domingo, 23 de novembro de 2014

SAGA DE UMA GRÁVIDA

     Dia desses, estava assistindo na TV o depoimento de um conhecido médium que tem sonhos premonitórios e até os registra em cartórios__ de tão reais que são, quando recebi várias mensagens de uma amiga que iria viajar a trabalho.
     O sensitivo, num programa de entrevistas, detalhava o grande acidente aéreo que está prestes a ocorrer; enquanto que, minha amiga, pelas mensagens no celular, narrava-me os contratempos que sofria causados pela  empresa aérea.
     O acidente tinha dia e hora marcados, número do voo e o lugar onde irá acontecer. Já a minha amiga foi surpreendida.
     Voo confirmado, check-in realizado, portão de embarque registrado. Grávida, ela aguardava tranquila. No entanto, com os passageiros já acomodados, avisaram que havia um problema e que o avião não podia decolar. Saiu todo mundo revoltado, xingamentos, falação... Hotéis para os que não moram na cidade de Salvador e táxis providenciados pela companhia.
     Luzia voltou para a empresa onde trabalha. Teria que esperar até à tardinha, no novo horário oferecido. Perdera a reunião de trabalho em Juazeiro.
     Partiu de novo para o aeroporto no horário previsto.
     Dentro da nave, a música  altíssima importunando fez com que pedisse para que abaixassem o volume e torcia para que atendessem ao seu pedido. Além deste fato, um barulho persistente acompanhou todo o trajeto do voo: 'nhencnhencnhenc...' Os passageiros nervosos, comentando: "Parece um carro velho que não quer pegar!"
     E sanduíche? Tinha!!! De carne seca! E o homem ao lado , com fiapos trincados nos dentes, disse-me ela, tentava, desesperadamente, arrancá-los com a força da língua que se alongava em movimentos satânicos e barulhos esdrúxulos.
     O avião pousou em  Petrolina. Ufa! Agora é tomar um táxi e partir para a cidade próxima de Juazeiro.
     E não é que o taxista, um ferrenho defensor da moral e dos bons costumes,  a atormentou durante o percurso falando verborragicamente sobre política!? Como não opinasse, displicentemente olhava para a paisagem vista pela janela ao lado, ele partiu, então, para um assunto mais polêmico: Casamento entre gays! Minha amiga não sabia mais o que fazer... Sua cabeça fervilhava. Queria manter a postura pacata, mas   aquela falação a deixava cada vez mais exasperada.
     Finalmente chegou ao seu destino! Acomodação no hotel já previsto, um bom banho e uma noite de sono a fariam recompor-se, pensou.
     No dia seguinte, brindada com um café da manhã farto, típico nordestino, com cuscuz de milho, tapiocas e ovos mexidos, entre outras iguarias, estava nova em folha! Rumo  para a reunião de trabalho!
     Dia findo, aeroporto novamente.  E qual não foi a surpresa da noite? A empresa, por seus funcionários, revela a grande preocupação no check-in do balcão, quando minha amiga escreveu que estava com vinte e cinco semanas de gravidez. Ela só poderia embarcar com o atestado de um médico!  Portanto, somente no dia seguinte embarcaria.
     Luzia fez um escândalo!... Determinada, providenciou o check-in na máquina, porque a funcionária se recusou e foi uma confusão. De onde tiraram esta ideia estapafúrdia? E o seu trabalho? E porque não avisaram antes? E que cuidados são estes criando todo este alvoroço? Isto faz bem pra quem?
     Um passageiro médico  se prontificou a prescrever o tal atestado. E tudo terminou bem. Santo homem.
     Estavam preocupados com a segurança da mãe e do bebê, palavras da funcionária do balcão; no entanto, permitem e aceitam um atestado de um médico desconhecido que nunca a viu e que não a examinou.
     Pois é... Existem companhias e companhias... Há que serem feitas as escolhas certas. Neste caso em questão, a escolha foi feita pela empresa onde Luzia trabalha.
     A companhia aérea, avisada pelo médium do acidente que ocorrerá na próxima semana, já tomou uma medida preventiva: mudou o número do voo. Talvez tenham consultado algum numerólogo e assim, quem sabe, acreditam ter evitado a catástrofe. Aliás, é para isto que servem estes sonhos.
     Já a empresa que faz os voos de Salvador para Petrolina e que aceita atestados médicos de araque continua com os seus voos assustadores e suas medidas 'burrocráticas'. É acertar os ponteiros da gestão.
    
 

  
     

terça-feira, 18 de novembro de 2014

SOB AS BÊNÇÃOS DOS ORIXÁS

     Sobre a amizade é o que quero falar....ou, escrever, melhor dizendo.
     Há uns dez anos, quando viajava mais, conhecendo este Brasilzão, num dos museus do nosso país__ aliás, um museu lindo, bem organizado, de dar orgulho a qualquer brasileiro que se preze: o  Museu do Homem do Nordeste, em Pernambuco__ conheci um jovenzinho.
     Muito falante, um farto sorriso, um  comunicador por excelência, inteligente, alegre. Natural de Garanhuns, interior de Pernambuco.
     Ali mesmo nos entendemos. Foram e-mails trocados, experiências de vida compartilhadas, dicas sobre como fotografar uma bela poesia que se esgueirava, à sombra, na parede. Tudo sendo dito com espontaneidade e alegria.
     Com uma foto, como se fôssemos companheiros de escola, selamos a amizade que se iniciava  sob as bênçãos dos orixás...
     Lembro-me de que ofereci a ele um exemplar do meu primeiro livro __ Palavras Transformadas, pois carregava sempre  alguns exemplares comigo.
     A amizade brotava. Diriam alguns...'apesar da diferença de idade...', o que pra mim não conta; supero facilmente estas pequenas e ridículas e inúteis e tolas e equivocadas considerações. Amizade, amor, compreensão são laços do espírito, portanto o critério é bem diferente.
     Atração física é outra coisa. O homem há de se interessar por uma mulher jovem, sedutora, de pele lisa e macia, portanto, com dotes físicos que o atraiam e o dominem. Tudo explicado pela mais santa das intenções da Vida: a procriação.
     Quanto à mulher, já que é mais frágil e disposta às ilusões, flutua ante o sentimentalismo. E  talvez até sucumba a um homem jovem, forte, esbanjando hormônios.
     Mas tudo passa, como um vento forte, levando embora expectativas de eternidade quando os laços são os da carne. Varridas as ilusões , o que resta é o espírito. Este sim,  não morre nunca, sustenta o amor. Amor é laço eterno. O restante acaba, assim como as rugas aparecem, surgem também, com o passar do tempo, os desentendimentos, porque o ser humano é inquieto, quer novidade.
     Portanto, prezo a amizade que não cobiça, não estranha, permanece fiel, pois seu alimento é a pureza do amor.
     Até os dias de hoje nos comunicamos. Um encontro bonito, suave, criativo  que continuará para sempre, enriquecendo as nossas vidas.


 
"...
Se por acaso
encontro um velho amigo,
ficamos de conversa e rimos,
a ponto de nos esquecermos
de voltar para casa."
 
                         (Wang Wei )um velho amigo,
ficamos de conversa e rimos,
a ponto de nos esquecermos
de voltar para casa."
    

domingo, 2 de novembro de 2014

TUDO LIBERADO!

     Hoje foi um domingo diferente. Sim, digo 'diferente' porque hoje são 2 de novembro e todo mundo estava lá. Estavam lá no shopping, lotando os restaurantes, os jovens fazendo algazarra, crianças correndo, muita azaração, sorrisos, cantadas, diversão.
     Uma cafeteria a que estamos acostumadas a sorver nosso cafezinho, entre conversas e trocas de ideias, hoje, especialmente hoje, estava lotada! E mudamos de rumo pra não perdermos a prosa.
     Nada nos iria abater; afinal, esperávamos, eu e minha amiga de longa data, pela tarde do domingo para colocarmos as novidades em dia.
     Nada disto seria estranho para mim se hoje não fosse  Dia de Finados, uma data especial, em que reverenciamos os nossos mortos. Uns vão aos cemitérios levar flores, outros às igrejas a fazer prece. Mas todos, sem sombra de dúvida, respeitosos na lembrança dos que já se foram.
     Quando criança, lembro-me, minha mãe vivia a me chamar a atenção e eu ficava sempre muito desconcertada, pois desagradava-me o fato de não corresponder à sua  expectativa! Tínhamos que permanecer em silêncio quase absoluto nesse dia e, como eu vivia cantarolando, era preciso que me controlasse.
     Aquilo era um verdadeiro sacrifício para mim! Ficar de boca fechada para não faltar com o respeito aos mortos! Que decisão macabra!... Será que eles __os mortos, então, estariam ali, perto de nós, para se incomodarem com o nosso cantar?
     E olha que eu caprichava no repertório! De Sarita Montiel a Carlos Gardel, passando por Emilinha Borba.  'Granada' era a minha favorita; eu abria os pulmões, soltava a voz, sem nenhum pudor, sem constrangimento, sem crítica.
     Mas, o tempo vai passando , a gente amadurece e a sociedade muda. Os comportamentos acompanham esta mudança. Nada de silêncio! As canções estão liberadas! Só peço a Deus numa prece que emudeça quem quiser cantar funk. Aí, seria demais para  qualquer mortal __ vivo ou falecido, cuja sensibilidade esteja aflorada ainda, aqui ou no além.
    
    
     

terça-feira, 21 de outubro de 2014

TAXISTA BONITÃO

     Ouvindo belos acordes de um violino__ é assim que inicio esta página.
     Desde menina, gostava de  ouvir  músicas clássicas pelo rádio e de identificar o som dos violinos, deitada de bruços, no chão da sala. Janelas e porta abertas para sentir o delicioso perfume que vinha do jardim . Era assim que eu gostava. Bem à vontade, ouvia e ouvia e pensava: Como conseguem este som?... Este som é a própria música!
     Eu não conhecia o instrumento. Até ali somente o piano, que minha mãe teve que  interromper as aulas, pois não tínhamos condição de ter um. E ' já precisava', dizia a professora do Conservatório Brasileiro de Música, pois eu iria iniciar apresentações; para o treino, seria indispensável. Coisas da vida.
     Dom ignorado, segui adiante. Nenhum instrumento me atraiu mais para o aprendizado. Há uns três anos, mais ou menos, a flauta interessou-me; principalmente,  porque é pequena e fácil de carregar e soube de seu uso em iniciações e rituais espiritualistas. O som leve e mavioso nos transporta. E porque, também, existem pássaros cujo canto nos lembra este instrumento, dediquei-me ao estudo .  
     Mas não era nada disso que eu queria contar...
     Eu queria mesmo era contar que, certo dia, em que, depois de fotografar _ www.flickr.com/photos/smercadante __ algumas aves, numa pracinha em Salvador, na Bahia, procurei caminhar pelos arredores. Tudo estava tão florido! E eu  me sentia  tão feliz com o que havia encontrado! Lavadeiras-mascaradas, dois ninhos de joão-de-barro, sabiás, bem-te-vis, um beija-flor bem pequenino, cambaxirras...
     Resolvi, então ir até o shopping mais próximo para lanchar. Repentinamente, uma senhorinha bem assustada, , esbaforida, se dirige a mim e comenta, abanando os braços em desalinho:
     __ Oh, minha filha, o ponto dos ônibus é logo ali, mas nenhum parou pra  mim!...
     Disse isto num tom meio melancólico, meio revoltado.
     Procurei acalmá-la. Suavizei a voz. Olhei com ternura para o seu rosto cansado. E disse:
     __ Para onde a senhora vai? Para o Shopping? Eu estou indo pra lá. Aceita uma carona?
     Ela quase não acreditou. O táxi apareceu rapidamente, o mulato educado nos atendeu, solícito. Cartãozinho na despedida.
     A velhinha, por um bom tempo, seguiu-me contando a sua história familiar. E, no final, ao  nos despedirmos, inesperadamente, ela pisca um olho pra mim e diz:
     __ Além de simpático o taxista até que era bonitão, heim?
     Alegre, aquela velhinha me fez refletir em tantas coisas: no final da nossa jornada, no desamparo(os velhos, eu os vejo sempre sozinhos... Nunca estão acompanhados nem pelos filhos nem pelas  filhas... no máximo uma bengala é o que lhes serve de apoio), na alegria que ainda perdura, nas tristezas e desapontamentos que estão ocultos no coração, nos dons esquecidos, nas limitações cruéis, no conhecimento adquirido ao longo da vida, na sabedoria desenvolvida, no silêncio que a sociedade hostil impõe!... Já viram alguém puxar assunto com idoso sem aquela aparência de que está sentindo 'peninha'?
     Uma vez, estava caminhando em Botafogo com uma conhecida e passou por nós um velho. E esta amiga falou-me:
     __Tenho muita pena de velho.
     Eu retruquei:
     __ Pois eu não. Pena, não! Geralmente tenho admiração. Eles sempre têm algo para contar. Alguma história perdida no tempo deles. E quando falam, recordando, seus olhos brilham! Existe ainda uma luz por trás de um rosto enrugado.




    
    
    

domingo, 5 de outubro de 2014

EXERCÍCIO DE AMAR

     O menino ficou impressionado com a morte do tio. E a cada dia pergunta para a mãe: " Mãe, vovó tá muito velhinha? " 
    A explicação dos pais foi esta  mesma, a de que o tio morrera porque ficara muito velhinho e tinha chegado a hora dele ir para o céu.  Afinal, o que dizer para uma criança de apenas três aninhos? 
     Mas ele passou a se preocupar com todos aqueles de quem gosta. E a vovó está na lista.
     A convivência com uma criança desafia a nossa imaginação. 
     Família faz um bem enorme. Dá resistência às decepções, imuniza contra as maldades e gera um conforto ao coração. Tudo isto por causa do amor que une.
     Mesmo que haja algum desentendimento , afinal não é nada fácil a convivência, família é algo especial. Aprendemos a respeitar o outro, desenvolvemos várias habilidades de convivência e despertamos, pouco a pouco, o amor. Paciência e paciência, eis o segredo.
     Virtudes assim exercitadas acabam por despertar o que há de melhor em nós, a parte divina, digamos. E é o que precisamos fazer emergir, já que entendo que este é o objetivo da vida: evoluir, crescer, mesmo que seja em um só aspecto.
     E o amor, acredito, será expandido para todos. Nada de preconceitos, limites, pois o amor não é limitado. Família torna-se , então, um exercício. O amor que nutrimos e desfrutamos amplia-se para que abracemos toda a humanidade neste grande sentimento de confraternização.
     Mas esta idéia representa um ideal, claro. Um ideal que quase nunca encontramos realizado. A sociedade vem mudando celeremente e o ideal desejado muda a cada geração com naturalidade. Os antigos, então, se escandalizam com as mudanças, mas nada há o que fazer. É esperar, ver, planejar e viver em harmonia com os nossos mais recônditos sentimentos.
     E nada de ficar remoendo épocas passadas e acumulando amarguras no coração. Não! Rejeitar sempre a queda para o negativismo permitirá que aceitemos novos rumos e nos insiramos no atual contexto do mundo em que vivemos. Saturar a mente de idealismo positivo dará , talvez, uma confiança, uma leveza e certa harmonia primordiais a nossa saúde.
      Sabemos que cônjuges podem viver felizes em casas separadas, que casais se separam mas continuam a cuidar de seus filhos com muita cumplicidade e a maioria nem pretende mais casar. A nova atitude passa uma certa imagem de liberdade e de maturidade.
     Confesso que a imagem guardada na lembrança da família tradicional, expressando amor e carinho, atenção e cuidados, mesmo que, de vez em vez, aconteçam pequenos desentendimentos, pequenos ajustes de convivência,  ainda é forte em mim. Pai e mãe presentes e a terna figura dos avós , tios e tias, primos e primas, todos entrelaçados pelo sentimento harmônico, talvez seja uma grande oportunidade de exercitarmos as virtudes latentes no ser humano e que estão disfarçadas e confusas pelos atropelos do mundo moderno.


     
       
     

terça-feira, 23 de setembro de 2014

PISCAR DE OLHOS

"Vazio agudo
Ando meio
Cheio de tudo"

Porque o poeta , dizem, 'é um fingidor', mas cá entre nós, tudo o que escreve preserva um tanto de si. Ou é tudo de si. Assim como o escritor curitibano, Paulo Leminski, quem de nós, às vezes, também não sente este vazio?
     A vida passa num piscar de olhos... Fiuuu... Quando você vê, já lá se foram os trinta, os quarenta, os cinquenta... Aí a coisa começa a acelerar. E se você for pobre de ideias e de ideais, está frito! Há que se ter alguma meta. Por mais tênue que seja. Um foco. Um 'por que estou vivo ainda'? E 'pra quê'?... São perguntas que, certamente, levarão você a penetrar__ se já não estiver, no mundo espiritualista, esotérico e seu interesse fará com que sejam abertas as portas de um valioso conhecimento. Talvez, quem sabe, tenha um gosto por artesanato, por música, pela escrita ou por sei lá mais o quê!
     São boas as questões, o filosofar, a busca pela quietude da mente mesmo ante estas curiosidades. Existem tantas matérias onde podemos mergulhar! Precisamos ter um espírito  interessado, bisbilhoteiro para que a saúde mental fique preservada. Um aguçar de interesse pela Vida, pela Criação e ,  a partir daí, estudar!...Sempre. É uma boa dica.
     A literatura é um caminho, porém há leituras que me dão a impressão que estou a perder meu tempo precioso que, afinal, está se esgotando...  Reencarnar não é fácil, dizem os estudiosos. E é na encarnação que temos a grande oportunidade de nos aperfeiçoarmos cada vez mais. Leituras insípidas, que não me enriquecem  abomino. Gosto da leitura que me traga de fato algum lazer ou conhecimento. Não me interesso pela tola erudição.
     Já li que até um simples resfriado nos libera de alguma dívida passada. Pode ser. Quem somos nós para afirmarmos que não? Sabemos pouco porque perdemos tempo com baboseiras. Isto é o de menos. A prática da maldade seria o caos para o próprio ofensor. Portanto, faço como o baiano Rui Barbosa que, inquirido sobre a sua religião, disse, sem pestanejar: " Quando faço o Bem, sinto-me bem; quando pratico o Mal, sinto-me mal. Esta é a minha religião."
     A Arte, sem dúvida, é um caminho para a libertação. Mas  muitos são atraídos para o vício e a má conduta que degrada. Todos nós somos passíveis de sermos atraídos tanto para o Bem_ e esta é a nossa Natureza, quanto para o erro, para a atitude equivocada, que nos afastaria da Felicidade.
     Cada um poderá encontrar o seu próprio caminho, mesmo depois de ter percorrido metade de um centenário. Ou continuará como está. Muita coisa pode mudar se quisermos. Sempre a Vontade a nos impulsionar!...
     Vejo pessoas desconectadas consigo e que apelam para medicamentos pesados, que alteram o cérebro. Vivem a se justificar das grosserias pelos remédios que tomam...
     Outras  se deixam levar por ilusões e abatimentos. Esperar dos outros nos tornará presas de tristezas e lamentos. Olhar para nós mesmos e confiar, acho que é mais correto. Confere a nós prudência e mais acertos. Mas o ser humano é frágil e preguiçoso, indolente, propenso à negatividade.
     Cada um tem o seu tempo. Somos diferentes. Ninguém tem o poder de alterar a linha de raciocínio e de conduta do outro. É pessoal, é íntima a reforma que nos libertará dos grilhões das lamúrias provindas da imensa ignorância que ainda domina  as consciências. 


"Não crie sofrimento, pratique a virtude, seja senhor de sua mente. Eis o ensinamento de todos os budas."
    
    
    
    



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

ENCONTRO COM CATARINA

     Estava decidido. Por que não passar naquela charmosa Cafeteria, antes do médico? ' Calma', dizia para mim mesma,  que dá tempo de sobra...
     Ainda tinha uns vinte minutos e as funcionárias são ligeiras no atendimento. Atravessei a rua no sinal e dirigi-me à galeria repleta de vitrinas atraentes. Mas me contive. Não, o que viera fazer ali era bebericar um saboroso cafezinho para despertar da sonolência típica do pós almoço.
     Ah, aqueles sapatos... a camiseta com a estampa de onça! Não, não. Decididamente, não! Concentrei-me. Entrei na fila.
     Nossa! Não imaginei que tantas pessoas quisessem sorver um cafezinho àquela hora do dia: às quatorze horas!
     Chamou-me a atenção uma senhorinha à minha frente. Baixa, menos que 1, 60m, que é a minha estatura; os sapatos marrons que calçava eram do tipo mocassim, mas  delicados, com salto  de uns dois a três centímetros; a pequena bolsa preta de couro pendurada com elegância no ombro esquerdo; usava calças pretas retas e uma blusa com mangas curtas, de malha fina num tom azul suave. Os alvos cabelos curtos e bem penteados, naturalmente seguros por algum laquê conferiam àquela pessoa um ar de leve seriedade. 
     Brincos pequeninos davam um toque de brilho  e, quando comentou algo com a moça à sua frente acompanhou com um gesto largo e fraterno. Ao virar-se para mim, seus olhos muito vivos e azuis chamaram-me mais ainda a atenção. Sem um pingo de maquiagem, seu rosto refulgia.
    Chamava-se Catarina e concluiu a nossa conversa dizendo que fiz muito bem em não batizar a minha primogênita com este nome, já que acarretava muito sofrimento...
     Sim, porque este meu jeito italiano de ser passei a assumir há algum tempo. E aquela senhora parecia-me tão bela! Puxei assunto.
     Cuidadosamente, toquei em seu ombro e falei da minha admiração pela sua maneira exímia de comportar-se,  mantendo elegância no seu porte impecável! Sem nenhuma extravagância, com naturalidade, arrebatou minha total atenção. Ela então sorriu-me, meio desconcertada. E iniciamos uma deliciosa conversa.
     Perguntou-me com um jeito travesso:
     "_ Diga-me , que idade você me dá?"
     Rapidamente, pensei que talvez tivesse uns oitenta, então dar-lhe-ia uns setenta para agradá-la. Dito e feito!
     Ficou contente com a minha suposição e , arregalando os olhinhos miúdos, vibrou:
     __" Tenho mais de oitenta! Oitenta e quatro anos!"
     Contou-me que suas roupas duram muito, a blusa tinha uns seis anos, a calça, uns oito... Mas não, não era esta a questão, disse-lhe. A questão era o seu porte ereto, mas não rígido; sua aparente severidade derrotada por um sorriso transbordante; seu olhar lúcido e tão amoroso. 'Quero ser como você quando crescer,' disse-lhe eu, meio em tom de brincadeira, meio de pura sinceridade.
     Os assuntos foram variados como dicas de remédios fitoterápicos, a recomendação do seu médico  para fazer pequenas caminhadas, duas vezes ao dia, como método para evitar o Mal de Alzeimer,  a minha vontade desencorajada pelo marido de dar o nome de Catarina à primeira  filha.
   Durante cerca de uns quinze minutos, que passaram breves demais, entre goles do café quentinho e  de deliciosos  biscoitinhos amanteigados,   nós duas rimos e também saboreamos a delícia de uma conversa entre pessoas identificadas. A linha de raciocínio pareceu-me semelhante e, quando nos despedimos, já nos sentíamos como amigas de uma vida inteira.
    

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

TODA A VIDA!...

     "__ Pega a Rua da Alfândega e vai toda a vida!...", disse-me o segurança daquele Centro Cultural, na cidade.  Estava tudo mudado! A Prefeitura encarregou-se de embaralhar as vias. A Avenida Rio Branco, a Rua Primeiro de Março dentre outras  estavam desconfiguradas.
     Era tão simples chegar lá antes de implantarem estas modificações! Tomava o ônibus na Praça, perto de casa, sentava-me confortavelmente __pois ali é o final da linha, e passada aproximadamente meia hora, saltava quase à porta do Centro Cultural Banco do Brasil.
     Estando na condução e percebendo que tomara um caminho diferente, assustei-me um pouco. Afinal, não tenho nenhuma intimidade com o miolo da cidade. Perguntei ao motorista e ele confessou-me aborrecido que havia sido modificada a trajetória dos ônibus, confirmando-me que para pior...
     Orientaram-me: "__Salte no último ponto da Avenida Rio Branco! " E eu lá sabia onde era?...
     Nessas horas, invisto nos meus um tanto precários dons,  mistura de psicóloga de coluna de jornal e de artista mambembe, para atrair a simpatia e a cumplicidade de alguns sensíveis que estejam por perto. Faço-me meiga (isto eu sou mesmo, mas reforço com pinceladas convincentes em que dramatizo o olhar de atordoamento e o sorriso de menina).
     Convenci um senhor que trajava uniforme azul e creio que era funcionário de alguma linha de ônibus municipal a me ajudar definitivamente. Prontamente, garantiu-me que me auxiliaria, avisando a hora de saltar e que eu teria que seguir direto, depois de virar à direita. Então, temerosa, disse:
      __"Andarei muito? É longe?"
     Ele não titubeou e assegurou-me que eu andaria facilmente pois era' muito nova e cheia de vida'!
     Meio sem graça, sorri e sentei-me, calada.
     A viagem foi rápida e segura, apesar das curvas acentuadas e freadas de mau gosto. Saltei quando me avisou o homem e, decidida, caminhei. A exposição do instigante Dali valeu a aventura.
     Depois do chá reconfortante de frutas roxas, iniciei o retorno. E não teve jeito. Segui a orientação recebida no Centro Cultural e caminhei toda a Rua da Alfândega, cheia de mistérios e de sobradões antigos que compunham uma urdidura fantasmagórica. Umas três ou quatro pessoas passaram por mim.' A rua esvaziara-se', pensei. Quando cheguei finalmente na Avenida, o cenário era totalmente diferente, caótico.
     Carros, ônibus, poeira e gente , muita gente.  Perguntei a um jovem sobre o ponto. E ele avisou-me que teria que andar mais  pra atravessar, apontando  o local do semáforo. Posso quase  jurar, pelo seu sorriso e pelo seu olhar, que ficou feliz em prestar a boa ação do dia àquela senhora confusa.
     Somente um , de toda a lista dos números dos ônibus que ali paravam, servia para mim. Esperei uns quarenta minutos com paciência de Jó. Até que, já  preocupada com a aproximação do horário do rush, tomei um táxi, que veio reclamando da atual intervenção da Prefeitura  nas vias de trânsito da cidade "__ Está tudo uma bagunça!", exclamava o taxista nervoso e veloz, parecendo querer fugir de toda aquela situação desconfortável.
     Lembrei-me do guarda do Centro Cultural e  que tivera me esquecido de perguntar a ele:
"_- Vida longa ou curta?"...
    
    
    
        
    

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

COMO A PORTA DO PARAÍSO

O mundo é  frágil
E cheio de frêmitos
Como um aquário..."

                         (Mário Quintana)


     "__ Tia Sylvia! Tia Sylvia!..."  Era assim que as crianças do Orfanato, quando me viam saltar do ônibus, no outro lado da estrada, gritavam com ritmo como se fora uma canção. E era com esta euforia que me recebiam todas as vezes que ia lá, geralmente uma vez por semana. 
     O motorista olhava aquela gurizada manifestando tamanha alegria e sorria. Eu, meio acanhada, jovem tímida, saltava do ônibus também sorrindo e atravessava aquela estrada poeirenta e quente de Jacarepaguá.
    O portão se abria__ como a porta do Paraíso e as crianças__ como anjinhos travessos cercavam-me  , abraçando-me, falando sem parar. Ia cheia de sacolas e livros e presentes e guloseimas e o meu coração vibrava.
     Eram órfãos , ou, então, abandonados. Havia casos de mães que pediam para que os socorrêssemos, pois não tinham condições de criá-los. Ali encontravam segurança, alimentação farta, roupa, calçado, estudo e muito, muito amor.
     Lembro-me de uma menina dócil, delicada, que chegou com uns dois anos. Fora deixada pela mãe. Pele muito branquinha, cabelos negros cacheados e um par de ternos olhos negros   que nos comovia. Nunca mais a mãe voltou para buscá-la.
     Apiedávamo-nos de todos. Eram tão carentes! Tão assustados! Tão necessitados de cuidados e de atenção. De amor. Todos nós precisamos de  amor. E quando oferecemos , sentimos o coração pleno de alegria borbulhante e, ao mesmo tempo, de uma paz crescente. Esta será a maneira de sermos felizes?
     Um dia, ao chegar no abrigo, um conhecido nosso nos pediu ajuda para solucionar alguns casos de meninos recém acolhidos que nunca tinham sido vacinados. Enchi-me de coragem e fui de ônibus com aquele grupo ao posto mais próximo da região e a situação foi regularizada. Aquela viagem tornou-se uma aventura, pois ainda não os conhecia; portanto, sair com eles, enfrentar uma condução pública e confiar na sua obediência foi um grande desafio.
   Cheia de planos, de ideias de brincadeiras cheguei ao orfanato certa vez. Ao lado do prédio onde estávamos, havia um terreno grande e uma árvore alta e muito frondosa. Nesta árvore, um balanço de corda.  Eu e toda aquela criançada empolgada, felizes fomos para lá. Mas não podia dar certo mesmo. Estavam todos muito agitados. De repente, uma das crianças caiu do balanço e bateu com a cabeça no chão. Sentindo muita dor chorou e gritou e gritou... Atordoada, fiquei meio sem ação.
     Mas a Providência não falha! Naquele  momento, um amigo chegou, dirigindo um veículo grande. Uma Kombi. Levou a criança para o Hospital e  tudo foi solucionado.
     Corremos o risco de um imprevisto assim quando lidamos com muitas crianças.
     Minha mãe colaborava bastante para que as visitas  fossem momentos de muita alegria. Não deixava por menos. Uma vez chegou a fazer pipoca, colocar em saquinhos para que  a molecada vibrasse de contentamento. Afinal, qual criança não gosta de pipoca? 
     Balas eu não levava ' para preservarem seus dentes', explicava, quando me pediam.  Ajudava-os nas lições da Escola e, muitos finais de semana passei ali, vigiando durante a noite. As menores, se precisassem de auxílio e as maiores para que não fossem namorar escondido. Davam trabalho, claro, mas sempre nos respeitavam e procuravam compreender que as nossas atitudes eram para o seu bem estar.
    Quando, já casada,  grávida eu continuei esta pequena parcela de colaboração, uma funcionária muito querida levava-me, por iniciativa própria, um copo de leite, antes de deitarmos. Quanto carinho e preocupação!
     Estes são alguns momentos em que vivi a esperança e a pureza junto às crianças órfãs; meu carinho era esperado com ansiedade e o que eu recebia em troca era um amor tão grande, tão lindo, tão renovador que guardo vivas até hoje comigo estas lembranças. Cada vez que eu me recordo deles e daquela época eu renovo também  o meu coração. 
























quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A ESCASSEZ DO AMOR

    


"...
O amor virá encher o céu e o azul, o abismo e a grande nuvem
E envolverá de vida o Amor como a morte ao mendigo."

(Augusto F. Schmidt)

    Dia frio, com chuva faz a gente se aquietar, pensar mais e escrever.
     A morte do grande político pernambucano e a escassez da água no sudeste são destaques do noticiário. Quanto ao político, a comoção é grande, principalmente no seu estado; quanto à carência da água, receio que o povo ainda não se conscientizou da grande enrascada.
     Desconheço alguma ação dos governantes para realmente solucionar tal catástrofe! Há que se ter cérebros desenvoltos , amor e muita vontade para resolver este empecilho para que a vida siga o seu curso.
     Junto a estes assuntos, pairam também outros, diversos. Um deles é sobre a escassez do amor. Do amor de verdade!
     Vejo que o coração se move de quando em quando; porém, aquele sentimento vibrante, de entendimento e dedicação, não consigo vislumbrar. Evidentemente, existem as raras exceções. Ainda bem!...
     Casais distantes, muitas traições, corações bloqueados fingindo gostar por diferentes motivos... E isto é triste. Muito triste.
     Em que momento o amor definha? Espera-se muito do outro. Às vezes, o outro não tem a qualidade tão desejada.
     O que dizer do homem que fala que gosta, mas cuja fala torna-se, ao longo do tempo__ plasmada na inquietude, na tola vaidade, no azedume dos complexos, na irritabilidade do orgulho desmedido, um som apenas, monótono e vazio? Pura ilusão que não aquece o coração, que só promove tristeza, melancolia e impaciência.
     Esquartejaram o amor verdadeiro. Aliás, quando me refiro ao amor , estou falando do verdadeiro, claro! Portanto, não darei mais nenhuma outra virtude à palavra 'amor', pois ele, o amor, já é tudo!
     Acredito que atualmente a vida possa ser mais rica, mais palpitante mesmo sendo vivida só. Cada vez mais a convivência torna-se difícil. É preciso que haja aquela boa liga nos corações, se é que queiram compartilhar a vida. 
     São gostos, atividades, interesses diferentes. E falta delicadeza, esta a palavra-chave: delicadeza. Um alguém que diz que gosta, mas provoca o distanciamento, pela atitude desatenta, arrogante e desrespeitosa está longe de conhecer o amor. Não sabe o que é gostar.
     Um poema de Manoel Bandeira intitulado ARTE DE AMAR, talvez explique a incoerência daqueles que dizem amar , mas magoam:

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a alma,
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus __ ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
    
    
    
    
    
    
    
    
     

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

COMO O ÚLTIMO DIA

    
"...
Os seres que nos deixam saudades
São os que não sabiam que eram bons,
Que não suspeitaram que o mal andasse pelo mundo;
Os descuidados, os que chegavam sem ser convidados,
Os que adormeciam sem medo de sonhar,
Os que se recolheram na eternidade
Como se Deus fosse a sombra de uma árvore na estrada."

( Augusto Frederico Schmidt)




      Meu amigo perdeu sua mãe. Contou-me hoje por uma rede social; ela, que já sofria muito há algum tempo, descansa agora.
     Convenhamos que o corpo acaba, a matéria é desfeita e o espírito, que deu vida à matéria, livre, agora, se refaz.
     Guerreira que foi__ como ele mesmo define, sua mãe agora são lembranças no coração.
     A vida é assim mesmo: uma sucessão de perdas... No meu caso em particular, primeiro, foi-se o avô Pedroca__ chamado assim carinhosamente por vovó Ritinha; ela morreu logo depois, não suportando a ausência do amado; mais tarde, meu pai, que para sempre guardarei na memória como um homem bom, alegre, amante da Natureza. Seu  melodioso assobio, quando chegava do trabalho, parece que ainda ouço. Depois, veio a morte triste de minha mãe, uma ausência que jamais será preenchida, uma dor tamanha que nunca irei superar; e a de meus tios e tias , fortes figuras na minha existência.
     Amigas que partiram deixaram um vazio imenso na minha estrada. Tínhamos uma afinidade grande e nossos encontros sempre foram felizes.
          O que fazer? Seguir em frente e, cada vez mais, dedicarmo-nos ao outro. Somos todos uma família! A grande família da humanidade. Encontrar pessoas com as quais sintonizemos não é comum, não é fácil. Mas não será impossível.
     Tento viver agora como se cada dia fosse o último dia da minha vida. Evito reclamações, ilusões,  alterações de humor,  violência em qualquer aspecto, até num filme! Não vale a pena...
     A vida é um manancial de luz, de paz, de belezas, de maravilhas. Observar com atenção à nossa volta toda essa pujança nos dará um grande alento, uma grande e imprescindível força e confiança.
     Mergulhar na leitura que alimenta o espírito; saborear as mensagens dos mestres que nos trazem belas lições a nortear a nós, pobres caminhantes  combalidos pelas agruras que nos amargam o coração.
     E aprender, dia a dia, a amar a todos, indiscriminadamente. Pessoas, animais, plantas... Este é o meu  plano . Qual é o seu?





    
    

sábado, 9 de agosto de 2014

PANE NA NATUREZA

     Sentada, na expectativa da agulhada. Aquela agulha tão fina, entrando pela veia, retirando meu sangue... não acostumo com isso.
     A funcionária do laboratório percebeu o nervosismo e desatou a falar. Começamos pela seca em São Paulo, a grande ameaça da falta d'água!
     Quando me casei e adentrei pelos milagres das receitas culinárias, sempre afirmava que poderia viver sem luz, sem gás... mas sem água, seria impossível! De vez em vez, o porteiro nos avisava que iam racioná-la, então, eu me desesperava! Era um tal de encher baldes, vasilhas, banheira... Era um Deus nos acuda!...
     Agora, a ameaça é maior. Bem maior. Uma cidade inteira como São Paulo, sem água? Impossível acreditar.
     O assunto foi adiante;  a mulher arregalava os olhos, limpava o pouco sangue que ainda saía do meu braço e narrava: noutro dia, podou uma mangueira do seu terreno__os galhos estavam entrando no quintal do vizinho, explicou. Depois desse ato inocente, causou uma pane na natureza: muitos percevejos entraram em sua casa, passarinhos desabrigados  procuraram seus ninhos. E ela chegou a chorar, contou, já meio atordoada, revivendo o fato pela lembrança.
     E por aí foi descrevendo a atitude da natureza que nos oferta, nos consola, nos abriga, mas, também, se revolta e nos pune... Entusiasmada, relacionou com textos bíblicos e tive que tomar a iniciativa para sair, burlando o seu domínio discursivo...
     Talvez nós, pessoas comuns, ainda não tenhamos percebido a totalidade do avassalador impulso do homem cruel, ávido por lucro, por dinheiro. As matas sendo destruídas para construções, rios sendo mortos, sem nenhum constrangimento.
     Muitas pesquisas e recentes estudos mostram, por outro lado, que a humanidade está despertando e se unindo em prol do planeta, nossa casa Terra. Imperioso é que nos debrucemos sobre  qual a melhor  atitude no dia a dia, a pequena ação que interferirá ao final. Todos se unindo __ empresários, governo e o cidadão para que haja uma revolução de ideias e de ideais, com o foco na saúde do planeta, este ser vivo, palpitante. Afinal, dependemos dele, é a nossa casa que, generosa, tudo nos oferece para que tenhamos  vida de qualidade. E nós a maltratamos tanto?
     Desde a infância já é bom que comecemos a semear noções de amor à mãe-natureza. A leitura oportuna e as conversas serão bem-vindas.


TOQUES DE OUTONO

Os espíritos da natureza
Se manifestam na brisa que sussurra,
No vento que surge,
Cobiçando os verdes apaziguadores.

Pássaros atiçados
Voam assustadiços,
Gritam alvoroçados.
Somente o riacho continua, em sua rota inalterável,
Invadindo a floresta que, mesmo em silêncio, ruge.
Suculentos frutos
Debruçam-se nos galhos dadivosos
Do garboso jambeiro.
Os perfumes acentuam-se.

Na mata, a criação conspira.

    


    
    
    
    
    

sábado, 2 de agosto de 2014

"_LEVANTE O SOUTIEN!"

  
    "É neste que eu vou", decidiu, animada, quando procurava um cardiologista na lista do plano de saúde, pois o nome dele coincidia com o do seu pai e não era um nome comum. Este foi o critério.
     Tudo ia bem nas primeiras consultas, até que o médico revelou-se como pessoa. E aí foi um desastre...
     A taxa do colesterol dera alta; e ele , à guisa de que ela aceitasse o medicamento indicado, que produz diversos efeitos colaterais, tornou-se irritadiço, inconsequente, grosseiro.
     Alteou a voz , com o dedo em riste e direcionou-a para a pequena saleta onde realizaria um exame preliminar. Mandou-a deitar-se e levantar o soutien num tom agressivo, já que ela titubeava, pois a peça não era flexível, ela queria abrir atrás, mas ele mesmo, com o autoritarismo acirrado, puxou-o para cima , deixando-a numa situação constrangedora.  
     Após o exame, em passos largos e firmes, dirigiu-se para a sua cadeira e, em tom agressivo, disparou:
     "_ Venha pra cá!" , tendo ouvido como resposta, em voz tíbia e delicada:
     "__Um momento, doutor, estou me compondo."      
     A tremenda escassez de gentileza gerava palpitações na paciente. Não se preparara para tal encontro. Acreditava que ele era um bom médico. Ora, ora, mas o que é ser um bom médico? Talvez saber ouvir, saber diagnosticar, saber prescrever a droga correta e, antes de tudo, ter o entendimento que aquela pessoa, à sua frente, está carente de cuidados.
     Mas, por certo, às vezes, o médico está numa situação tão deplorável de valores, de compreensão, de empatia que não perceberá detalhes do ser humano. Mecanizou-se, tornou-se um robô para aviamento de receitas.
     Ao sentar-se, a paciente ouviu, repetidas vezes, que deveria usar a tal medicação, pois ela era já quase uma sucata!...
     "_ Como, doutor? Acho que não escutei direito...", falou, meio aturdida com o que ouvira. E ele repetiu, bombasticamente, com a empáfia de um pobre doutor...
     Depois, bramiu, entusiasmado, porque ela dissera " _Ai, meu Deus!",  que não acreditava em Deus, que  não acreditava em absolutamente nada, com a pose de quem faz uma afirmação muito perspicaz e inteligente.
      Bem, "agora, tudo está claro para mim", pensou ela.   Sentiu mais por ele do que por si, já que, alguém que não tenha encontrado seu próprio templo de quietude , está permitindo a agitação e o desvario, longe da paz e da força divinas.
     À porta, ele sorriu um tanto sarcástico e, à meia voz, pediu-lhe desculpas...
     Ela saiu dali meio trôpega, claudicante, pediu um copo d'água à secretária e, depois de assinar o recibo do Plano, desejou ali nunca mais voltar.
     Programou-se para caminhadas e segue uma dieta, nem tão rígida, de uma boa nutricionista. A meditação diária entrou no rol das novas atitudes e, de acordo com os últimos exames, a taxa do colesterol vai muito bem, obrigada!



 Ah, doutor impaciente,
que lança palavras mortas,
que planta dissabor...
Ah, doutor!...
Tão belo homem,
imponente...
Mas quebram o encanto da tua presença
a  língua indiferente, 
ferina, tonta
e o coração ausente...
Ah, doutor,
a Poesia se faz urgente!
Não lamentes a paciente que se foi...
Doravante, sê prudente!...







sexta-feira, 30 de maio de 2014

MUITO ANTES DO SEXO

     Minha amiga, ultimamente, tem vivido experiências inusitadas. Outro dia, o vizinho a  convidou   para uma caminhada em trilha radical, no interior de Minas e que, de repente,  assegura, em  rede    social, que  o seu desejo mesmo é que ela passe a noite na tal cidade! Cheio de desejos escusos...
    Chateada, minha amiga a mim confessa suas decepções com o ser humano. Principalmente com os do sexo oposto. Diz ela que gostaria de conhecer um homem de verdade, com atitude forte, destemida, de mente desenvolvida, fala sincera.
     Pessoa simples, instruída, afeita ao burburinho dos movimentos ecológicos e a todos os que pretendem sustentar a Vida, ela é, decididamente, otimista e crédula. E isto, nos dias de hoje, talvez seja um defeito, digamos assim.
     Hoje, contou-me ao chegar da caminhada pela    orla,   que ela ama fazer diariamente, que    um   daqueles vendedores que esparramam seus badulaques no calçadão   ,   abordou-a com a maior intimidade e comentou em alta voz com o colega ao lado que 'a vovó tá  super estilosa, aeh...' Bastou isto para que fervesse o seu sangue italiano! Continuou à frente, mas sua mente ficou lá, presa ao ambulante. E ele continuou: ' tá com frio a vovó...' , já que vestia um agasalho colorido, por cima de uma blusa de gola alta, contou-me.
     Pronto! Bastou repetir a palavrinha mágica duas vezes assim, seguidamente, para que  ela se voltasse e, sem nenhum bom senso que a caracteriza, dissesse: '  _Vovó é o escambau!'
     Telefona-me e pergunta, meio aflita, sorrindo, o porquê desta reação. '_Não ligue', balbuciei, rindo. Tanta garota passando e ele foi notar você, não é? Coisas que acontecem.
     No fundo, no fundo, aquelas estórias de príncipe que se apaixona pela princesa ainda resistem no subconsciente de algumas mulheres. Elas até  lutam no seu íntimo para ter uma postura firme, inteligente e madura. Mas o sentimento do amor que induz à visão do aconchego e da ternura_ muito antes do sexo consumado , prevalece.
     Minha amiga confessou-me que, de agora em diante, jura que lidará com estas questões desatenta e superficialmente. Há muitos outros interesses que absorvem a sua concentração. E estes, sim, darão vida e significado à sua existência já tão rica e envolvente.
     A prova disso é o netinho que a espera nas próximas férias escolares e que, todos os dias, clama ao telefone, com sua vozinha meiga: '_ Vó, te amo!...' 
    
   

terça-feira, 22 de abril de 2014

ESTRATÉGIA

  Arrumo os livros de poesia estrategicamente, de modo que os possa folhear, de vez em vez, assim que a alma, silenciosa, exige.
     Seja pelos apelos do mundo turbulento em que vivemos, seja pelo noticiário quase sempre sombrio, o fato é que a Arte, de um modo geral, nos liberta. Ela nos eleva, nos coloca em outra dimensão, nos toca o coração e nos torna felizes, cumprindo o seu papel.

"...
O sol é grande. Ó coisas
Todas vãs, todas mudaves!
(Como esse 'mudaves',
Que hoje é 'mudáveis
E já não rima com 'aves'.)
..."

     Alguns pequenos livros deixo-os perto de mim, sobre a mesa de estudo, onde passo a maior parte do meu tempo, tão valioso quanto a minha própria vida.
     Outros, coloco-os em pilhas, na estante de madeira que fica logo acima do computador. E fico rodeada por Fernando Sergio Lyra com os seus belos haicais, o pantaneiro Manoel, o sulista Quintana, o tristonho Bandeira, que fez da sua tristeza motivo para enredar-se em versos tão deliciosamente arquitetados, além dos poetas chineses.
     Acompanham-me, desde a mocidade, Tagore com a sua profunda reverência à divindade, Castro Alves, o poeta abolicionista por excelência e Cecília , a poetisa mais lírica.
     Destaques na minha caminhada e para sempre no coração, já que suas revelações expostas em versos sensíveis, cheios de ternura e inteligência recheiam o meu espírito de beleza e esperanças.

" Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
..."
      
      No lado esquerdo da mesinha, uma pintura para finalizar ali está, exposta, como a chamar-me. Pincéis  num pote japonês, de bambu, com um desenho ilustrativo aguardam o manuseio.
     Porém, ultimamente, são as poesias que me atraem mais pela praticidade, talvez. E quando brota a inspiração, lápis e canetas espalhados  e cadernos e blocos se dispõem a colaborar comigo. Tudo ali, à mostra, bem fácil de ser explorado. Um caminho de sutilezas que me orientam a conduta para a conquista de uma paz alegre, indescritível, pois esta paz é cheia de prazer, amor e vivacidade.


"Se cada um de vós, ó vós outros da televisão
_ vós que viajais inertes
como defuntos num caixão_
se cada um de vós abrisse um livro de poemas...
faria uma verdadeira viagem...
Num livro de poemas se descobre de tudo, de tudo mesmo!
_Inclusive o amor e outras novidades."

     Concordo plenamente...
    




Autores das poesias apresentadas:




1- Manoel Bandeira
2- Castro Alves
3- Mário Quintana