segunda-feira, 25 de setembro de 2017

LADRÃO DE PASSARINHOS


    


    
O mundo está muito diferente, diferente daquele vivido nos idos de 60, onde a preocupação nossa era com o ladrão de passarinhos.
     Morávamos perto de um morro, quer dizer, no final da rua havia um morro: o morro do Andaraí. Lá, meu pai tinha conhecidos que, como ele, amavam pássaros; pena que engaiolados. E relembro com tristeza  que, às vezes, organizavam rinhas. Que amor era esse?
     Uma barbaridade. Isto eu não compreendia. Como podia meu pai, cujo coração era nobre e bom, se render a estas torpezas com os pobres galos?
     Quanto aos cárceres das avezitas, meu pai, pacientemente, sempre, em conversas intermináveis, tentava me convencer de que, se soltasse os canários, os curiós, os coleirinhos, o azulão, o pintassilgo eles morreriam , pois sempre viveram em gaiolas, não saberiam buscar abrigo e alimentação.
     Isto foi o máximo de crueldade que presenciei., além da colega de classe do Primário, que adorava me beliscar, até eu sentir dor!  
     De resto,  o gatuno que, sorrateiramente, certa madrugada, aproveitando-se da escuridão,  roubou todos os passarinhos que papai enfileirara, nas suas gaiolinhas, à frente da casa, bem no alto, na parede de relevos, colorida de amarelo claro.
     Quanta diferença dos dias de hoje! Ouvindo o tiroteio pesado que tem ocorrido na nossa cidade,  eu perco a tranquilidade e consequentemente, passei a temer sair de casa com frequência, como fazia antes.
     Idealizamos passeios, visitas, mas vendo as imagens exaustivamente repetidas nos noticiários da TV, causa-nos uma tal estranheza que, a cada dia, vem crescendo o pavor  que nos paralisa. Então, analisados os prós e os contras, evitamos sair...
     Restam-nos os bons livros, as aquarelas, as palestras  e as entrevistas dos filósofos contemporâneos pelo Youtube , a boa música, os poemas tocantes, as conversas com amigos pelo telefone ainda, a companhia de Nat King Cole, Sarita Montiel, Emílio Santiago... aquela turma da pesada dos anos 60, 70...quando então,  havia melodia.
     Hoje, há barulho. Um irritante barulho repetitivo, pesado, desconcertante, infeliz.
     Hoje, há carantonhas pelo comércio, com poucas exceções. Hoje, as amizades já não são as mesmas.  Com o passar do tempo, ao invés de se tornarem mais próximas, mais afáveis e compreensivas, o azedume , qual ferrugem , assola os corações despreparados para a vida, que despejaram de si a esperança e a alegria.
     O jeito é confiar. Enjeitar o desânimo e o fracasso, acreditar na vida renovada. Pelo menos, este é o propósito  do meu coração.
    

                        (canário-da-terra, livre, num gramado do  Jardim Botânico do Rio de Janeiro)
    
 


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