domingo, 9 de junho de 2019

O HOMEM DE POLO AZUL

"...
A tua vida, que fizeste dela?
..."    
    Imaginem entrar num hospital público do Rio de Janeiro. Estava  ansiosa, afinal, ouve-se muita boataria... No entanto, este é uma exceção. Um dos poucos hospitais bem avaliados pela própria população.
      Tinha ido  visitar um amigo, recém-operado. Estava muito frio, apesar do sol, sol de outono.
     Notei as pessoas tranquilas ali presentes, desde a entrada, indo para seus lugares nas filas que corriam, sem estagnar. Isto é bom.
     Pessoas de condições sociais humildes, porém, esclarecidas. Observei _novamente, pelas conversas que fluíam, soltas, ao meu redor.
     Ali, pelo menos, enquanto permaneci no ambiente,  passavam uma certa distinção, uma certa nobreza. Conversei com algumas, dei linha, como se diz, para que se soltassem e falassem naturalmente. E falaram. Com muita clareza e simplicidade. Alguns tropeçavam na pronúncia de certas palavras, mas continuavam serenamente, respeitosamente. Outra geração!
     Ah! Mais um atributo: gratidão aos médicos que os atendiam. Eram todos muito afeiçoados aos seus médicos.
     Até que uma funcionária me indicou o corredor dos elevadores. Havia três. Qualquer um deles ia a todos os andares, porém somente num lia-se numa placa, um tanto enferrujada de metal, pregada ao centro, a palavra "SOCIAL".
     À minha frente, três senhores de idade um tanto já avançada. Pois bem. Este elevador chegou ao térreo e, como ninguém entrou... rapidamente a porta se fechou e ele subiu.
     " Os senhores não apertaram o botão pra subir?" falei.  Eles olharam pra mim, silenciosos e, a princípio, nada disseram.   
     Mas, como insisti, o do meio_ vestido com capricho, trajando uma blusa de malha tipo Polo, azul, um azul bonito, celeste, assim como os seus olhos, timidamente, com os braços magros cruzados, levantando os ombros,  balbuciou: "  SOCIAL, não deve ser pra mim; os outros nada têm escrito. Este deve ser para pessoas especiais. Gosto, sabe, dona, de ficar no meu lugar."
     Enchi-me de emoção, de indignação, senti o coração arder, e entabulei com o homem um monólogo rápido e decisivo: " O senhor pertence a mesma sociedade a qual todos pertencemos."
     Percebi o quanto aquele homem estava dizimado em suas qualificações. O que a vida fizera dele?! Sentia-se diminuído, menor que os outros, autoestima rebaixada.
     Novamente o elevador chegou. Falei com autoridade: " Entre!" Ele esboçou um leve sorriso, ainda cabisbaixo, soltou os braços, melancolicamente e estendeu o direito apontando-me a entrada: " Por favor, a senhora primeiro."
     Agradeci e entramos. Ao sair, nos despedimos  com um breve aceno de mão e seu sorriso bom ,agora, era  suave luz no seu rosto.
    
     

Nenhum comentário:

Postar um comentário