terça-feira, 20 de janeiro de 2015

QUERO-QUERO

     Houve um tempo em que passei a viajar. Comecei pelas pequenas viagens, no próprio estado, depois ampliei um pouco o meu voo. Cidades do Nordeste, cidades do Sul... Cheguei a viajar para fora do Brasil uma só vez para conhecer New York.
     Hoje à tarde, ao folhear meus álbuns de fotografias, as lembranças afloraram e, junto com elas, a vontade de voltar a conhecer lugares, pessoas, culturas. Se bem que, com o passar do tempo, desenvolvi certa habilidade de atenção e interesse em todos os momentos e em quaisquer lugares. Como, por exemplo,  determinada a caminhar menos depressa, seguir  pelas ruas do bairro onde moro a observar, por exemplo, árvores que nunca tinha percebido, por pura distração.
     Às vezes, ou quase sempre, os pensamentos de preocupação nos tolhem a vida. Os chineses é que, espertos que são, deduziram há muito tempo que ' preocupação é como a cadeira de balanço: não leva a lugar nenhum.'
      Então, deixar a mente livre estando em trânsito ou mesmo num determinado local nos facilita a percepção. E como se torna interessante este movimento!
     No princípio estranhamos mas, depois, enriquecemos a nossa existência, porque a percepção se dilata. E percebemos melhor não somente o ambiente, mas também as pessoas. Tudo aquilo que nos circunda. 
     E é assim, com este espírito antenado, que vivo agora os meus dias. Em tudo me detenho, observo, apreendo sem julgamento.  
     Ir à praia, olhar para o mar com atenção, deter-me a observar a grande fragata mergulhar nas águas mansas e retornar instantes depois, os biguás em seu alvoroço, os pássaros pequenos pela areia __ eu nunca tinha reparado neles! Bem-te-vi, lavadeira-mascarada, joão-de-barro ,  quero-quero...
     Levantar o olhar a apreciar as palmeiras, seu balanço pela brisa fresca, descobrir ninhos protegidos entre galhos e ramas e até no alto de um poste no Arpoador!...
     Esquecer da pressa. Pressa para quê? Entender  que usamos o mesmo tempo, tanto para escolher o tédio, o  aborrecimento , a irritação,  a impaciência  como para permitir que uma certa placidez aconteça. E poderemos nos admirar muito  pelos benefícios  causados por este novo comportamento.
     Tornar-nos-emos  suaves, menos ansiosos, mais verdadeiros, menos melancólicos.
     Faço uma viagem quase todos os dias, observando, aprendendo, descobrindo, enriquecendo naturalmente  a minha vida. E como é bom!
     Sugiro esta prática  aos ansiosos e aos que pregam a necessidade de viajar para que se cresça. Pois eu afirmo que tudo vai depender do nosso comportamento,  da nossa atenção desenvolvida, da nossa disposição, do modo como reagimos aos fatos, às novidades, aos acontecimentos, aos imprevistos.
      Muitos viajam e levam o seu estresse junto. A viagem, neste caso, não dará muitos frutos. Só aborrecimentos e preocupações.  Ou, então, vivem a reclamar porque não podem viajar!
     Aprender a relaxar primeiro e depois lançar-se à aventura do conhecimento da vida! Que pode ser aqui e agora.
 
 
 

 
 
 
  
...
Dia após dia eu só enxergo
o voo das gaivotas.
Trilhas repletas de flores,
por que varrê-las?
...
 
           ( trecho do poema Visita, de Du Fu)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

"... COMO UM SUSPIRO DE EXTINTO GOZO..."

     Caminhando à tarde pelas ruas aqui do bairro, observo a impaciência das pessoas que transitam, esbaforidas. Correm para onde? Qual o motivo de tanta pressa?
     Sem querer, esbarram, atropelam, insanos momentaneamente. E fico me perguntando o que move estas pessoas para que ajam assim?
     A vida passa muito rápido! Isto já percebi. Creio que viveríamos bem melhor se mantivéssemos a calma, a ternura, o bom humor, a gentileza. Não dizem que " gentileza gera gentileza"? Pois é...
     Num mundo só meu, dissipo meus iniciais desmantelos mentais pela atenção plena movida pela vontade; e afirmo que, às vezes, confesso, não é nada fácil! São infindáveis os estímulos para que nos desorganizemos emocionalmente e, com isso, dá-se o  abalo físico, gerando desde uma simples dorzinha de cabeça que um analgésico comum soluciona, até uma doença grave ou mesmo, crônica.
     Lembro-me de um renomado fotógrafo que passou a vida a clicar cenas desconcertantes, nefastas, mostrando miséria, doença, decrepitude. Até que adoeceu e foi-lhe dito que se não mudasse o foco, não teria cura. Seria o seu fim. Mudou a atitude, então. Passou a se interessar pelas belezas do mundo natural. Viu sua saúde ser recuperada aos poucos. À medida que se detinha na observação da vida, sua saúde era normalizada. 
     Faz sentido. Se você presta atenção em determinado fato, esmiúça-o e repete e repete, certamente essas informações serão guardadas no seu computador, o cérebro. E isto, possivelmente, irá afetá-lo.
     Tomamos conhecimento de muitas informações para  nos preservarmos, mas esbarramos em tanta notícia negativa que , geralmente, não conseguimos suportar.
     Hoje, por exemplo, me detive a ver o noticiário na TV durante o café da manhã. Isto foi péssimo! A hora em que nos alimentamos, dizem os mestres, devemos silenciar e comer em quietude, com respeito, a nossa refeição. Logo de início, noticiário trágico, anúncio de mortes, de bandidagem. Uma lástima!
     Por distração, talvez, estamos longe de admitir que isto nos faz mal.  Quanto mais notícias de crueldades, mais violenta a sociedade será. Até os filmes na televisão, que seriam para a nossa distração, nos transmitem emoções ruins, pesadas.
     O premiado artista japonês Hayao Miyazaki, afirmou recentemente: "...Talvez tenha havido um tempo em que era possível fazer filmes que importassem, mas hoje muito do mundo é lixo".
      E ficamos assim, meio negativos, meio melancólicos, meio... Nunca inteiros! Porque a Natureza, da qual fazemos parte, nos aponta o caminho da sanidade, das bênçãos da alegria, da suavidade, da fraternidade, da ação harmoniosa. Mas ainda estamos longe destas conquistas que nos trarão sanidade, paz e amor, de fato.
     Portanto, haja Poesia!... Pois a Arte em geral   nos salva da loucura, do desequilíbrio, da indiferença, da maldade.
 
de Manuel Bandeira,
FELICIDADE
 
A doce tarde morre. E  tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de  extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa...
 
E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minh'alma foge na brisa:
Tenho vontade de me matar!
 
Oh, ter vontade de se matar...
Bem sei é cousa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!
 
__Vem, noite mansa...