quinta-feira, 21 de junho de 2012

NO AVIÃO

    Quando a gente escolhe o lugar no avião é porque a gente prefere aquele lugar e pronto! Há alguns anos, quando ainda um certo romantismo resistia em mim, preferia sentar-me na poltrona perto da janela. Tão bom ficar olhando aquelas nuvens enormes se aglomerarem e formarem castelos!...
Agora, prefiro a poltrona no corredor.A praticidade me diz que se der vontade de ir ao banheiro, fica mais fácil.
    Escolhi o voo, escolhi o lugar. Fiz o check-in. Quando já estava dentro do aviao, acomodada, cinto apertado, poltrona ereta, revistinha na mão pra distrair o pensamento, aparece uma senhora  cheia de sacolas e bolsas e, com um jeito bondoso de olhar e simples de se expressar, diz com naturalidade: "_ Filha, passa pra outra poltrona... "
    "_ Sinto muito, senhora, mas o meu lugar é aqui", falei, sem titubear. Notei que ela não aprovou a minha decisão, mas acatou, com paciência.
    Pra diluir a má impressão quis ser gentil com a senhora. Rápida, levantei-me, dizendo-lhe que esperasse para poder entrar melhor, de maneira mais confortável. Bati com a coxa  na ponta do braço do assento já que  no exato instante em que me levantei, o homem sentado à minha frente, num movimento brusco, deitou a sua cadeira. Senti muita dor. Num gemido inconformado, alertei o senhor do acontecido e notei que ele não gostou que lhe avisasse. Estava indócil, nervoso, agitado. Aliás, assim ficou durante toda a viagem. Até os pés ele colocou na janela, como suporte. Pesado, corpulento,  incrivelmente conturbado, não parou nem um minuto sequer.
    Até que nos ajeitamos todos. Mas, confesso, por dentro eu estava com um borbulhar de inquietude. Então, ao sentar-me novamente, as pedrinhas do meu anel desataram-se todas e dispersaram-se pelo chão carpetado do avião. Minúsculas dezenas de pedrinhas de quartzo cor-de-rosa que compunham um singelo anel, desses comprados em feira de artesanato. Mas era tão lindo e tão bem feito!... 
    O homem à frente não sossegou até chegarmos em Salvador. Pés pra cima, mudança pra cadeira ao lado. A poltrona rangia, parecia que ia quebrar. A minha vizinha de viagem se compadecia: "Coitado deste rapaz, pobrezinho, deve ser assim também em casa...tão problemático..."
    Quando saiu de sua poltrona e mudou-se para a do seu lado, pedi-lhe, um tanto receosa, que colocasse a cadeira no lugar, já que como o espaço era pequeno, me daria um tanto mais de conforto. Felizmente, solícito, ele atendeu, sem problemas.
    Como foi bom ouvir o alerta: "_ Senhores passageiros, em Salvador, o clima está bom, temperatura amena, cerca de 22 graus. Dentro de instantes estaremos aterrisando. " 

   
      
   

terça-feira, 12 de junho de 2012

AMORES ANTIGOS

    Amores antigos... deixemos que fiquem lá, no passado, pois  poderão retornar com uma tal volúpia e   um intenso despertar de sonhos da mocidade que, convenhamos , não cairão bem. Afinal, os anos passaram, os cabelos embranqueceram, os desejos já  se realizaram(ou não...) e o que veremos serão dois velhinhos fogosos e ansiosos para o reencontro. Como se o tempo tivesse estagnado. Não. Assim é ilusão em demasia. E ilusão, sabemos, é bolha de sabão: Puff! ... Cairá por terra tamanha paixão quando a ciática se revelar repentinamente, quando o joelhinho não obedecer ao comando e outros órgãos se recusarem definitivamente a funcionar com naturalidade.
    Não. Definitivamente, não será possível remexer no passado um tanto longínquo. O tempo escoa com uma rapidez incrível!... E uma paixão antiga pode renascer, pode ecoar no nosso universo presente. Fica mais fácil e será mais lógico, oportuno e prudente nos afeiçoarmos a  atividades que distraiam o espírito. Mas, se o amor em questão vier noutro tom, expressando a raridade do carinho, da ternura, aí sim,vale a pena conferir a sintonia.
    Já ouvi muitas histórias de reencontros que motivaram e enriqueceram a vida que estava perdendo a graça; reencontros que trouxeram o desfecho tão anunciado nos contos da Carochinha: "E foram felizes para sempre!..." Vale tentar, talvez, se os dois antigos namorados também estiverem livres de compromissos antes assumidos. Quiçá a vida tenha guardado para o final da estrada recompensas das lutas, dos tantos dissabores experimentados. Quem sabe as surpresas que os mortais aguardam?
    Durante a fase adulta, em que  organizamos a vida afetiva (e há os que vão até o grand final desorganizados!), em que buscamos a profissão adequada aos nossos anseios, que corresponda a nossa  natureza, em que a criação dos filhos é primordial, em que manter-se no trabalho torna-se fundamental para o sustento na vida, a vida vai passando e tudo só vai...
    Na meia idade (por falar nisso... 40? 50? ou 60?) tudo só  vem, tudo retorna... Os gostos da infância, as festas, a formatura, os amigos... Tudo , tudo mesmo não desbota com o passar do tempo; ao contrário, fica mais vivo do que nunca!... Relembramos com entusiasmo as experiências que calaram fundo em nossa alma. A nossa memória dos fatos antigos está preservada!
       Adoçam essas lembranças os nossos dias atuais, dias em que não podemos nos dar ao luxo de falar mais tempo  do que o outro tem para nos oferecer escutando-nos, afinal, está todo mundo apressado!... É tanta pressa! Aonde vão, assim, esbaforidos?
   Se um amor passou, deixemos que ele fique lá, no passado e somente  retorne à lembrança. Reavivar o sentimento talvez traga à tona uma série de outros, acorrentados que estão ao primeiro: os  pais, os avós, o cheiro das frutas e das flores que ornamentavam o jardim onde o namorico acontecia, os sabores, os filmes (Ah, Dr Jivago!...) , o Colégio que frequentavam, os beijos roubados, outros que não e por aí segue a lista quase  interminável ...
    Como disse Silvia Popovic certa vez, num programa de entrevistas : Amor antigo tem cheiro de ranço...
    Por isso a vida é tão maravilhosa, tão incrível; ela nos espera, pacientemente, renova os seus propósitos a cada dia, com imprevistos, alentos, oportunidades para sermos felizes sempre! Por isso amo viver, amo estar conectada à Natureza, onde o momento presente é a realidade  absoluta. O presente, como o nome mesmo indica, é um presente!
    Portanto, acredito eu que, ao acordarmos diariamente, tenhamos a alegria de viver, percebendo tudo o que de maravilhoso o dia nos traz. Inclusive a recordação de um lindo amor .
   

Cupido, Deus do Amor

domingo, 10 de junho de 2012

TUDO PRONTO PRO ARRAIÁ

   




    (Taí um belo buquê para um casamento à moda caipira!)
   
    Coloridos balões japoneses subindo aos céus... Na altura do muro que separava o quintal da nossa casa do rio, trepada no banquinho que mamãe pressurosa segurava, cheia de cuidados, eu me entretinha, maravilhada, junto a papai, que na ponta do pau da vassoura lançado acima do riacho, mantinha presa a rodinha que chamuscava aceleradamente, rodando, rodando, louca, a dispersar fagulhas cheias de vivacidade.
    Sozinha tinha a permissão para soltar estrelinhas. Papai pegava um fósforo, acendia uma extremidade e, a partir daí, tudo era magia! Eu tinha estrelinhas tão perto!Nas minhas mãos! Ficava maravilhada...
    Bombinhas eu não curtia muito;só mesmo a molecada do bairro que se entretinha com elas, além dos estalinhos e dos famosos e temidos buscapés. Era uma fartura de fogos e de balões. Ainda não eram proibidos. A vida era diferente.
    Meu colega dos tempos de Escola Primária, Marcos Vinicius, neste período, a cada ano nos convidava para a festança na casa de seu avô, ali naquela mesma rua onde morávamos. Casa grande, quintal maior ainda  e nos esbaldávamos! Fogueira, quentão, batata-doce assada, mandioca, milho...  Êta trem bão!... E as bandeirolas coloridas, tremulando, coladas no fio de barbante grosso.
    Sempre gostei de dançar; quadrilha, então, nossa! Era o ápice da festa! Ficávamos eu, papai e mamãe até bem tarde... Não havia proibições. Tudo era permitido: dançar com o amigo, tentar pular a fogueira, comer o que quisesse, me lambuzar à vontade, soltar fogos!Tudo era deliciosamente farto e alegre! O sorriso vinha fácil nos lábios sempre sisudos de minha mãe, austera; meu pai esbanjava sua simpatia atordoante, conversava animadamente com todos os amigos. Grupo bom, gente companheira, espaço, ar livre, ingenuidade, simpatia, gritaria, a sanfona que não se cansava nunca!
     Nunca fui a noiva do jeca; morria de vontade de ter um buquê de couve-flor! E jogar aquele arranjo pra trás como fazem as noivas de verdade...
    A simplicidade fazia a felicidade de todos os presentes. Um tempo em que as canções eram mesmo de música caipira; as roupas eram confeccionadas de chita, um pano de algodão todo colorido! Meninos usando  bigode, cavanhaque e costeleta pintados com lápis.
    Minha mãe me maquiava e sempre tirava de uma caixinha redonda, verde e minúscula, com tampa transparente o sinalzinho que aderia fácil na minha bochecha. Eu achava o máximo!E ficava linda e toda prosa!... A saia bem rodada, batendo nas canelas, armada com anáguas engomadas com Maizena.
    Acostumarmo-nos ao tempo que passa... ou será que nós é que passamos pelo tempo... isto é difícil de entender...mesmo que nos expliquem com tais e tais teorias e filosofias ... Não adianta. Nosso coração carrega um montão de saudades. De gente, de coisa boa que vivenciamos, de gostos que o paladar não esquece, de músicas que ouvimos e que marcaram momentos felizes, de festas especiais dos Santos.
    Abro a janela e vejo as estrelas cintilando mais do que nunca nesta noite fria de junho. 


   

sábado, 9 de junho de 2012

L'AMOUR, TOUJOUR L'AMOUR!...










    O amor, sempre o amor a ser motivo de conversa, de enredo,  de encrenca, de tristeza, de inspiração, de alegria. O amor, já disse o poeta  em suas  elocubrações, o amor é uma "palpitação inefável"(1); e " ...só quem ama pode ter ouvido/ capaz de ouvir e de entender estrelas."(2)
    Aproxima-se o Dia dos Namorados. Dirão alguns que esta data é para ser lembrada e comemorada pelos jovens. E quem não é? Questão de escolha! Podemos não ser jovens no corpo, mas joviais, sim! Eu sou jovial!... É só querer, é só permitir dentro de si que o vigor dos sentimentos aflore e direcione você para a dinâmica da vida,  esta força misteriosa e profunda! Vida que é amor! Amor que é energia pulsante e contagiante!
    Quando nos sentimos em solidão, a resistência física e a luz do sentimento diminuem. A mente fica embotada, opaca e tudo parece tristonho.
    Reagir sempre à incredulidade, ao pessimismo, à insensibilidade  nos tornará mais receptivos à força vital que emana não só de nós mesmos, mas de todos os  seres viventes.
     O amor nos dias de hoje está tão precário... Mas percebo ainda certos movimentos que denotam que o Amor existe! Aliás, estou convicta de que todos carregamos essa luz, como disse o poeta e místico Luiz Goulart, em Céu Interior: "Dentro de todo ser existe o Amor/ Como um botão de luz acrisolado/ Pela força divina. O sofredor/Esconde em si um deus iluminado..."
    Sei que o Amor é algo divino, criador, que nos ilumina, nos realiza e nos redime. Porém, o amor entre um homem e uma mulher está cada vez mais escasso... Poderia ser uma força , uma alegria, um completando o outro, havendo compreensão mútua de verdade! Uma união de parceiros.

"Quero um homem
que sussurre flores
E no ato exale
perfume de jasmins",

compus eu, num arrebatamento.
     Li, não me lembro aonde, que união de verdade é aquela cuja escolha recai em alguém com quem gostamos de conversar, porque o que fica, após o desvario da sensualidade é a amizade
"...Que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure." (3)
Senão, ficamos com coisa alguma, sem companhia mesmo!  "...Quem sabe a solidão, fim de quem ama..."(4)  Até os que continuam casados... E aí é a sina, o fardo, o karma e surge então o desfile implacável das doenças_emoções negativas somatizadas.
   Gandhi explicava que o sexo existe para a procriação. Nada mais. Mas o mundo moderno fala diferente. No entanto, se observarmos a Natureza, de fato o corpo muda tremendamente e não adiantam a plástica e todos os recursos bombásticos da medicina estética. Tanto o corpo da mulher como o do homem envelhecem. Aos poucos...
   Com a maturidade poderemos nos tornar mais criteriosos e nos prepararmos para a grande viagem. Sem medo, com tranquilidade e jamais, na minha opinião, desistirmos de amar. Isto é fundamental para fecharmos com chave de ouro um ciclo na terra .


1- Manuel Bandeira
2-Olavo Bilac
3- Vinicius de Moraes



quinta-feira, 7 de junho de 2012

AJEITANDO A CALCINHA

    Distraía-me o movimento das pessoas no metrô; O entra-e-sai contínuo, a cada estação. Gente de todo tipo: alto, baixo, gordo, magrela, nervoso, habituado ao som nos ouvidos,balançando a cabeça com certo alvoroço, a espalhafatosa no celular, aos berros, a moça chamando a atenção no vagão, solta, mostrando segurança...enfim, tipos seguros, concentrados, pelo menos aparentemente, de olhares medrosos, outros, desafiadores, os visivelmente hostis,os  apressados,os estressados, os calmos__são muito poucos!, os turbulentos...
    O tempo passa mais rapidamente quando nos concentramos. E por que não observar pessoas?
    Uma senhora chamou-me a atenção em especial. Entrou tranquila, um certo ar 'blasé', olhar vago. Pensei:"Aí está uma mulher requintada! " Coisa rara de ser vista nos tempos atuais,  em que a pressa nos embala.
    Não demorei a modificar minha opinião. Precisa-se de mais tempo para que cheguemos a uma conclusão livre de erros; precipitação nos leva a um julgamento equivocado.
    A senhora em questão com o seu jeito sereno encostou-se ao lado da porta do vagão. Achei estranho. Aquela não era uma atitude elegante; mas trajava-se com esmero: sapatilhas em verniz num tom bege , calças compridas no mesmo tom e uma camisa em tons pastéis de rosa , bege e branco. Perfeito!
    Nisso, começou a se mexer com uma certa impaciência; com ansiedade, passava a mão direita no rosto desprovido de maquiagem, expressando alguma preocupação. Ajeitou a calcinha repetidas vezes. Reparei em sua cabeleira longa, inadequada para uma senhora de meia idade. Distraída,  passava as mãos nos cabelos  a retirar os fios que se soltavam ,jogando-os no chão, dando a impressão de desleixo. Mordia os lábios desassossegadamente.
    Até que enfim chegou a estação em que deveria saltar e, com o mesmo ar natural com que entrara, desceu.
    Nem sempre a roupa correta e o ar despreocupado denotam elegância. Por trás dos meus óculos escuros, eu a tudo assistia, ponderando.
   
   

sexta-feira, 1 de junho de 2012

AS ÁRVORES CANTARAM


    Abrimos o Semeando Poesia de hoje com a criação de Olavo Bilac em Cântico das Árvores, que diz assim:


Quem planta uma árvore enriquece
A terra, mãe piedosa e boa:
E a terra aos homens agradece,
A mãe os filhos abençoa.

A árvore, alcançando o colo, cheio
De seiva forte e de esplendor
Deixa cair do verde seio,
A flor e o fruto, a sombra e o amor.

Crescei, crescei na grande festa
Da luz, do aroma e da bondade,
Árvores, glória da floresta!
Árvores, vida da cidade!

Crescei, crescei sobre os caminhos,
Árvores belas, maternais,
Dando morada aos passarinhos,
Dando alimento aos animais.

Outros verão os vossos pomos:
Se hoje sois fraca e crianças,
Nós, esperanças também somos
Plantamos outras esperanças!

Para o futuro trabalhamos:
Pois, no porvir, novos irmãos,
Hão de cantar sob estes ramos,
E bendizer as nossas mãos!


    A alegria tomava conta dos nossos corações, à medida que mergulhávamos no mundo mágico da Poesia. Declinamos Olga Savary, Mário Quintana, Guilherme de Almeida, Renato Travassos, dentre outros. E cada um de nós, entusiasmado, íamos rompendo a timidez e, pouco a pouco, o bom desvario incendiou as nossas almas.
    Castro Alves não poderia faltar e compareceu com Mocidade e Morte, belíssimo poema em que o autor, já prevendo a sua morte, em virtude da doença que o consumia, diz, num arroubo cheio de dinamismo o grande amor que ele nutria à vida, rebelando-se contra a fatalidade que o aguardaria  em breve.
   Haikais foram comentados, poesias com pitadas de graça foram ditas; enfim, houve de tudo um pouco. E o fechamento deste encontro maravilhoso foi no Parquinho, onde comemoramos o aniversário de uma das poetisas ali presentes.
    Fechamos pois com bolo num clima de absoluta confraternização. Fechamos com chave de ouro.