domingo, 7 de julho de 2019

TÉDIO DE INVERNO

     Talvez seja difícil cuidar-se aos 88 anos de idade. Morar sozinha, mesmo tendo filhos. Manter a mente saudável, lubrificada por pensamentos serenos e estar disponível às novidades e aos encantos da vida.
     Uma senhorinha, com meio sorriso, magra e baixa, enfeitadinha com anéis e brincos, apreciava, como eu, as bijuterias e bolsas de uma loja recém inaugurada, aqui no bairro.
     Um leve batom cor-de-rosa contracenava com suas muitas rugas. Cabelos pintados de castanho, xale vermelho envolvendo seu pescoço fino. Fez questão de puxar conversa e de declarar a idade, esboçando um ar de mistério.
     Conversamos um pouco, em meio às pulseiras, colares, brincos e bolsas, dentre outros artigos da loja. Paciente, ela conferia o que pegava. Analisava desde a textura dos cachecóis até os preços dos diferentes lenços para cabelos. Chegamos a dar uma volta em toda a colorida loja. Peguei uma dessas bolsas de agora, usadas para mercados, forrada de material impermeável.
     Quando mostrei-lhe , orgulhosa, a minha modesta compra, ela sorriu, entediada e retrucou: " Ah, minha filha, viajo muito, tenho tantas coisas, não preciso de mais nada." O som baixo da sua voz era o som do inverno: triste, contido, gelado, sem nuances de afeto. Se não fosse pelo meio sorriso, sempre presente, eu diria que o coração até secara.
     Colocou novamente pendurada a biju que estava a ver com os dedos, deu de ombros e disse que ia almoçar( eram  três horas da tarde!)no restaurante natural, ali perto. Sorri, nos despedimos como duas amigas sinceras e cada uma foi para um lado.
     Debaixo de um vento assustador, que deixava meu rosto gélido e arroxeado, ainda  passei no novo quiosque de flores. Rendi-me a linda cravina, cheia de miúdas flores brancas! 
     Voltei sorrindo.
    
 
     

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