sexta-feira, 28 de março de 2014

O MELHOR REMÉDIO

     A afirmação do poeta __" Os jovens andam em grupos, os adultos aos pares e os velhos andam sós"__ me fez refletir.
     Realmente, se formos observar com atenção, veremos que esta é uma  verdade, fruto da percepção de Quintana.
     Em bandos os jovens vivem suas vidas, cheios de energia e nem pensam nela. Vivem, somente. Andam confiantes, vangloriam-se das possibilidades imensas e sentem-se afortunados.  Há, por certo, alguns mais pensativos, sonhadores, tímidos que não se revelam de imediato. Mas são as exceções.
     Adiante, quando adultos,  geralmente  formam suas famílias, encontram seus pares. Se são dissolvidos, encontram um  outro para , novamente, se unirem, dispostos.
    Porém, quando os filhos já estão criados e saem de casa, comprometendo os lares formados em 'ninhos vazios' ou quando um dos parceiros sucumbe à doença e vem a morte, então lá se vai a expectativa da tal felicidade eterna.
     O bom é mesmo ter a casa cheia, os filhos, a família; depois vem o ocaso, a velhice__ e esta não vem de solavanco. Não, vem aos poucos, devagar... sorrateira. Os olhos vão cansando... a saúde sendo comprometida... a pele, ah! a pele tornando-se flácida, fina, delicada; noutros casos, cheias de manchas  e, em muitos idosos vejo até feridas que se rompem em peles ressequidas ao extremo. 
     Cabelos brancos ficam secos, opacos e haja tinta! Sobrancelhas ralas, unhas frágeis; lábios antes carnudos e viçosos, agora finos e retraídos.  
     Ossos comprometidos, colesterol, pressão, tudo motivo de preocupação. 
    Mas a solidão abala definitivamente. A criatura que não se desenvolveu espiritualmente, que só pensou em acumular bens materiais, que se deteve em demasia a artifícios para manter a beleza se sentirá perdida diante de tantos equívocos. Então, virá a depressão, a ansiedade e a melancolia.  Muitas vezes a amargura e os queixumes. Ou, então, tentará fingir que conservou a juventude e agirá como um idiota. Usará roupas inadequadas, frequentará lugares inoportunos e manterá uma atitude inconveniente. Tornar-se-á uma caricatura lastimável. Ou não?...
     Questiono porque o percurso é de cada um. Ninguém é o dono da verdade e não poderemos afirmar ao outro como se portar  com maturidade, inteligência e elegância.
     Vejo, com frequência, anciãos a usarem bengala. Tenho uma amiga carioca, residente  na Bahia, que precisou usar uma. Como ela é muito alegre e estava muito triste por isso, aconselhei-a a comprar uma bengala que fosse bonita ! Colorida! E que a enfeitasse! Não é porque a velhice chegou com seus problemas que temos que nos sentir opacos. Claro que não! Aceitemos , sem dúvida, mas com o coração alegre e corajoso.
     Costumo dizer que sou um tanto 'quixotesca', em minhas atitudes referentes àquilo em que acredito.
     No caso de minha amiga, ela aceitou a sugestão. Tem agora uma bengala linda, cor-de-rosa, com muitas fitas do Senhor do Bonfim. E toda vez que dela precisa , Rosilda sorri. Aliás, sorrir ainda é o melhor remédio para (quase) todos os males.
    
    
Os pássaros
já partiram todos.
Mesmo a nuvem solitária
afasta-se ao longe.
E nós, minha montanha,
ficamos aqui, os dois, sozinhos,
a nos contemplar
um ao outro
sem nos cansar jamais.

                                       (Li Bai)



    
     

sexta-feira, 7 de março de 2014

UM ANJO DISFARÇADO

     Ela sentiu que aquela manhã seria especial! Era uma sexta-feira nublada, abafada, março, final de verão. Então, de máquina fotográfica em punho, lá foi, rumo à lagoa. Cuidadosamente, colocou a máquina_ sua infalível companheira de passeios, na mochila.
    Assim, animada, caminhou pelas ruas próximas que a levariam até àquela paisagem magnífica de um Rio de Janeiro que anda meio desprezado.
     Caminhou por uma, duas, três,  mais outra, ainda mais uma e, finalmente,a paisagem exuberante fora descortinada. Pássaros de várias espécies, cantoria, árvores, flores, águas plácidas e o céu... Ah! Aquele céu revitalizante!...
     Ficou algumas horas caminhando pelas pistas, às margens, sempre à procura de algo inusitado. Encontrou sabiás, bem-te-vis, patos, biguás, martins-pescadores, sanhaços e até um  galo-de-campina! Descobriu ninhos de joão-de-barro e entusiasmou-se com  o casal apaixonado de araras azuis.Foi uma experiência incrível!... Sua intuição estava certa.
     Resolveu voltar para casa, mesmo a contragosto, já que o sol despontara e o calor estava quase insuportável. Suava. O boné e os óculos escuros a protegiam um pouco; no entanto, os tênis e as meias a importunavam. Sentia sede, cansaço, dor nos pés.
     Atravessou a rua principal no semáforo e  pretendia retornar pelo  mesmo caminho. Lembrou-se de uma Cafeteria perto dali e decidiu que o seu café da manhã seria lá. Ao atravessar bem em frente à loja, percebeu uma senhora deficiente que, confusa, balançava sua bengala branca batendo na grande árvore da esquina. 
     Chegou  perto e perguntou à cega se aceitaria ajuda. Notou que muitas pessoas passavam e olhavam a cena com frieza e uma certa repulsa. A senhora já tinha idade avançada e era muito humilde. Trajava uma saia preta desbotada e a blusa, surrada, com trilhas de manchas respingadas. Num dos braços, uma bolsa escura bem velha.
     Ela agradeceu e sabia direitinho onde queria chegar, mas disse que, se a ajudasse na travessia,  já lhe bastava. Assim foi feito;  no entanto, a mulher não conseguiu deixar que aquela figura franzina e cambaleante, tocando com a sua varinha tosca os postes enfileirados pela calçada, seguisse sozinha. Não. Seria muita indiferença. Voltou-se e segurou-a pelo braço fino e trêmulo, confessando sua intenção. Levaria a senhora até o ônibus do metrô, sim!
     A cega, então, não se conteve e a abençoou  até entrar na condução. Foi contando pelo pequeno percurso a dificuldade que passou a ter depois de um tombo no metrô. Quebrara a bacia e depois de muitos exames e atendimentos iria ser operada. Mas, às vésperas, o médico foi removido do hospital e a sua operação cancelada...Nem comentou da cegueira. Todos os dias vinha até à Igreja para rezar e citou o morro onde morava. A acompanhante provisória ficara admirada com tamanha lucidez e tranquilidade ante aquela vida aparentemente tão precária. 
     Retornou para  tomar o seu café, mas o coração já estava alimentado pelo sopro do amor. Um gesto pequeno mas fundamental para quem precisa de um socorro. O socorro da atenção e do carinho.
    E  fora revigorada não só pela contemplação da natureza, mas também  pelo contato com aquela anônima criatura de voz doce  transbordante de ternura.




Nota: Ao colocar o título 'UM ANJO DISFARÇADO' refiro-me à cega que deixa a todos nós o exemplo da humildade, brandura, paz de espírito ante a adversidade da sua existência. Mostra-nos também a força coerente com a sua fé.
 Quanto à mulher que a ajuda, sua atitude deveria ser comum a todos nós, seres humanos.