segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ENXURRADA DE EMOÇÕES

    
     Muito bom quando alguém lê, em voz alta, ao lado do autor, o poema por ele criado. É um gesto respeitoso, afável, digno. Quando alguém se debruça, gentilmente, sobre o papel, sobre o livro e sente a emoção ali pulsante, então, o coração do poeta vibra de alegria. 
     Como disse certa vez Quintana (Quintana, Mario, 1906-1994), às vezes o poema não vem para embalar e , sim, para abalar, referindo-se à ideia contida no texto.
     São tantos os tipos de poemas, que nem quero ter um estilo... e novamente permitam-me citar o referido autor. Lembro-me de um comentário seu numa entrevista, onde afirma que seria muito monótono  mantermos um estilo. Fatídico, sempre ali, posto definido. O mesmo que ser condenado a uma prisão perpétua. Todos o reconheceriam pelo... estilo! Coisa morta, inalterável. "O estilo é uma dificuldade de expressão", "Uma deficiência que faz com que um autor só consiga escrever como pode." 
     Se  nós nos transformamos ao longo do tempo, por que não, algo que surge de nós, não ganhar cores e tons diferentes ao longo da existência? Somente a essência não se altera.
     Hoje ofereci , como  presente de aniversário, além de uma caixa de bombons recheados , o meu primeiro livro de poemas __Palavras Transformadas,  a uma pessoa muito especial, sensível, generosa.  Tão delicada que fez questão de ler, tão logo  o recebeu , em voz alta, um dos poemas, para que os amigos ali presentes pudessem  ouvir.
     Escolheu a primeira poesia: O LÁPIS, que, na época da edição, foi  eleita pelo editor para ocupar lugar de destaque, abrindo assim, a referida obra.
    Leu com a ternura que carrega em si, atenta às palavras, ao seu significado, à pontuação que cadencia os versos. Entregou-se.

Simples instrumento
manual,
entre o polegar e o indicador
firme se instala
e a desenhar rabiscos e
anotar ideias
se esbalda.
Comandado, então, por cérebro
de poeta,
nem se fala!
É a glória
pois ele não para!
Conduzido pela mão que,
célere,
o agarra,
a enxurrada de emoções
o oprime a deslizar
no papel
sem queixas ou lamentações.
Servil e
obediente
aponta.
Quase gentil,
quase robô.
Encanta.
 
     Abraçadas, recebemos os aplausos calorosos. Há que se ter alma em tudo o que realizamos.

domingo, 18 de setembro de 2016

DIA PERFEITO PARA A FELICIDADE INOCENTE

      Poucos são os que reparam nas silenciosas flores... Elas estão por aí, viçosas, oferecendo seu perfume com generosidade.
 
    Hoje fui até o Arpoador tomar aquele solzinho__ digo 'solzinho' porque estava fraco, meio encoberto pelas nuvens e lá notei, no parque Garota de Ipanema, muitas flores. E pássaros a correrem pra cá e pra lá, em seus volteios absurdamente felizes, construindo ninhos despreocupadamente.
    Vi as flores. Especialmente umas grandes e brancas que se alastravam pelos canteiros. E que aroma!...
 "...
Com que ternura as flores bolem,
aos exalos de pólen!
..." *1
      Então, não me contive. Aliás, conter-me por que? Parei . Observei-as detalhadamente. Não eram só as flores que compunham o cenário primaveril. Havia as abelhas, tão febrilmente laboriosas. Inquietei-as por alguns segundos com a minha curiosidade quase infantil.
     Continuei a caminhar, mas voltei. Tinha que registrar, retratar. E no celular, companheiro das minhas idas e vindas, captei  as belas imagens.
     No mesmo instante, um homem parou ali mesmo, e pegou seu celular também. Pensei: " Ora, ora! Ele fará o mesmo. Ficou tocado pela cena e pelos perfumes. " Mas , qual o quê! Ainda sentou-se na beirada cimentada do canteiro, absorto na sua conversa trivial de namorico, amassando parte das folhas das plantas. " _ Oi, meu amor, lembrou-se de mim... Tudo bem?" Ouvi dele. Uma manhã  apropriada ao amor, sem dúvida!...
"...
Quem seu Amor não busca, certo o espera,
ao vir a Primavera.
..." *2
     "Quase ninguém nota as flores", pensei, um tanto resignada. Mas logo recompus-me e continuei meu caminho rico e solitário.
     Aproxima-se  a estação mais bela, certamente, pois com ela vem a pujança das flores e dos pássaros renovando a vida! Não há como negar a força da Natureza. E mesmo nos pequenos detalhes já nos assombra  a sua perfeição absoluta.
 
"...
Por esta Primavera em lirismos acesa,
eu sinto meu amor em toda a Natureza,
e sinto a natureza amando em mim." *3
      Sei que o Japão consagra reverência especial à Primavera. Haikais são produzidos em sua homenagem e a população fica mais atenta à floração. Afinal, a Natureza é o berço do haikai. É um povo com uma cultura muito diferenciada da nossa. Preservam, cultuam o que é nobre e belo, valorizam a Natureza.
" Demorou este ano,
Mas de repente, em toda a parte_
Primavera!" *4
     Os valores, amealhados ao longo do tempo, tornam-se  como um camafeu no coração que nos permite sentir , mais do que simplesmente ver a beleza à nossa volta, nos transmitindo a sensação da felicidade quase conquistada.
    
*1,2,3 Gilka Machado, Estos da Primavera
*4 Paulo Franchetti, Haikai

terça-feira, 13 de setembro de 2016

VIDA BREVE

    
"...
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso."       
 
   Num mundo em que as pessoas tornam-se hostis, febrilmente interessadas em amealhar  cada vez mais e mais dinheiro, em que tendem a ridicularizar e desinteressar-se pelos que amam as coisas simples da vida, precisamos urgentemente de criaturas bondosas.
     Sim, a bondade resolveria boa parte dos problemas da humanidade. Se fôssemos bons, de fato, não haveria pedintes pelas ruas, expostos ao frio, à violência, à fome.
     Se fôssemos bondosos , certamente entenderíamos o outro, que nada mais é do que nosso irmão na Criação, pelo menos  é o que pregam  todas as religiões.
     Se fôssemos, de verdade, bondosos, teríamos respeito e consideração pelo outro e, principalmente, a meu ver, evitaríamos o julgamento precipitado. Saberíamos ouvir e veríamos o que é bom e belo. Nada de disse-me-disse!...
     Ocuparíamos o nosso precioso tempo em obras cativantes e direcionadas a minimizar sofrimentos, que podem ser tanto físicos quanto morais. O que vejo são diminutas tentativas  de atitudes pretensamente 'nobres'... Manifestação ainda do orgulho torpe e da vaidade esnobe que alimenta os egos.
     Se a bondade estivesse fincada nos nossos corações a Terra seria mais bela, mais limpa, pacífica. Viveríamos em plena ascensão da felicidade.
      Há uma semana faleceu uma ex-aluna minha, que se manteve na breve vida com dignidade, afeição, sorrisos, alegria pura. Era linda por dentro e por fora. Tinha em si a bondade que suavizava a própria caminhada . Morreu repentinamente , de madrugada.
     Uma morte, dirão alguns, boa, porque sem sofrimento. Para nós, que a admirávamos e sentíamos uma ternura infinita por ela, ficou um desajuste no coração que bateu forte, assombrado, de início, dando lugar , agora, a um sentimento apaziguado.
     Que a gentil Luciana possa encontrar-se com os seus antepassados, especialmente sua avozinha, a quem devotava tanto amor e se reequilibre, aceitando a sua  própria morte, talvez prematura, e o seu destino.
     Ficamos nós, saudosos, a pensarmos sobre suas qualidades. Deixou-nos um rastro de luz e de entendimento.
    
 
 
(Obs.: Trecho do poema O Mapa, de Mário Quintana)

terça-feira, 6 de setembro de 2016

TREZE REAIS, COM SABOR DE VITÓRIA

    
     Após seis meses de espera, finalmente os Correios cumpriram seu próprio regimento. Conferiram a indenização pelo atraso de várias semanas numa correspondência SEDEX vinte e quatro horas.
     Explico: Era um envelope que continha um presente especial, para alguém mais especial ainda! Imaginem um menininho, de cinco anos, ansioso, às vésperas da Páscoa, que iria receber da vovó carioca um maravilhoso__  porque delicado e bem feito, Livro de Orações para Crianças.
     Foi colocado na agência com muitas semanas antecedentes para garantir  a sua chegada. Mas... qual o quê!... Ficamos à espera... nada!
     Ninguém tem ideia como age  uma avó contrariada!  Insistimos por e-mail, enviando mensagens e, às vezes, de volta, recebíamos  notas com termos técnicos para leigo nenhum entender mesmo.
     Teimamos. Íamos aos Correios diariamente. Passamos a ligar diariamente. Até que, talvez exaustos pela nossa persistência desmedida, simplesmente cumpriram seu dever. Depositaram, na própria agência, o valor cabível: treze reais e alguns centavos.
     "Ora, ora!" Dirão alguns, como fez  a antiga funcionária: "_  Tão pouco...há há há... tão pouquinho...há há há há... A senhora esperou tanto tempo por isso?...há há há..."
      Olhei com piedade aquela criatura completamente empobrecida de entendimento, de princípios, de ideais.  
     Ora, ora digo eu!  Adianta reclamarmos, babarmos de tanta raiva ante o pouco caso da maioria dos políticos que aí estão se não cobrarmos, sim, os nossos direitos, por menores que sejam? Mas não acho que sejam poucos não. Refletindo vamos ver que devemos reclamar por nossos direitos, não importa a dimensão. Se é direito nosso, é nosso, ora bolas!
     Quando vou ao mercado e recebo alguns centavos por cada sacola plástica recusada, eu exijo receber! "_É tão pouco!", disse-me a moça do caixa, noutro dia. "E daí? Seu patrão só pode pagar isso, não é? " Retruquei. "Então é o que me deve."
     Os nossos deveres, não cumprimos? Sem discutir se é pequeno ou grande ... Por exemplo: Vou à praia e levo um saco para o lixo. Simples este meu dever. Mas nem todos cumprem!...
    Resultado? Lixo na areia, no mar, em todo canto. Sociedade pobre de princípios, de vontade, de compreensão, de educação. Parece que têm vergonha de serem corretos, honestos e bravos.
     Deixei a mulher escancarar toda a sua ignorância e depois sussurrei: "Vamos tomar um café comigo pra comemorar a precária devolução? E no Terzetto! Dá para pagar dois cafés!"
     Ficou  desorientada, de repente. Agradeceu e recusou, sem graça. Sinceramente, gostaria de leva-la na cafeteria elegante.
     No caso, a questão não é o valor da indenização, mas a liberdade e o  dever   em exercermos a nossa cidadania.
 
 
"...
A poesia voltará de novo, consoladora e boa,
...
Com uma violência de convicções inabaláveis.
...
Verei fugir todas as minhas amargas queixas de repente.
Tudo me parecerá de novo exato, sólido, reto.
..."
( Manuel Bandeira)