terça-feira, 15 de dezembro de 2015

HIBISCOS

     Na Casa de ervas  em Copacabana o susto foi grande. Depois de enfrentar  a fila enorme para escolher e pedir o produto, ainda havia a outra fila para fazer o pagamento. Saíamos de uma e entrávamos em outra.
     Algumas pessoas desistiam quando percebiam o processo  e calculando o tempo que levariam, iam embora murmurando.
     Mas resolvi treinar uma das maiores virtudes que podemos conquistar: a paciência! Detive-me na primeira e esperei. Atrás havia uma senhora sorridente, trajava um leve vestido, usava sapatilhas confortáveis e disse-me, completara oitenta e um anos. E, como é de praxe, logo retruquei: "_ Oh! Não parece!" Realmente era muito lúcida, alegrinha e cheia de iniciativa. Mas não resistiu aos tortuosos minutos ali, em pé, num calor de 36 graus do final da primavera carioca.
     Saiu uma, entrou outra alta, cabelos tratados  e penteados  com capricho. Num vestido estampado de seda de corte reto , usando bolsa simples de couro caramelo e sapatos usaflex de pouco salto , chegou logo tomando o seu lugar na extensa fila piscando o olho pra mim, afirmando: "_Assim já poupo tempo."
     Esperta a velhinha, que começou a perguntar alto sobre os benefícios de um certo chá  à senhora do balcão __que a tudo respondia com precisão  em sua voz metálica, com pompa e uma pitada de mistérios. O povo gosta. Desde surfistas machucados curiosos acerca de óleos que amenizassem inflamações, até senhorinhas aflitas e trêmulas a questionarem sobre chás.
     Esta última tinha dúvidas sobre hibiscos. Contou , para quem quisesse ouvir, que amanhã irá ao cardiologista e não queria apresentar-se com aquele desastroso inchaço nos pés. Seguindo a dica de uma amiga, beberia chá de hibiscos!...
     Ouvi histórias variadas; vi gente de todo tipo(até porque escritor que se preza observa!) e , aliviada, percebi que meus problemas são  leves e contornáveis.
     O jovem atendente, em sua lentidão, finalmente pesou para mim os damascos, as castanhas e as pecãs , fonte de proteínas que tanto aprecio. 
     Aliviada, entrei na outra fila  e lá estava a velhinha dos hibiscos que já colocara em sua cestinha dois pães de forma  que ela, muito sábia,  escolhera com cuidado. Quando lhe perguntei se eram aqueles os pães sem glúten que ela tanto anunciara, disse-me arregalando teatralmente os olhos azuis , que ainda traziam uma certa beleza e suavidade: "_Sim, sim! Treze reais cada! Treze reais!". E todos riram, tal a maneira como manifestou a sua indignação.
     E comentei enfática: "_Continuarei, portanto, a comer tapiocas! " Mais risos. Até que chegou a minha vez de pagar à falante gerente do local. Entreguei-lhe as poucas compras e esperei o valor parecido com o do mês passado. Mas qual o quê!...
     O susto viria agora e eu, confesso, não estava preparada. "_São setenta e quatro reais", ouvi daquela voz desagradável ainda mais desagradável agora, me dizendo o total a pagar...
     Meu lábio inferior tremeu... A senhora do chá gritou: "_ Somente três produtos! Vejam! Só três coisinhas!..."
     Eu estava atônita. Retirei calmamente o cartão da pequena bolsa. Entreguei-lhe e manifestei o meu desgosto. E a velhinha, sabida, embalada pela fala solta  e imaginação fluente dispara: "_ Choveu muito no sul! Por isso os preços aumentaram.
     Ainda tentei , abalada, timidamente retrucar , mas já estavam todos muito assustadiços com o ocorrido. E, afinal, é tempo de Natal.
    
    







domingo, 6 de dezembro de 2015

"AO PEDRO II TUDO OU NADA?..."

     MEUS TEMPOS DE PEDRO II é uma breve página sobre_ como o título já anuncia, o período em que estudei neste Colégio, na época, exemplar. Sairá publicada na próxima Antologia, ainda neste mês de dezembro.
     "Inesquecíveis aqueles anos da década de 60. Nunca poderia imaginar que, a partir da ..."  Assim começo a narração.
     A vida corre, muitas coisas, comportamentos, a própria sociedade foi transformada. Uma transformação silenciosa, paulatina, sem planejamentos, porém algo aconteceu.
     No tempo pacato em que estudei lá, um tempo sem violência, usava o charmoso bonde ou o lotação. Não existem mais.  No tempo em que estudei no Pedro II havia um respeito aos professores oriundo de profunda admiração. Até porque aluno respeitava professor. Mesmo se não o admirasse tanto assim. E hoje em dia?
     Hábitos, conduta, vocabulário, questões variadas; atrevo-me a dizer que a sociedade na qual vivemos foi um tanto corrompida.
     Por isso também tratamos as nossas lembranças  com especial carinho. Por isso, mantemos no nosso coração a chama de amor a este tabernáculo da cultura.
     Muitos colegas ficaram na nossa memória, outros nos acompanham com a sua amizade até os dias atuais.
     Professores carismáticos, inspetores determinados , Hino Nacional Brasileiro cantado sempre à hora da entrada. Formação, cultura, conhecimento.
 
 
     Várias personalidades estudaram lá. Era o ensino de referência. Passar no concurso para o Colégio Pedro II nos enchia de orgulho.
     Mas as minhas histórias conto no livro. Um pouco das minhas boas lembranças...

terça-feira, 24 de novembro de 2015

QUEM PODE PARAR OS CAMINHOS?

 
 
     Vejam só a tragédia ocorrida em Mariana! Até hoje meu coração, sensibilizado, chora. Como dizem os índios, afeta a todos nós. Não só Mariana, não só o rio Doce, que até no nome sabe expressar ternuras... Rio Doce... quanta vida ao seu redor!
     Tudo destruído abruptamente talvez pela indiferença do __ mais uma vez, homem!
     Eu me pergunto se é possível algo do porte desta   represa não ter que ser  vistoriada constantemente, já que qualquer problema em sua estrutura traria riscos a toda a vida tanto humana, quanto a fauna e flora existentes .
     Apesar da catástrofe, houve heróis, que , aos poucos, a sociedade reconhece, como a jovem que, percebendo o perigo, tomou de sua velha moto e partiu avisando, aos gritos, a todos que encontrava pelas ruas, que a represa tinha se rompido. Salvou com esta simples ação dezenas de pessoas, que se refugiaram no ponto mais alto , onde fica a igreja.
     Outras duas represas, próximas a esta, apresentam também suas construções já comprometidas. Parece até que estão todos esperando acontecer novamente mais um acidente deste porte.
     Que autoridades são essas que negligenciam suas obrigações? Nelas portanto não reconheço nenhum poder. Somente agora o dever de sustentar as famílias de sonhos soterrados, de cantos  abafados pelo choro da dor que veio sem aviso.
     Creio que todos nós clamamos por justiça. E que ela seja urgente, com os responsáveis punidos severamente e amparando a todos aqueles que tiveram ceifados os sonhos de vida.
     Há algum tempo, quando praticava esporte, tive uma colega  cujo marido sempre ocupava cargos importantes do governo. Saía de um, entrava em outro e assim por diante. Não tinha especialização nenhuma. Era tudo arranjado, politicagem...
     Outro também conheci de aparência arrogante, com idêntica trajetória. Cargos e mais cargos e nos discursos emproados, procura falar bonito...
     Vazios, sem vida, desajustados de cofres cheios. Valerá a pena?
     Vemos nos olhos, por onde a alma se revela, a rudeza destas criaturas, que mesmo em trajes requintados, não passam de pobres seres humanos, desatentos à proposta da vida.
    Sinto muito quando percebo a torpeza, a vilania, principalmente daqueles aos quais delegamos poderes para conduzirem com seriedade e amor o nosso país.
     Volto-me, então, para a Poesia e quedo-me ante Quintana:
 
 "...
Mas
Quem é que pode parar os caminhos?
E os rios cantando e correndo?
E as folhas ao vento? E os ninhos...
..." 
      

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

FERRADURA PARA SEXTA 13!

     Já nos preparativos para enfrentar com coragem a próxima sexta, que é 13. Alguns artefatos indígenas, um pé de arruda ao meu lado, bons pensamentos incensando o ambiente. Sorrir sempre mesmo que sofra uma pisada justamente naquela unha encravada...
     Uma ferradura atrás da porta de entrada, um copo d'água com sal grosso num cantinho  da casa e o Salmo 91 bem à mostra, num quadro adornado por uma moldura dourada!
     E ainda é pouco, para o mundo em que vivemos... alarmante, claudicante, buliçoso, efervescente, decadente, ilusório. Isto sem falar no acúmulo de pensamentos e ações  más que fazem  a Natureza__que é divina, se contorcer e reagir em intempéries várias.
     Espero que hoje não tenha sido uma prévia do que nos aguarda na sexta, 13. Pela manhã, cedinho, prisioneira solitária por dez minutos  no terrível cárcere  de um elevador, tentei usar as armas que tinha: acionei um botão que emitiu uma tímida sirene, ante o meu imenso desconforto; e usei a força inenarrável dos meus pulmões em berros que deveriam ultrapassar aquela  pesada porta de aço, além da de madeira antiga.
     Gritei, gritei tanto que  quase me acostumei. Aqueles gritos por socorro davam um certo alívio a tanto mal-estar. "_Socorro! Socorro! Estou presa no elevador!..." Até em inglês sonorizei:"Help! Help!"
     Bati pouco à porta, pois a coisa podia ficar pior, caso machucasse as mãos. Controlei-me. Mas gritar, eu gritei!  Só não escapei de uma crise alérgica violenta, que me fez inchar e coçar as mãos.
     Até que o ar foi desligado e pude ouvir com clareza o porteiro, denotando um certo nervosismo na voz, tentando me tranquilizar: "_ Calma, calma, já estou abrindo a porta... um minutinho. Procure se acalmar." Dito e feito! A porta fora aberta e eu, sã e salva.
      Se ele, o porteiro , fosse Brad Pitt ou George Clooney, certamente cairia soluçando em seus braços fortes e imagino as palavras que arrematassem tão espetacular ação: THE END. Mas estava perfeitamente lúcida e trêmula, muito trêmula.

    
    
    

terça-feira, 20 de outubro de 2015

EMBARAÇO NO ELEVADOR

     É bom irmos treinando os meninos a carregarem suas próprias coisas... seus brinquedinhos novos  e os antigos, seus  cacaréus que eles tanto amam.
     Se não aprenderem a carregar seu próprio fardo, como serão atenciosos, elegantes e gentis conosco, mulheres delicadas e frágeis?
     Digo isto porque, à tardinha, vi aquela mulher chegar do mercado com o carrinho lotado de compras. Hoje, terça-feira, é dia de promoções. Ainda por cima, a coitada estava com um dos ombros_ justamente o direito( e isto para o destro é um problema) lesionado.  
     Foi chegando ao prédio, devagar, e, ao mesmo tempo em que se deslocava , um homem acompanhava seus passos, vindo pelo lado oposto. Chegaram juntos ao portão de entrada.
     Ele mirou-a, olhou para o carrinho de soslaio e ficou ali, parado, como se estivesse brincando de estátua, com um meio sorrisinho, esboçado no canto esquerdo da boca.
     Ela fez-se de desentendida, ajeitou os cabelos recém coloridos,o casaquinho carmim de lã leve e esperou algum comportamento que denotasse elegância. Esperou... mas qual nada! Parado como estava o brutamontes ali ficou. 
     Então, colocou a chave na fechadura , abriu o pesado portão bem devagar e olhou para a portaria. Sim, o zelador lá estava, meio cabisbaixo, tentando fugir daquela 'operação'. Mas ela acenou-lhe, chamou -o pelo nome: "_ Nogueira, por favor!" Não tivera como escapar...
      Veio, meio contrariado, quase enraivecido olhando com o 'rabo' do olho o vizinho que ignorava tudo solenemente. 
     O condômino era um homem maduro, porém espadaúdo, forte, musculoso, com postura atlética. Deu tempo para reparar as qualidades físicas do indolente.
     Assim que o carrinho foi suspenso _  há meia dúzia de degraus na entrada, o homem rapidamente alcançou o elevador; mas tocou-se. Algo o fez virar-se e perguntar à mulher, com meias palavras sussurradas, se ia subir.
     "_Sim, sim!..." disse ela quase aflita.
     Carrinho de compras no elevador, ele aperta o seu botão. Nada mais. Ela vira-se, aperta o número do seu andar. Encosta-se displicente, cansada. Ele a repara . Ele a vê, finalmente!
     Um tantinho ardilosa diz sorrindo com certa malícia: " Depois dizem que a mulher é a parte fraca..."
     Ele retruca, sorrindo, tentando aparentar inteligência e persuasão:
     "_ Mas, veja, somente na parte física. Você teve que pedir ajuda ao porteiro..."
     Ela retruca: "_ Porque você não pegou o peso..."
     "__ Mas eu posso!"  disse ele rapidamente, pegando e levantando o carrinho várias vezes, como a provar que aquilo, para ele, nada pesava.
     Quase chegando no seu andar, ela, satisfeita pelo embaraço do tal diz, ainda sorridente: "_ Agora não vale, perdeu pontos, amigo..."
     Esperou ele abrir a porta de madeira pesada e saiu, sorrindo. Ele sorria também.
    

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

UM HOMEM REALIZADO


 
     Gosto do mês de outubro. Mês das flores__ afinal, estamos na Primavera! dos pássaros, dos seus ninhos ornados e aconchegantes, dos caminhos em jardins arrematados pela excentricidade dos perfumes. Gosto de outubro. É o clima ameno, o verão se aproximando, as noites ainda frescas, as brisas suaves derrubando flores inquietas. Gosto muito deste cenário que a natureza nos reserva a cada ano.
     Preferia setembro, quando começa a estação temperada. Mas foram tantos os parentes e os amigos que faleceram nesse mês que agora me acautelo. Neste ano mesmo, um querido amigo poeta e agitador cultural partiu para o mundo incorpóreo e, quero crer, que continua com suas inspirações e sua verve literária a encantar os anjos.
     Mês de muitas comemorações: Dia das Crianças, de Nossa Senhora Aparecida_ a Padroeira do Brasil, Dia Mundial do Escritor, Dia de Incentivo à Leitura, Dia do Poeta, das Aves, de São Francisco, que é o mesmo que o da Natureza e dos Animais... Então, é alardear e comemorar.
     Um mês pra ninguém botar defeitos!


     Porque vejo, com um certo desgosto, que a maioria passa , não caminha. E é diferente. Caminhar é você reparar por onde vai. Vagarosamente, a saborear o que de belo a Natureza tem a nos oferecer. Passar não.
     Passar é ir de um lugar para outro sem dar a mínima atenção ao redor. Geralmente, com um celular numa das mãos. Com a mente agitada, alimentada por pensamentos inquietos, que se confundem e  atordoam.
     Conheço um bom velhinho que  ainda exercita o corpo limitado fazendo Pilates com restrições, pois completou noventa e dois anos! Ele saboreia a vida. Médico já aposentado há um bom tempo, se dedica uma vez a cada quinze dias a clinicar voluntariamente. Evita táxis. Não tem carro. Prefere andar pelas ruas do bairro observando tudo, conversando com os comerciantes .     Às vezes, viaja para passar uns dias no seu apartamento em Friburgo... de ônibus, naturalmente.
     Inteligente, conversa com sabedoria e vivacidade.
     Questionado por um colega sobre o sorriso sempre estampado, apesar dos problemas naturais da velhice, responde, com um ar gracioso: "_Ah! Sou um homem realizado!"
     Aprendo com ele. É atencioso, gentil e educado. Porque a pior coisa na velhice, sem dúvida, é tornar-se amargo , invejoso, desiludido e saudosista extremado, nublando o coração.
     Na nossa aula mais recente me confidenciou que está quase cego de uma vista, em virtude de um glaucoma que o persegue. Mas ele não se deixaria abater por isso! Já que enxerga com o outro olho, então iria ao cinema, que adora. Há uma sala perto de sua residência, onde geralmente exibe filmes de arte. E é pra lá que ele vai, sempre que muda a programação da semana. Vai caminhando, claro, devagar, apreciando tudo ao seu redor. Inclusive as flores.

    

    
    

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

ARARAS EM QUIOSQUE E EM LOJAS!?

 
 
 
     Abro a página com esta foto do casal de araras que vive à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Fiquei ali, por um tempão, apreciando o inusitado, em dias de Carnaval.
     Elas ficam nos arredores, acostumadas com o movimento, sem ir muito além, pois são alimentadas e cuidadas pelo responsável de um quiosque, que, à noite,  lhes serve de abrigo.
     Como são bonitas as araras! E os tucanos, os beija-flores, os sabiás... e outros tantos pássaros pelo mundo afora!...Cerca de cem bilhões de criaturas!...
     Hoje, passados mais de dois anos, encontro uma arara numa loja de animais, em Copacabana. Uma loja comprida, cheia de novidades para os bichos viverem melhor em seus cativeiros. Quanta sandice!
     Acho engraçado(?) quando as autoridades dizem que determinados animais não podem ser aprisionados... somente com a autorização do IBAMA!... ora, ora, que grande despautério!
     A arara estava em péssimo estado. Sua cauda cheia de falhas, muito nervosa, se contorcia na pequena gaiola. Um pássaro enorme, ansioso por ganhar o espaço, que por direito é seu! Fui testemunha, por alguns minutos, do azul fosco de suas penas, dos seus olhos sem brilho, do seu bico maior do que a vasilha onde havia algumas sementes.
     Entrei na loja porque fui atraída pelo canto mirrado, quase um sussurro ,um pedido de socorro, mas nada via. Até que percebi, lá no fundo, uma entrada à esquerda. Fui devagar, bisbilhotando, seguindo aqueles pios estranhamente tristonhos. Percebi um certo desconforto do pessoal ou estarei enganada? Muitos funcionários foram chegando e se atrapalhavam, pois este corredor era bem estreito. Ficaram me olhando, desconfiados. Murmuravam.
     E eu conversei com a jandaia, com duas calopsitas(duzentos e  setenta reais cada uma das fêmeas, disse-me um rapaz quando perguntei), um canário-da terra, alguns outros que não fui identificar, pois comecei a me sentir muito angustiada , presumo, por aquele sofrimento. Imaginem se nos impedem de andar! Seria a mesma situação!
     Acho que até havia uma ararajuba, considerada uma ave em extinção. Mas quando cheguei na arara, realmente, o meu coração doeu tanto que não me contive. Voltei-me, saí dali, um tanto aparvalhada, sem poder salvá-los.
     Dirão que eles têm o registro, estão legalizados para a comercialização. Para mim, ainda um tanto ingenuamente quixotesca neste mundo cruel e insano, é crime bárbaro da mesma maneira! Com autorização ou sem ela, comete-se um crime contra os animais, privando-os da liberdade.
     Só me resta a palavra para o desabafo. E para o compartilhamento com os leitores. E ainda me resta a poesia para lembrar a mim mesma e ao mundo a beleza,  as cores, a afeição e a alegria com que a Natureza nos afeta.
 
"Um homem é verdadeiramente ético apenas quando obedece sua compulsão para ajudar toda a vida que ele é capaz de assistir, e evita ferir toda a coisa que vive."
(Albert Schweitzer)
     "...
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
..."
(Manoel Bandeira)
    

domingo, 13 de setembro de 2015

ÁGUA & SENTIMENTO

     Fechou a locadora!... Alguém me explica o que acontece com as lojas da minha cidade? Estão acabando... Ipanema _ como me afirmou, em tom choroso, a dona de um comércio na rua Visconde de Pirajá_ está ficando tristonha, extinguiu-se o viço.
  Minha conhecida há muitos  anos,a Video Shack Clube perdeu o fôlego. Cerraram-se as portas. Nos últimos dias, tal qual uma agonizante,  suas prateleiras foram sendo esvaziadas avidamente !
     Colocaram à venda  cada uma das suas fitas a dezoito reais! Correram todos a buscar as histórias preferidas, os autores, os diretores, os atores e atrizes mais amados.
     Eu ia até lá para garimpar filmes e descobria uns incríveis! Era o que me entretinha  nas tardes de domingo, porque a  televisão, cá entre nós_ está um bagaço! Com algumas exceções_ e sempre existem, graças a Deus!_ a maioria é apelação, tolice, turbulência. E sou um tanto avessa à TV paga.
   Realmente deve ser muito complicado atender a gregos e a troianos, então agrada-se ao populacho, para que o  IBOPE seja garantido.
   Fiquei triste e confusa com a falência. Supondo que a seção de 'documentários' ainda não estivesse sido extinta, fui até o final do corredor e , aliviada, achei o que queria: "O PODER DA ÁGUA_ A força dos nossos pensamentos e emoções."
     Já tinha visto ,revisto e até tirado cópia para pessoas queridas que nunca se interessaram por ele.
     Mas para mim este assunto é um boom! A ciência sendo apresentada de forma simples, com experimentos que qualquer pessoa entenderá, mostrando o poder que os pensamentos  e sentimentos  têm para atuar no nosso organismo.
     Até uma simples palavra escrita num copo com água, dependendo da palavra e da emoção a que ela se refere, mostrará mudanças imediatas nos cristais da água; e como nosso corpo é setenta por cento de água...
     Um cristal de água exposto à música de Mozart, por exemplo, adquire uma forma de exuberante beleza.
     Portanto, palavras rudes, brincadeiras de mau gosto, intenções malévolas, ou atenção e  carinho, qualquer gesto mental, por menor que seja, repercutirá. Daí o cuidado no que se lê e no que se ouve, no que se escreve, no que se fala, pois tudo  repercutirá em nós.
     Estes noticiários que repetem fatos alarmantes, negativos, condutas criminosas, tudo isto soará em nós porque a eles damos atenção.
     Cheguei a conclusão de que se quisermos deixar de sofrer basta que nos ocupemos em avaliar e preservar o nosso próprio sentimento. Que seja bom e pacífico, pois é ele quem nos governa.



 
   
    
    

domingo, 6 de setembro de 2015

AMOR ÚNICO

 
 
 
 
 
 
     Voltei pensativa da habitual caminhada de domingo. Afinal, com toda esta friagem, nada melhor do que caminhar! Correr para esquentar! Sentir o fresquinho do inverno só mesmo do Rio de Janeiro, claro. Porque não gosto do inverno. Frio é para defuntos.  
     Nada como o sol beijando a pele, aquele calorzinho gostoso do outono e da primavera. As flores se abrindo, os galhos se virando à procura da  luz, ninhos sendo construídos.
     Tenho visto em minhas andanças muitos idosos passeando, indo às compras, sempre  acompanhados , seja do curador ou da curadora, seja da empregada. A maioria bastante limitados, como o senhorzinho que hoje passou por mim, amparado pelo enfermeiro. Vinha ele trêmulo, curvado ao peso dos anos, bem agasalhado, até um boné de feltro cor de vinho, muito estiloso, ele usava. Sua boca, semiaberta, causava estranheza. De pele muito clarinha, notavam-se escoriações em suas mãos.
    Os velhinhos apreciam ir ao mercado, ao hortifrúti como um passeio. Dá para entender. E vão muito bem arrumadinhos, um primor!
     Observo com respeito e uma certa dose de alegria, pois percebo neles algo assim como a demonstração de uma réstia de energia, uma resistência à perda paulatina da força da vida, uma negação à suposta inutilidade, uma reprimenda silenciosa às limitações que a idade avançada impõe.
     Estes senhores que desfilam pelos bairros da zona sul do Rio __especialmente em Copacabana, bairro que possui uma grande quantidade de pessoas com mais de setenta anos, mantém uma certa altivez de espírito. São corajosos e transmitem coragem.  E fico me perguntando se eles têm filhos.
     Porque nada mais impessoal do que um empregado assalariado para envolve-los em cuidados e atenções.
     Certamente, de seus lábios crispados aflorariam sorrisos amenizados pelo conforto da afeição natural e seus corações bateriam com mais ânimo! Suas vestes seriam menos pomposas, menos sérias e rígidas; certamente, esses idosos acompanhados pelos filhos amorosos ficassem antenados com o novo.
     Uma vez li um texto    onde era narrada uma conversa entre uma mãe e o seu filho, pedindo para que o filho fosse mais paciente com ela, que a desculpasse pelos esquecimentos de agora, da época da velhice, pelas mãos inábeis de agora, pois atingidas pela malvada artrose; pelos passos lentos, pela vista cansada.
     E neste texto muito comovente a mãe lembrava ao filho o tempo que tinha vivido  estas  dificuldades parecidas com ele, já que desde o nascimento a criança necessita  de total atenção e carinho, quase dos mesmos cuidados que seus pais na velhice.
     O choro perturbador que a mãe__ anjo de Deus procura entender, a febre repentina, as madrugadas insones, o desvelo constante ate a puberdade...E aí acontecem outras preocupações, noites insones novamente, atenção redobrada, preocupações, dedicação total para que estude e se torne uma pessoa digna e realizada.
    Mas  amor de mãe é único, incomparável.  Ao filho caberia  a companhia constante, cheia de desvelo, consequência de um amor agradecido.
     As nuvens que tolheram o sol durante todo o dia, desvaneceram-se e somente o frio renitente permanece. O que vejo neste início de noite é um céu límpido, com estrelas , promessa de um belo alvorecer.
 
"...
Impossível impedir
o branco dos cabelos,
assim como criar ouro:
como se livrar da idade
e de seus incômodos?
Melhor começar logo
o estudo do não ser."
 
(Wang Wei)


quinta-feira, 20 de agosto de 2015

TORTA DOCE & CONTA AMARGA

    
     Que gosto ruim senti ao ser apresentada a conta... Cobraram o dobro e justificaram o engano, dizendo que  adicionaram o gasto da mesa ao lado... Ah, tá. Agora, entendi!...
     Depois falam da corrupção dos homens do governo, mas temos que admitir que os que lá estão saíram do povo. Tão bom seria se todos nós tivéssemos a consciência já desperta e não nos atropelássemos na própria desonestidade.
     É por isso que, quando um rapazote acha uma carteira na rua com R$ 1600,00 e tenta encontrar o dono para devolver a dinheirama, acusam-no de tolo!... Mas tolos são os que se acomodam na falta de carácter, de escrúpulos. Os insensatos de agora serão os infelizes e toscos de amanhã!
     Sem dúvida, escolher o lado podre  da enganação só trará malefícios aos próprios corruptos. Pensam o quê estas torpes criaturas?
     Numa cafeteria onde são vendidas  reconhecidas iguarias apetitosas, dentro de um  Jardim Botânico, ponto turístico da Cidade Maravilhosa, não poderiam acontecer tais fatos de sabor insosso.
     Depois que percebi o erro deles , quando retruquei, fui atendida mas a moça do caixa não se mostrou solícita como eu desejaria. Com um certo desconforto pela minha atitude tranquila e firme, atendeu-me , mas a gente percebe a revolta que deveria ser nossa!
     Após o passeio que fiz, entre caminhos de mudas de mangueiras e apreciando pequenos pássaros se escondendo dos ventos , pretendia saborear um café e uma fatia de torta de maçã. Mas fui surpreendida pelo engano e não é lá a primeira vez que acontece... De modo que, fica a dica: temos que olhar a notinha do que gastamos e conferir os preços, sim! Nada de sentir' vergonha'... Vergonha quem tem que sentir, não é o consumidor , mas aquele que tenta lesar.
      Ali, cheio de turistas , principalmente franceses, nesta quarta-feira ensolarada , talvez a gorjeta tenha  sido  gorda...
 



segunda-feira, 17 de agosto de 2015

"_TRANQUILIDADE?... UMA OVA!..."

     Já que teria mesmo que sair à tarde para fazer fisioterapia, minha amiga resolveu aproveitar e assistir a uma comédia francesa, cuja história foi baseada num livro, onde o autor se inspirou na obra de Flaubert_ Madame Bovery, causa de escândalo na época de seu lançamento, em 1857. 
     Assim, lá foi ela, ansiosa para rever um dos seus atores prediletos__ Fabrice Luchini, impagável e impecável como o padeiro da trama. O personagem é quem inicia o filme, falando brevemente conosco algo parecido:"__ Harmonia e tranquilidade no interior da França? Uma ova!..."
     Traduzida em legendas como "uma ova!" a expressão idiomática fica engraçada e adequada ao personagem francês com aquele 'biquinho' característico dizendo: "__ Des clous!"
     Chegando ao cinema, deparou-se com uma fila! Hoje, segunda-feira? Certamente pessoas que, como ela, já não saem aos domingos, pois mora num bairro turístico sempre apinhado de gente . Deixam para passear às segundas, isto está virando um hábito dos moradores da região.
     Assim que entrou na fila, uma senhora vem logo atrás, e não pára mais de falar...
     __Ah, qual o filme que você vai ver?
    __ Gemma Bovary, respondeu  minha amiga, percebendo a agitação e certo entusiasmo da senhora.
     Trajava uma brilhosa calça  comprida preta e justa, um blusão de lãzinha quadriculada em preto e branco , carregava uma enorme bolsa escura de verniz  e sapatos pretos arrematavam-lhe o figurino. Bem maquiada, apesar da idade avançada. Caminhara com dificuldade para alcançar a fila, no final da galeria. Cabelos grisalhos e tratados, na altura dos ombros,  ornavam-lhe o rosto envelhecido, de aspecto cansado, mesmo seus lábios estando destacados com batom carmim.
     __ Mas a que horas o seu filme começa?
     __ Daqui a pouco, às quatorze horas, respondeu minha amiga.
     __ Ah, o meu é agorinha, às treze e quarenta e cinco! Ah... acho que não dará tempo para eu ir à fisioterapia depois...
     Minha amiga achou engraçada a coincidência, mas preferiu manter-se calada.
     Chegando a vez das duas,  se postaram, então, lado a lado, pois havia dois guichês. Ela prestou atenção na escolha da minha amiga que pediu o assento G 7 e e, então, dirigindo-se à moça que atendia, pediu o  G8!
      Divertida a sua espontaneidade. 
     Saindo dali juntas comenta que está com muita fome e iria antes à lanchonete próxima; afinal, só tinha almoçado gelatina!...E convida a sua atual companhia para ir junto.
     __ Não, obrigada,  somente um cafezinho antes do filme é mais do meu agrado, retrucou Ângela.
     E ficou admirada quando a tal senhora tentando andar com ligeireza, vira-se para ela e diz, sorrindo:__ Ah, como é bom conversar com alguém assim! Parecemos amigas de infância!...
     Assistiram o filme, lado a lado. A senhora almoçara na tal lanchonete uma sopa de aspargos e um filé de frango com batatas... Mas em dez minutos? " Pas possible!", pensou a amiga.
     Comentaram pouco  sobre o filme ; afinal, o celular a distraíra inúmeras vezes , o sono em vários momentos fazia a velha senhora ronronar e, além disto tudo, tinha enchido a sua bolsa grande e escura de couro  com muitas barras de cereal...  
    
    


domingo, 16 de agosto de 2015

A GOTA PURA DO SILÊNCIO

"...
Quero ir ao fundo das coisas
E recolher o silêncio, a gota pura do silêncio,
Em que se guarda e contém,
O eco da voz de Deus!
..."   
(trecho do poema QUERO IR AO FUNDO DAS COISAS, do inspirado poeta A. Frederico Schmidt)
 
  O silêncio nos alimenta. Criar este hábito nos proporcionará uma paz nunca antes sentida.
     No início,  talvez nos sintamos inquietos, levemente incomodados; porém, após algum tempo, acatando no nosso íntimo este comportamento,  exercitando a atenção plena, chegaremos a perceber que ele__ o silêncio nos é salutar.
     Tenho uma amiga  muito querida(dessas amizades que atravessam os anos e não se esgarçam) que fala pelos cotovelos! Às vezes se perde , fala coisas emendadas umas às outras, de um assunto pula para outro sem respirar... Uma agitação íntima, quase um desgoverno.
     Há muito burburinho no mundo... inquietudes, medos, controvérsias; então, falamos, falamos, falamos demais para nos distrair. Pior quando tentamos convencer o outro daquilo que achamos que é o certo! Portanto, não se deixem convencer pelas minhas palavras escritas... somente digo aqui o que penso, sem nenhum intuito de persuadir o leitor.
     Claro que me refiro à turma depois dos quarenta, porque o linguajar da maioria dos jovens de agora é confinado a poucas e incertas palavras que traduzem, sem dúvida, o sentido do que se quer expressar. Senão, vejamos:
     "_ Oi, cara, e aí?... beleza?
       _  Belez..."
     E  segue o diálogo em que tudo o que se quer dizer é dito, com gírias, abreviações e palavras inventadas por esta juventude atual. Até, cá entre nós, que aprecio um pouco o lado econômico e prático para a conversa se desenrolar. Mas noto que não é originado este método pela singularidade da criação e pelo cultivo do silêncio; mas pela pobreza mesmo de vocabulário. Basta observarmos as redações prestadas em concursos.
     Sem leitura não há vocabulário, nem as ideias se renovam; sem vocabulário e ideias não há conversa que se sustente.
     Mas voltando à nossa turma,  estamos todos ansiosos e esta ansiedade se derrama da nossa boca em atropelos de palavras. Transformar a insegurança para obtermos uma tranquilidade verdadeira é um caminho que vale a pena ser conquistado. Só nos trará benefícios.
     Não será no alvoroço que vislumbraremos a felicidade. É na paz do coração onde se traduz a mais pura alegria. E decorrentes dela toda a felicidade e a saúde do corpo e da mente.
    
    

    
    
      

domingo, 12 de julho de 2015

QUERO A BELEZA POR PERTO...

 
 
 
      Distraída, numa manhã dessas, liguei a TV no programa de uma renomada jornalista e qual não foi a minha surpresa! Deparei-me com uma jovem bonita, de riso solto a enfiar um canudinho_ desses de colocarmos em latinhas de refrigerante, no seu nariz,  para espirrar; disse ela, na entrevista, que gostava disso: de espirrar... Eca!
     E não terminou por aí... A mocinha alegre se comprazia com todas aquelas pessoas  famosas do mundo artístico , debruçando sua curiosidade e atenção no que ela fazia. Então, continuou, orgulhosa, narrando outra descoberta sua: o rolo de papel higiênico estava sempre colocado de maneira errada nos ambientes. E explicava como deveria ser.
     Ora, ora! Cansei de tanta bobagem, bobagem que estou aqui a repetir para vocês. Peço que me desculpem. Mas não tenho a intenção de que alguém aprenda métodos para espirrar mesmo sem ter contraído resfriado, nem, muito menos, conferir a melhor disposição do rolo do papel higiênico. Aliás, eu já tinha sacado que o modo como ela pretensamente indicou é melhor mesmo. Mas não precisa ir à TV pra falar sobre a sua incrível descoberta! Quanta besteira! Desliguei a televisão, desanimada.
     É, senhores, o mundo está de pernas pro ar!...
     Mas ainda há imprevistos que agradam. Como hoje, por exemplo, quando saí do mercado, passei a ouvir um violino que me enterneceu. Olhava para os lados e não via ninguém tocando. "Será algum anjo?", pensei rápido nesta hipótese meio sonhadora, meio quixotesca.  Parei na esquina determinada a descobrir o artista.
     Finalmente! No outro lado da rua, um homem simples, jovem ainda, com uma impecável camisa branca, a tocar com extrema suavidade o seu violino. Aquilo me fez bem. Às vezes, de onde não se espera, surge a boa novidade.
     Noutro momento, deparei-me com umas flores lindas, as chamadas lágrimas-de-cristo. Isto tudo vai influenciando a nossa mente, o nosso espírito, o coração. Não conseguiríamos viver com saúde sem a beleza por perto. A saúde da alma, da mente, do coração. Saúde esta que, sem dúvida, acaba refletindo no nosso corpo.
     Porque somos abordados por fatos desanimadores no nosso dia a dia , por momentos , a vida fica nublada. E nada como o sopro da brisa da alegria que promove jovialidade, renovando o bem-estar mental.

    
             do grande poeta Manuel Bandeira, trecho do poema Preparação para a Morte:

"A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
..."
    
    
    

domingo, 28 de junho de 2015

MOTORISTAS AFLITOS

    

 
     Hoje foi um dia diferente. Aliás, cada dia é um dia diferente do outro, que já se foi... Nada é igual, nada se repete na existência. E nós próprios, se formos um tanto criativos , nunca deixaremos que a rotina se instale em nossa vida.
     Hão de concordar comigo: às vezes, ao despertarmos, pensamos naquele dia já todinho pré-estabelecido. No entanto, durante o trajeto, tudo muda! Assim como uma obra de Arte que você planeja o quê  e como criar , quando percebe, produziu completamente diferente ! Até porque Arte que é Arte brota, explode de dentro da gente.
     Resolvi chamar um táxi na esquina para facilitar minha viagem. Percebi de imediato que o motorista era solícito, simpático, educado, mas, falante, muito falante.
     Signo de Gêmeos,  confessou-me o homem; então, estava explicada a sua grande capacidade de comunicação. Parecia que ele necessitava revelar o que lhe acontecera e o fez, em detalhes. Nem parava pra respirar. Foi a viagem inteirinha discursando sobre os passageiros que tinham  tomado o seu carro naquele dia e um fato desagradável que lhe ocorrera.
     Narrou-me em detalhes os problemas da próstata  que o atormentavam e suas consequências que, muitas vezes, o acabrunhavam. "Esta conversa já está passando do ponto", pensei.
     Contou-me que, ao conduzir uma passageira ao aeroporto, passou por um posto de gasolina e disse-lhe que precisava ir ao banheiro, com uma certa urgência; porém, insensível,ela não consentiu. Falou-lhe nervosa que poderia perder o voo, já que estavam bem em cima da hora!
     Assim que a deixou, embora tivesse, durante todo o tempo do percurso, sonhado em se aliviar, rapidamente um casal  entrou  no carro e aconteceu quase a mesma coisa. A moça até admitiu que ele parasse, mas o acompanhante, seco, disse-lhe "Não!"
     Chegando ao destino dos dois, finalmente ele relaxou... ali mesmo!Suava frio, o coitado. Urinou no banco  do seu táxi, criando uma situação constrangedora, humilhante para si próprio. Uma toalha ,que sempre leva na mala do carro, colocou nas calças, para que absorvesse todo aquele líquido malcheiroso. Borrifou um produto desinfetante no ambiente e continuou a trabalhar.
     Morava longe, disse-me, em Niterói, e não poderia voltar para casa sem o dinheiro que esperava receber, pois o pagamento do seu condomínio estava atrasado.
     Coincidentemente, pela manhã, eu tinha pensado nisto, na situação dos motoristas que devem passar alguns apertos no trânsito, como fome, sede e outras necessidades. Ninguém está livre de certos apuros...
     Na volta, resolvi vir de ônibus, sem pressa. Custei a acreditar que eu era a única passageira! Do início ao fim da viagem.
     No meio da viagem,numa curva, bem na esquina, onde havia um semáforo que estava verde, a motorista, mulher_  de aparente truculência, parou o veículo instantaneamente. Nem deu tempo para que eu me assustasse. Logo, ela soltou a voz fina  e aguda, em discrepância com o seu porte  físico, e disse alto: "_ Senhora, eu estou com sede e vou logo ali comprar água, certo?"
     Não, eu não poderia negar . De jeito nenhum, depois de tanto aprendizado e análises, não. "_Claro, querida! Pode ir comprar a sua água!"  disse-lhe, em tom amigável.
    Agradeceu-me muito e desceu. Supus que ia demorar, mas me enganei redondamente. A mulher voltou em menos de um  minuto com a garrafa de dois litros nas mãos. "Dois reais, dona! Não tá barato?" perguntou-me com aquela voz sibilante, tentando ser simpática.
     "Sim, muito barato!", concordei sorridente. E lá fomos nós, sacolejando, afinal, éramos só nós duas no velho  e comprido ônibus.
    


     " O melhor de tudo é embarcarmos num poema..."
(Quintana)
    
    
    

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A CHAMA CONTINUARÁ

     Com alguns versos do grande poeta Augusto Frederico Schmidt inicio esta pequena crônica, já que o assunto que atiçou hoje a mídia foi a morte de um jovem cantor .
   "...
No pensamento, a lembrança
Dos mortos, dos que se foram,
Dos que abandonaram o mundo
...
No pensamento, a imagem dos que morreram jovens
..." 
 

     Sempre ficamos penalizados com a morte prematura e, neste caso, temos o agravante do inesperado; o sofrimento da família é inenarrável. Uma torrente de emoções tristes e muitas lágrimas  , mas, acredito, tudo tem uma razão de ser.
     O jovem de sorriso cativante  cantava e fazia shows como tantos outros artistas da música sertaneja. Tinha  filhos  e uma bela namorada que faleceu instantaneamente no acidente de carro. Voltava ele de um trabalho em que se apresentara.
    Na tv é esta a notícia que explode hoje, a cada minuto, interrompendo e, até, suprimindo alguma programação rotineira. Fazer o quê ante a sociedade negativista na qual vivemos e nos movimentamos senão acatar, ouvir e exercitar a paciência ? Povos orientais sentiriam de modo diferente esta mesma situação.
     Fatos como este abalam, certamente. E podemos aproveitar para refletir que " a morte vem como o ladrão da noite". E se dela_ a morte, ninguém escapa, por que não pensar nela e nos prepararmos para a grande viagem?
     Ontem mesmo voltei de uma viagem breve. Trouxe a mala_ que está cada vez menor para poupar a coluna, com menos coisas , procurando levar o mínimo necessário; afinal, pra quê nos serve a inteligência ?
     Raciocinar no que vale a pena levar, o que não nos fará falta e, se fizer, providenciaremos. Simplicidade a gente pode adquirir pelo pensar. Vamos aparando as arestas, o excesso, analisando, fazendo uso da imaginação e da criatividade.
      Agora, imaginemos: o que levaremos na grande viagem? Na definitiva?
     Existem pessoas que nem ousam falar na palavra Morte!...  " Não falemos na morte, está deprimida? Falemos na vida! Vamos viver!" E fazem uma expressão de horror e de desdém, arregalando os olhos e esgarçando a boca, como se estivessem vendo alguma aparição.
     Tento considerar como um fato natural, sendo que,  a morte de crianças e de jovens nos causa perplexidade. Não aprendemos que nascemos, crescemos, vivemos e morreremos, finalmente? Mas, a pergunta que fica é: o que levarmos? O que? Roupa não é. Calçados? Dinheiro? Fama? Medalhas? Beleza?  Tenho cá ideias que acalento e que me movem. E desejo que cada um encontre suas motivações para o preparo desta viagem única.
     Ocorre-me agora que muitos julgam que seria o fim de tudo. Mas não é e nisto eu  aposto. Esta chama que dá vida ao corpo continuará...
     Aprender a viver , como disse o respeitado cardiologista indiano Deepak Chopra, é o mais relevante; muitos passam a vida e não aprendem. São infelizes, tomados pela revolta, pela inveja, amarguras e por outros sentimentos que acabrunham e empobrecem a alma imortal. Continuarão assim, do outro lado. Portanto, que cada um planeje a sua vida, cuidadosamente. Acho que vale a pena.