sábado, 11 de agosto de 2012

SEU GASPAR

     Meu pai amava os seus pássaros; apesar de mantê-los engaiolados, sua simplicidade era tal que eu entendia a sua afeição sincera e aceitava a explicação dada por ele, justificando o aprisionamento : "_ Filha, esses passarinhos estão acostumados com gaiola, se soltar, eles morrem, não saberão procurar comida e ficarão à mercê dos predadores."
     E cuidava, e levava-os a passear a exibir o seu canto, orgulhoso. Azulões, canários-da-terra, canários-belga, curiós, coleiros e um pintassilgo que era a minha paixão. Até que um dia todos foram levados por alguém inconsequente. Choramos os dois, desolados!... Tivesse eu aberto as portas das gaiolas sentiria menos tristeza.
     Papai de certa maneira era ingênuo e mostrava os bichos a todos, em qualquer lugar, comentava seus dons excepcionais de canto e , então, aguçou algum ladrão, já que os pássaros valiam muito.  Para nós ficou um vazio enorme. A casa quieta, sem cantoria.
     A porta ficava sempre aberta, morávamos em uma vila e a nossa casa era a última; Um grupo de pássaros, certa vez, ficou voejando em círculos, à nossa porta e fazendo um alvoroço incrível! Chamei meu pai e, juntos, fomos ver o porquê. Papai tinha colocado uma gaiola para tomar aquele solzinho da manhã, bem no muro baixo que dividia os dois quintais. E um gato enorme preparava o bote certeiro! A avezinha se debatia nas grades, esbaforida.
     Papai retirou a gaiola dali e espantou o gato. Que inteligência a das aves. Perceberam o ataque e vieram pedir socorro.
     Lembro dele sempre sereno, amigo da Natureza, alegrinho, assobiando pela vila, conversando com os vizinhos. E sabia ser  gentil com os meus amigos também.
     Quando íamos a Sapucaia era uma alegria! Pescávamos no rio Paraíba do Sul, no meio das pedras, depois de pisarmos  naquela areia tão branca e tão fininha. E eu sempre trazia de souvenir as pequenas  pedras roliças do rio!... Tão bonitas!
     Eram momentos muito preciosos esses: nós dois, ali, juntos, papai me ensinando a silenciar para que o peixe se aproximasse. E pescávamos muitos peixes, principalmente lambaris.
    Apesar de sofrer as dores de uma doença incurável, ele se manteve firme e sereno até o último suspiro. Lembro-me de que  na enfermaria, logo no início, quando esteve internado, papai soube fazer amigos; todos gostavam dele, das suas conversas, do seu jeito fraterno. E quando eu ia visitá-lo, sempre me apresentava com tanto orgulho!... Ah, papai, eu tinha, tenho e terei sempre muito orgulho de você! Deixou-me lições sem ter a pretensão de deixá-las; inspira-me até hoje virtudes e tem o poder de me transmitir esperança e alegria mesmo em situações desconfortantes.        
     Sei que, de onde está, envia sua mais pura e doce energia, seu amor. E o amor, vindo desse coração magnânimo e feliz  serve-me como alento e luz indicando-me a direção certeira.
      Como papai amo os pássaros  e cultivo esse amor preservando a sua liberdade; amo o silêncio, preservo a alegria e aprendi que a amizade fortalece o coração.
     De onde está receberá, por certo, a gratidão desta filha reconhecida e que, a cada dia, procura exercitar-se no amar.
     __ Obrigada, pai!...



2 comentários:

  1. Parabens, são raras as pessoas que cultivam
    a memória dos entes queridos.
    Um abraço e felicidades.

    ResponderExcluir
  2. Nossa mamãe! Que texto lindo! Quanto amor!!!

    ResponderExcluir