Estou num box, dessas lojinhas com computadores, onde um amável jovem me instruiu para que eu avançasse na página. Sempre há um empecilho ou outro para confundir a gente... Isto feito, cá estou, ansiosa pela escrita, noutra cidade, mais pacata do que a minha: Salvador! Cidade exaltada por Pancetti, o marujo pintor, que ficou extasiado ante a luz e a alegria que encontrara. Suas marinhas ganharam mais vida, após sua chegada por essas bandas.
Pensava que a viagem transcorresse sem novidades, mas, qual o quê! Sempre vem acompanhada de um fato inusitado, algo que me faz refletir.
Desta vez, sentei-me ao lado de uma senhorinha, aparentemente sossegada, como disposta a dormir em pleno voo. Nada disso! Logo revelou-se uma falante de primeira.
Começou devagarinho, como quem não quer nada e, devo confessar que eu a estimulava, a cada fato contado, com uma expressão de entusiasmo.
No início do voo, chegou a dizer-me, simpatiquinha: " Olhe, agora, fique quietinha, pois gosto de orar quando levanta voo."
Senti-me um tanto acanhada, já que falara pouco, coisas corriqueiras, o porquê daquela poltrona, o tempo, banalidades. Pensei então que talvez fosse rezando pela viagem...
Enganei-me redondamente. Falou tanto que perdendo quase o fôlego, sentiu um calor anormal, sorria muito e segurou meu braço várias vezes, atropelando-me inúmeras falas, inibindo-me. Não. Já não tinha vez, já não era mais um diálogo, uma conversa, tornou-se um veemente monólogo!
De origem simples, como ela mesma declarara, morando na roça, perdeu a mãe cedinho e teve uma boa madrasta que a estimulou a estudar, coisa de que o pai não fazia questão.
Formou-se no magistério, trabalhou, casou-se, teve filhos. Viúva, chegou a reatar com um antigo namorado que tinha o dom para a poesia,mimando-a com vários poemas e trovas, quase todos recitados entusiasticamente para mim! Um bom enredo para novela!
Saí do avião exausta, já que, como dormira mal à noite , planejara relaxar durante a viagem. Mas, por outro lado, sempre é um privilégio encontrar alguém que confie na gente para se expressar, para se soltar, fazer revelações, confidenciar sentimentos.
Portanto, no final das contas, foi boa a nossa 'conversa' e percebo, a cada dia que passa da minha vida, como as pessoas sentem-se sozinhas! Quantos sentimentos guardados, quantas ideias prontas a se expandirem, quanto desassossego...
Desejo que esta minha amiga de infância realize ainda sonhos, tenha saúde e o uso constante do cigarro não a leve antes do tempo certo... Muita vida pra você, Gilka!