"...prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores." (Cecília Meireles)
Hoje o passeio matinal _ apesar da pandemia alastrada, atemorizando todos nós, foi específico para procurar pássaros. Sim, sem dúvida, ela parecia ansiosa, e nada havia que pudesse demovê-la deste intento. Só, talvez, se caísse um toró daqueles!
Aliás, diga-se de passagem, a palavra pandemia ( do grego = " de todo o povo") é uma epidemia de doença infecciosa que se espalha entre todo o povo de um continente, ou mesmo de todo o planeta.
Mas, voltando às amenidades, ela, a nossa personagem em questão, com sua Nikon a tiracolo e máscara, naturalmente, lá se foi a percorrer, devagar, a comprida rua sombreada pelas amendoeiras em profusão, ao romper da madrugada.
Um sol fabuloso ameaçava surgir, então não perdeu tempo. Seguiu.
Uma enorme abelha(seria um zangão?) rodeou-a diversas vezes, enquanto parara a fotografar, causando-lhe um certo desconforto: zzuuu...zzuuu...zzuuu... Mexeu as mãos com delicadeza e o bicho sumiu...
Vencida a primeira etapa, continuou, jogando de vez em vez migalhas de pão . Quem sabe gostariam do quitute? Era pão integral e fresco!...Foi assim até o final da rua.
Num cruzamento, policiais que fazem a ronda no bairro pararam para que atravessasse. Que gentileza e cuidados! Isto deu-lhe mais tranquilidade para continuar. Afinal, " estamos em casa, mas os bandidos continuam nas ruas..." É o que dizem.
E o casaca-de-couro estava lá! Finalmente ia aprisiona-lo numa foto! Mas o bicho é rápido demais. Muito agitado... mas conseguiu uma foto, quando aquietou-se por milésimos de segundo no telhado de um restaurante; então, foi mirar e clic!
Vivia atrás deste bicho há muito tempo, desde que o viu pela primeira vez, ainda nesse ano. Foi amor à primeira vista! Muito arisco, nunca conseguia. Até que enfim! Metade do corpo, mas tá valendo.
Deu meia volta, lentamente, prestes a retornar para casa. Uma mulher passa, a fazer caminhada, sem máscara. Que vacilo!
O coração suavizado pelas boas emoções do romper do dia, com as luzes da manhã surgindo, pouco a pouco, acompanhadas da cantoria espalhafatosa dos pássaros! Tem coisa melhor? Funciona como remédio a cicatrizar feridas profundas da alma.
A caminhada foi breve, o percurso pequeno; no entanto, já tinha conseguido fazer uma faxina e tanto no coração. Aliviada, seguindo seu curso, ainda bateu algumas fotos. Um passarinho aqui, outro ali, até chegar em casa.
Foi assim a sua manhã, cheia do mistério da vida. A vida real, de beleza, de atributos muitas vezes indecifráveis.
"...
Para seres feliz, levanta cedo:
Vai à floresta e, sem recato ou medo,
Exibe, enfim, as tuas cicatrizes...
Consolar-te-ão as árvores felizes;
Há ninhos e perfumes no arvoredo,
Onde chilreia, álacre, o passaredo,
Expandindo-se em glórias e matizes!
...
( Renato Travassos)