quarta-feira, 6 de junho de 2018

MUITO PRAZER, GILKA!

     Estou num box,  dessas lojinhas  com computadores, onde um amável jovem me instruiu para que eu avançasse na página. Sempre há um empecilho ou outro para confundir a gente...  Isto feito, cá estou, ansiosa pela escrita, noutra cidade, mais pacata do que a minha: Salvador! Cidade exaltada por Pancetti, o marujo pintor, que ficou extasiado ante a luz e a alegria que encontrara. Suas marinhas ganharam mais vida, após sua chegada por essas bandas.
    Pensava que a viagem transcorresse sem novidades, mas, qual o quê! Sempre  vem acompanhada de um fato  inusitado, algo que me faz refletir.
    Desta vez, sentei-me ao lado de uma senhorinha, aparentemente sossegada, como disposta a dormir em pleno voo. Nada disso! Logo  revelou-se uma falante de primeira.
    Começou devagarinho, como quem não quer nada e, devo confessar que eu a estimulava, a cada fato contado, com uma expressão de entusiasmo.
    No início do voo, chegou a dizer-me, simpatiquinha: " Olhe, agora, fique quietinha, pois gosto de orar quando levanta voo."
    Senti-me um tanto acanhada, já que falara pouco, coisas corriqueiras, o porquê daquela poltrona, o tempo, banalidades. Pensei então que talvez fosse rezando pela viagem...
     Enganei-me redondamente. Falou tanto que perdendo quase o fôlego, sentiu um calor anormal, sorria muito e segurou meu braço várias vezes, atropelando-me inúmeras falas, inibindo-me. Não. Já não tinha vez, já não era mais um diálogo, uma conversa, tornou-se um veemente monólogo!
    De origem simples, como ela mesma declarara, morando na roça, perdeu a mãe cedinho e teve uma boa madrasta que a estimulou a estudar, coisa de que o pai não fazia questão. 
    Formou-se no magistério, trabalhou, casou-se, teve filhos. Viúva, chegou a reatar com um antigo namorado que tinha o dom para a poesia,mimando-a com vários poemas e trovas, quase todos recitados entusiasticamente para mim! Um bom enredo para novela!
    Saí do avião exausta, já que, como dormira mal à noite , planejara relaxar durante a viagem. Mas, por outro lado, sempre é um privilégio encontrar alguém que confie na gente para se expressar, para se soltar, fazer revelações, confidenciar sentimentos. 
    Portanto, no final das contas, foi boa a nossa 'conversa' e percebo, a cada dia que passa da minha vida, como as pessoas sentem-se sozinhas! Quantos sentimentos guardados, quantas ideias prontas a se expandirem, quanto desassossego...
    Desejo que esta minha  amiga de infância realize ainda sonhos, tenha saúde  e o uso constante do cigarro não a leve antes do tempo certo... Muita vida pra você, Gilka!