma amiga.
     À hora marcada, um imprevisto! Uma mulher bem idosa chegou, falando pelos cotovelos! Mirando a secretária  com impaciência e cheia de empáfia , afirma decididamente que seria a próxima, porque não podia esperar.
     Aquilo deu nos nervos. E todos perguntaram: " Está com tanta pressa pra quê?..."  Ela se agitou.
     Perceberam que não valia a pena retrucar. Melhor calar. Levantou-se, foi ao banheiro. Seu casaco_ era um dia frio, caiu no chão e ela nem percebeu. Saiu do banheiro. Entrou novamente. Isto tudo sem parar de falar, ou, melhor dizendo, murmurar entre dentes...
     Em tão pouco tempo, já tinha conseguido conquistar a aversão de todos. A secretária, no instante da sua ausência ao toilette, declara: " Vou logo mandar entrar , porque senão cria caso..."
     E passou a contar que, num certo dia de consulta, tanto ela, a secretária, quanto o médico, tinham ido ao enterro de um conhecido  clínico e chegaram um pouco atrasados.
     A velhota, que os esperava,  não perdoou. Insinuou grotescamente que eles tinham um caso, por chegarem juntos! Coitada da recepcionista! Ficou muito envergonhada e, desde então, criou antipatia àquela mulher.
    Pois bem. Quando esta paciente terminou sua consulta, bateu na porta para que abrisse(porque , ao terminar a consulta, este médico nunca leva os pacientes até à porta do consultório). Então, o ser humano desprezível que há em cada um de nós(nuns, em parcela mínima, noutros, em cota maior!), fez questão de ignorar, sorrindo, com um certo ar sarcástico aquele bate-bate.
     Estavam todos já penalizados com a velhinha, implorando para que a moça abrisse a porta do consultório... mas nada! A secretária conseguiu o seu momento ápice de vingança, torpe sentimento que espreita os corações...
     Quando já, então, berrava, Vivi( a secretária) abriu. E ainda chamou a atenção do médico: " Oh, doutor, por que o senhor não abriu?" Ele fez um gesto de enfado e só restou à paciente  sair, levando o seu agasalho marrom displicentemente, sem perceber que ele se arrastava   infinitamente pelo chão do corredor.
     Neste clima tenso, entra a próxima para receber uma injeção, como já tinham combinado o médico e ela.
     Mas o doutor muda tudo. Levanta-se, convida a paciente a deitar-se. Ela estranha... ", doutor, precisa deitar para aplicação do medicamento  na nádega? " E ele, já com a ampola nas mãos, espirrando um pouco do líquido pela agulha, exclama.: " Nádega? Ah, não... vou injetar direto no ponto da dor!"
     A paciente tenta argumentar, mas não demoveu o homem da sua sandice. E, apavorada, deitou-se. Ele vira-se para ela e pergunta: " Qual o joelho? Direito ou esquerdo?" , colocando sua pesada mão num dos joelhos.
     É no pé direito, doutor! No pé!... " De imediato, ele volta-se para o pé e, sem dó nem piedade, rapidamente, aplica-lhe ... Bem, até agora a paciente não sabe se ele aplicou-lhe o remédio ou somente um anestésico, pois, no  meio da conversa, avisa-lhe que irá misturar os dois _ o remédio e um anestésico numa ampola só.
      Quase sofrendo um desmaio pela dor intensa,  recebe ainda uma receita  com a ordem vigorosa: " Ao sair daqui,  compre este anti-inflamatório". "Mas, doutor, optamos pela injeção  pra eu não ingerir medicamento algum..." 
      O médico estica a mão com  a frieza  habitual para o cumprimento  e determina  incontestável : "Boa tarde, faça o que mandei. Tem que tomar ."