terça-feira, 21 de maio de 2013

AVENTURA JÁ PELA MANHÃ

    Solicito a parada do ônibus , mas o motorista ignora o ponto e vai mais além. E eu reclamo:
    _Motorista, pare, por favor! Ôoo, motorista!...
    E ele segue, segue mais um pouco e, finalmente, para. Meio atordoada, pois nunca tivera  esta experiência, salto do veículo murmurando. E, na minha cabeça, eu já cogitava: " Poxa, não começou bem o passeio. Vamos ver o que mais irá acontecer."
     Um tanto temerosa , respiração ofegante, ajeitei a mochila e procurei prestar atenção aonde estava. Ora, ora, estava bem em frente à entrada principal. O motorista do ônibus em que viera certamente achou que eu era uma turista e quis ser amável. Eu caprichei no visual mesmo: óculos escuros, roupa despojada, tênis, mochila e um belo chapéu de abas largas, presente de minha filha.
    Costumo entrar pelo portão do estacionamento porque a Cafeteria vem logo depois; Mas respirei aliviada e atravessei atenta ao semáforo.
    Pronto! Agora, sim! Ar puro, verdes de todos os matizes, isto era garantido; o restante faria parte da minha aventura matinal no Jardim Botânico.
 
 
    Logo na entrada , a beleza da imponência das palmeiras imperiais; mais adiante, um barulho oco, estranho. Eram saíras-sete-cores descendo por um tronco e esvoaçando bem à minha frente. Não deu tempo para fotografá-las. Foram mais ligeiras do que eu.
   Um outro casal de pássaros não identificados por mim se embolavam numa penca de fios e concluí que deviam estar tramando um ninho bem aconchegante.
    E daí em diante foi um prazer continuado sem interrupções. As flores da ninfeias brotavam no lago do chafariz em tons de rosas e lilases; os pássaros em atividade cantavam; a saracura desconfiada corria da fotógrafa mais desajeitada do que ela; a borboleta preta com 'pois' azuis se destacava no tronco espesso; lágrimas-de-cristo derramavam flores pela fresca relva.
    Caminhava sentindo o abraço do sol enquanto a brisa passava, leve. Confirmavam a presença do outono as folhas secas distribuídas nas aleias e flores brancas brotavam de um cactos perto do pau-brasil  atraindo abelhas. Repentinamente, como uma despedida em grande estilo, uma revoada de periquitos com o seu típico estardalhaço, por cima das altas copas. Aquilo foi demais! 
    Arrematei o passeio com um gostoso lanche e, inesperadamente, na saída, uma árvore repleta de frutos! Conheci hoje um pé de caqui-maçã. Quanta fartura!
    A vontade era de continuar por lá. Voltarei em breve para sentir novamente a vida natural, a alegria dos pássaros, a quietude da brisa, as sombras protetoras, o farfalhar dos encantos do Jardim.
 
 
Quer ver mais fotos? Acesse: www.flickr.com/photos/smercadante
   
     
    "...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar..."
 
(Alberto Caeiro)
   
   
 
 
 
  
 
   


 
 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

SIMPLICIDADE

     O sono está chegando, a noite começando e eu insisto em escrever. O dia foi bom, sereno como todos os dias deveriam ser, para que não perdêssemos nossas energias em tribulações infindáveis que, muitas vezes, nós mesmos inventamos.
    O viver pode se tornar simples, porém nunca monótono; simplicidade não significa rotina, nem tampouco indiferença à vida que corre. Simplicidade é força da vida; é motor que gera energia e brilhantismo na mente e no coração.
    Esqueçamos os conceitos antigos, façamos uma varredura do mofo acumulado em nossa mente. Sejamos firmes e decididos pra engatar a marcha para o progresso íntimo que requer sabedoria. Sabedoria que será conquistada, pouco a pouco, sem pressa. Sem expectativas também. Será conquistada naturalmente.
   É o futuro de todos nós: o progresso moral. E isso dependerá do conhecimento que tivermos de nós mesmos. Como nos conhecermos verdadeiramente? É muito difícil, mas não é impossível.
    A verdadeira transformação íntima só poderá ser realizada a partir do saber íntimo. Até que todas as máscaras caiam, demora.
    Temos a tendência a acharmos que o outro é quem nos atropela com o seu orgulho, a sua incompreensão, a sua ignorância, maldade, vaidade... Mas o que importa de verdade é sabermos o que ocorre em nós. O outro é problema dele. Não adianta tentarmos revelar o outro porque não conseguiremos.
     Despertar a consciência já é tarefa que solicita a nossa atenção plena.Voltarmo-nos para o nosso íntimo descobriremos uma quase infindável torrente de emoções e  sentimentos que não percebíamos, na pressa, ou na tentativa ingrata de querermos desnudar o outro.Um equívoco comum.
     Arregaçar as mangas_ porque é um processo penoso, trabalhoso,que vale a pena se quisermos ir em frente. É um processo de relaxamento, atenção plena e coragem. Sinceridade!
    A meditação _ qualquer delas, é o método adequado para tal fim. Meditação, não concentração.
    Enfim, estas são  ideias nas quais acredito. Mas cada um terá o seu próprio percurso, o seu próprio entendimento , o seu próprio ritmo e, ao final, todos nós nos encontraremos mais adiante, sentindo o bem-estar daqueles que se libertam das rudezas da ignorância e do desconforto espiritual.

 
 
RELÓGIO
 
DIANTE DE COISA TÃO DOÍDA
CONSERVEMO-NOS SERENOS.
 
CADA MINUTO DE VIDA
NUNCA É MAIS, É SEMPRE MENOS.
 
SER É APENAS UMA FACE
DO NÃO SER, E NÃO DO SER.
 
DESDE O INSTANTE EM QUE SE NASCE
JÁ SE COMEÇA A MORRER.
 
(Cassiano Ricardo)

segunda-feira, 6 de maio de 2013

BLASÉE




    Dia desses me disseram que eu estava com um "ar blasée"; gostei. Soa bem o idioma francês.
    Hoje lembrei do fato e não sei mais ao certo o sentido que quiseram dar. Poderia estar eu com um ar de enfado pelo que  estava ouvindo ou, simplesmente, mostrava uma elegância de atitude que reportara a um certo estilo de comportamento refinado. Até agora não sei, realmente, o que quiseram dizer. Aliás, foi um amigo meu que, no auge de empolações metafóricas e discursivas, ao olhar para mim, saiu-se com essa.
    Na hora achei meio estranho, porém me detive ao som das suas palavras, simplesmente.
    Tinha ido àquela Cafeteria para um encontro de amantes da arte da escrita. Trocaríamos ideias, sonetos talvez, trovas, quem sabe? Alguns  haicais, muitos poemas. Mas não foi isto que vi nem ouvi. Um pobre debate em que as palavras sonorizavam vazios. Aqueles breves instantes me fizeram notar a carência e a solidão do ser humano. Tudo parecia  muito aquém do que previra.  
    De uns tempos pra cá passei a ser mais criteriosa. Procuro saber se valeu a pena o tempo que passei em determinado lugar, só, ou com alguma companhia. É um bom exercício de percepção para que não nos percamos em tolices que nada acrescentam à nossa existência.
    Ficar discutindo sobre técnicas de construção de poemas,  ficar mencionando os prêmios infindáveis recebidos em concursos, enaltecendo-se  e dificultando a participação dos outros colegas, que também queriam se manifestar ou, talvez, mudar um pouco o rumo da conversa que se tornara insípida e tediante, sem dúvidas, nos faz perceber quão distante nos colocamos do que seria empolgante de fato. Tantos poetas valorosos! Tanta arte sufocada.
    Tinha compromissos, mas deixei de lado, valorizei a poesia e o encontro com amigos. Mas o que vi foi um monte de egos desesperados para se fazerem reconhecidos e amados. Meu apartamento estava sendo pintado e precisava da minha presença para acompanhar o serviço.
    Naquela bela tarde de outono, não me seduziram, não me encantaram. Nem mesmo um pretenso admirador que lá estava conseguiu superar sua insegurança e timidez. Mas se tivesse ouvido poemas...ah! Garanto que sua voz expressaria o desejo do seu coração, porque o coração alimentado por baforadas de sonhos, certamente sente o apelo do amor.