sábado, 1 de setembro de 2012

DE CHAPÉU DE ABAS LARGAS

    Ela estava ali naquela manhã, sozinha, sentada num banco do Jardim, na curva delicada do caminho, no cenário todo verde. Verdor  às costas, dos lados, à frente. Tudo verde. Um verde que cintilava, sob os raios do tíbio sol de inverno, caindo sobre os milhares e milhares de folhas. Tudo ali recendia ar puro, frescura, aromas adocicados, aquietamento, paz.
    Aquela figura sossegada era como uma grande ave que pousara para descansar. Muito clara, de cabelos brancos, vestia um conjunto branco, usava  calçados também brancos e um chapéu da mesma cor, de  abas muito largas. Uma anciã harmonizada com aquele lugar .
    Silenciosa e de aparência calma, chamou-me a atenção pela singularidade. Veio pelo caminho, devagar e sentou-se. Diáfana, a luz percorreu-lhe por instantes a fina silhueta. Deitou os braços ao colo, suavemente e, estática, assim passou a compor um belo e enigmático quadro.
    A cena bucólica inspirou-me. Soltei a mochila das costas vagarosamente e tentei, sem ruído, abrir seu zíper para retirar  a máquina fotográfica. "Ah! pensei, talvez esta cena  seja a origem de uma pintura em tela..."
    Aproximei-me, sem pressa. Percebi seu olhar vivo, perspicaz. Enchi-me de coragem e disse-lhe:
    _Bom dia! Poderia tirar uma foto sua? Fique tranquila, seu rosto não aparecerá. Será uma foto de perfil.
    Ela olhou-me de soslaio e, com um ar de mistério, com um sorrisinho nos lábios finos,  retrucou-me e sua voz soou como um sopro cadente:
    _ Para quê?
    Tentei ainda persuadi-la de que valeria a pena para mim ter aquela bela imagem comigo. Ela me olhava, desconcertando-me, com um ar de descrédito. Com docilidade para não assustá-la, falei sobre a crueldade do mundo, os interesses pouco românticos que afligem a humanidade. Ela concordou  meneando a cabeça pequenina. E continuei, dizendo-lhe que eu gostava de clicar as coisas bonitas, que me faziam bem à alma , aos olhos, ao coração; imagens que refletissem alguma beleza espiritualizada. Mas ela foi dura como um tronco de uma velha árvore, seca, rugosa, que já passou por muitas tempestades e a elas todas sobreviveu.
    Compreendi, então, que não adiantariam nem o meu sorriso, nem a minha fala amorosa e o meu discurso sentimental. Ela já tinha decidido e pronto.
    Um "_ Bom dia!" amável e continuei o meu caminho, agora atrás de um jacupemba que voara com seu porte grande e pesado para a árvore próxima, apoiando-se num galho, para descansar. E essa, eu consegui fotografar.
 
    Veja mais em:www: flickr.com/photos/smercadante

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