quarta-feira, 22 de março de 2017

MEIO ISSO, MEIO AQUILO...

     Fui ao Shopping, como de costume. Afinal, depois das agulhadas da acupuntura para o alívio das dores da lombar, nada como apreciar vitrines e almoçar num restaurante gostosinho, tipo Viena. Aliás, lá, costumam apresentar um prato delicioso de batata-doce  assada e perfumada com alecrim!
      Logo após, fui ao toilette me ajeitar. Percebi que uma moça , ao meu lado, também se arrumava, meio sem jeito, meio afobada, com os finos lábios meio cerrados. Lavava as mãos destemperadamente. Seus olhos tentavam acompanhar-me, furtivos.
     Incomodou-me, um pouco, confesso. Desconfio das pessoas arredias que nos observam friamente.
     Quando tirei do fundo da bolsa o tubinho de creme para mãos, ela aguçou o olhar! E, ao  esticar das mãos para os braços, com suavidade o creme, pois , sem perceber, tinha excedido a quantidade, ela, entre dentes, não se conteve: "_ E ainda passa nos braços!" _ como se fosse um ato condenável. Imaginem só o meu espanto...


     Tenho um amigo, cuja amizade conservo há muitos anos, que certa vez afirmou-me categoricamente: " _ Sylvia, as pessoas julgam o tempo todo." Eu discordei, até porque não ajo assim. Procuro estar em mim, prestando atenção ao que realizo no momento, a tal atenção plena, na qual gosto de me exercitar.
     Depois do que  a jovem mulher murmurou maldosamente, saiu do banheiro rápido e foi, pelo corredor, desabaladamente , com seu jeitão meio ríspido. Dava pra notar.
     Dali parti para a Saraiva, livraria simpática que tem um café digno de nota. Uma revista emprestada nas mãos _ Vogue e estava pronta para distanciar-me desta impressão desagradável.
     Acompanho o blog de uma mulher muito famosa, pois reconhecida no meio da moda. Sofisticadíssima e simples, ao mesmo tempo. De uma simplicidade natural que cativa. Escreve no seu blog  e grava vídeos onde discorre sobre diversos assuntos, inclusive sobre sua vida pessoal. 
     Fico me perguntando se todos os que se conectam com ela são realmente seus admiradores, afinados com suas ideias e atitudes elegantes. Claro que não. Alguns, certamente, observam e condenam, elogiam e criticam.
     Hoje enviei-lhe uma mensagem e ela, muito educada, respondeu-me imediatamente. É o que não vejo acontecer no zap , nem no Messenger. Ou ignoram, ou demoram dias a responder... A mesma atitude no Facebook, pois solicitam a amizade e nunca, nunca se manifestam. Dá uma má impressão. Mas não irei comentar sobre isto , senão corro o risco de julgar!...
 
"...
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.
..."
                                                                                                                          (Alberto Caeiro)
    
         

quinta-feira, 9 de março de 2017

QUE NOITE!...

     Como de costume, levantei-me de madrugada para beber água. Sonolenta, vejo uma mancha escura na penumbra a mover-se. Primeiro, devagar, logo em seguida, rapidamente.
     Identifico: é uma barata!  Gorda, grande, castanha dourada, dessas voadoras.
     A situação era aflitiva! Aquela visão gelou-me a espinha. Os pelos dos braços finos eriçaram-se. A secura na boca, os olhos esbugalhados e o cérebro completamente despertado, a bolar estratégias a fim de embaraçar a sinistra invasora.
     Pensava rápido! O que fazer pra acabar de vez com aquele momento desconfortante? Só de pensar que ela poderia ir para o quarto, eu ficava desesperada. Mas a barata também, pois percebera a minha total animosidade...
     Peguei a velha havaiana amarela que calçava  e , decidida, tentei dar-lhe um golpe fatal. Mas a esperta acomodou-se rente à estante e, assim, não fui feliz. Salvou-se a meliante! Fez uma curva com classe e postou-se no centro da sala, desafiadora.
     Lembrei-me de que, certa vez, num hotel em Teresópolis, um funcionário revelou-me que nada melhor do que uma vassoura de piaçava para matar aranhas, já que havia uma enorme no banheiro.
     Fui rápido, então, para a cozinha pegá-la, podia dar certo com baratas também! Quando voltei, a infeliz tinha desaparecido!
     Refleti sobre a sua posição na sala e deduzi que não deveria ter ido para o quarto,provavelmente, ainda estaria ali, na sala. Apavorada, coloquei uma dessas torres de ventilação , bem na entrada do quarto. Botão da máxima velocidade acionado. Olhei à volta. Nada.
     Talvez conseguisse dormir, mas qual o quê! O sono fora embora de vez.  Acendi todas as luzes e, de olhos bem abertos, olhava o teto e o chão. Fui assim, até de manhãzinha.
     Agora, teria que enfrentar o medo de uma vez por todas! Não havia a menor possibilidade de  convívio. Comecei a cutucar com a vassoura__ que pernoitara ao meu lado, como um sentinela, todos os móveis. Vasculhei cada centímetro do lugar, até que cheguei na pilha de livros que, carinhosamente, ajeito ao lado do sofá, abaixo da luminária de pé. Em cima, coloco uma bela lata de biscoitos vazia,  que alegra este cantinho.
     Quando empurrei o montão de livros, o bicho fez um voo por cima, pousando no chão. Daí passou a correr, desesperadamente, com as suas seis perninhas robustas, em direção à porta de entrada do apartamento.
     Valha-me, Deus! disse, entusiasmada! E com uma garrafinha de álcool em mãos, corri atrás! Lancei o líquido sobre ela , já no corredor. O inseto parou, olhou pra mim, mexeu suas anteninhas  e correu  furtivamente para o apartamento do vizinho japonês, passando por debaixo da porta.
     De início, pensei em avisá-lo, mas como é carrancudo e de maus bofes, me precavi. Já bastava esse tremendo susto por hoje.
    Agora, Carlos me espera para receber o pagamento. Pedi para que o funcionário da dedetizadora caprichasse!... 
    

sábado, 4 de março de 2017

SÓ MESMO DRUMMOND

     Se você é avesso à festa mais popular, o carnaval, e não planejou viajar, na certa optou por atividades variadas, principalmente se mora num bairro agitado como o meu.
     Ipanema era um paraíso, até há bem pouco tempo.  Mesmo sendo um bairro praiano, parecia uma cidade interiorana, com a banca de jornais e o mercado  sempre abertos. Tinha um ar leve, gostoso, logo de manhãzinha. Experimentávamos um frescor, um não sei o quê de puro, de imaculado, além das cantorias dos pássaros.
     Aos pouquinhos, foi sendo transformado. O avanço da modernidade pesou. Na praça Nossa Senhora da Paz, por exemplo, víamos aves de várias espécies que ficavam, à beira do lago, limpo e sereno. Socós, patos, marrecos, garças, savacus, martins-pescadores... Uma riqueza, pra ser observada e protegida.
( Biguá / Phalacrocorax brasilianus)
     Mas não adiantou nem mesmo a interferência de políticos influentes , bem intencionados, como, por exemplo, Gabeira, que comparecia a todos os eventos em prol da Praça.


    E por que isto? Porque teriam   que cortar dezenas de árvores seculares para uma nova estação do metrô ser criada.
( Savacu / Nycticorax nycticorax)
     Mobilizamo-nos. Mas outros interesses  prevaleceram e perdemos assim o contato com aquela belezura natural.
     Já na Praça General Osório , também construíram uma outra estação, mas do lado de fora da praça.Fica na calçada e quando foi inaugurada era um monstrengo, de tão feia! Não sei se reclamaram, o que aconteceu, o fato é que a demoliram e construíram outra, transformaram a estação e ela agora não é mais tão horrorosa.
      Acredito que seja desnecessária, pois na esquina em frente, das ruas Visconde de Pirajá e Jangadeiros fizeram outra! Menor, mais simples, uma boca do inferno nessa época de carnaval.
     Mas, voltando ao assunto inicial... Em quais  atividades  você se debruça quando está em casa? Fica mesmo só deitado, como uma amiga minha? Ou lê? TV é o lazer preferido? Ou você é um daqueles que gosta de aprender  e sempre faz cursos, pesquisa na internet... Se , como eu, aprecia a arte da escrita, ninguém consegue tolhê-lo! Pintura, artesanato, pegar um sol, dar um mergulho, enfim, existe uma infinidade de possibilidades.
     Ficar parado, parado mesmo, só se estiver adoentado. Aí não tem jeito. Mas mesmo assim, pode ouvir alguma música. Ou conversar com alguém, dependendo da situação.
     Conheci, nos meus dezessete anos, num hospital, onde fui submetida a uma cirurgia, uma senhora que tinha amputado as pernas. Chamava-se Olívia. Terna e educada, logo nos afeiçoamos e nos tornamos amigas. Além deste drama, ainda estava com uma doença grave no intestino, aquele mal que aprendi a não pronunciar o nome. Só mesmo Drummond pra fazer um poema extenso ( Versos Negros(Mas Nem Tanto)), repetindo a palavra maldita dezenas de vezes, em mais de uma dezena de estrofes...

" Ao levantar, muito cuidado, amigo.
Não ponha os pés no chão. Corre perigo
se há nylon no tapete: ele dá câncer.
                                                                            ...
À hora do café, não seja pato,
pois tanto açúcar como ciclamato
e xícara e colher, sorry: dão câncer.
...
Páre de trabalhar, enquanto é tempo!
Mas evite o lazer, o passatempo,
que no jardim da folga nasce o câncer.
..."

    Depois que deixamos o hospital, certa tarde , fui visitá-la. Lembro-me bem... recostada num grande travesseiro, de peruca, as unhas feitas, uma leve maquiagem dava um tom saudável ao seu rosto cansado, mas que ela insistia em orná-lo com um leve sorriso! Sempre a sorrir e a expressar delicadeza em seus gestos.
    Como se não bastasse , o destino ainda a feriu com mais um desgosto: seu esposo, com a mesma doença, falecia noutro hospital, longe dela, em virtude das circunstâncias. Seu ambiente era penoso:o filho trabalhava o dia inteiro e ela tinha a companhia de sua nora, uma mulher árida, rude, dura, que cheguei a conhecer, num destes encontros.
     Dona Olívia deixou-me uma marca: Aquela mulher podia escolher o semblante carrancudo, não querer visitas a importuná-la, abandonar-se na cama de qualquer jeito. Não! Simples, disse-me com naturalidade, quando a encontrei de costas apoiadas no espaldar da cama, a escolher feijões: "Cato feijão para ajudar à empregada" .  Ainda que seu sofrimento fosse enorme, ela usava os minutos da vida colaborando, se ocupando e... sempre sorrindo.
     E lia, lia muito. Até me ofereceu um exemplar em que  falava sobre a atitude positiva que devemos manter na nossa vida, aconteça o que acontecer! Que pessoa maravilhosa! Não só se instruía, como também vivia aquilo em que acreditava.
     Deixar um exemplo  tão bom como este e, por isso, ser  inesquecível  para alguém, soa como bênção no caminho.