" O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim, terás o que colher."
Penso que todos nós, em algum momento da vida,__ que pode ser longa, já percebeu o seu coração constranger-se por absoluta incapacidade de viver, ante às possibilidades que são tantas .
Lendo uma famosa poetisa, alarmei-me! De poesia das mais diretas e comunicativas que temos lido e amado *, os adjetivos mais desarranjados , mais sofridos ela enumera, para ela mesma, ao longo do discorrer das estórias da própria vida.
Eis o descortino de tais qualidades mencionadas pela autora:
"boba, feia, feiosa, desamada, apedrejada, sozinha, mal-amada, mal- alimentada, medrosa, perdida, nervosa, chorona, descuidada, de pernas moles, manhosa, inzoneira, sozinha, irrequieta, sofrida, humilhada, desacreditada, mal- aceita, destruída."
Decidi anotá-los para entender essa pessoa tão sensível que transformou o seu caminho_ que poderia continuar triste, ressequido, desarranjado, negativo, em Poesia da mais alta qualidade. Transformou o seu desgosto em adubo para alimentar a alma e enriquecê-la.
Quando comecei a folhear o livro, confesso que não confiei muito no que estava pra ler. Mas fui abordada pela simplicidade e atraída pela força de seus versos, onde a sinceridade é o leito por onde correm as águas do rio da sua vida, contada aos salpicos. Como pano de fundo, o interior do Brasil, na época do início da República no nosso país.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas conseguiu modificar toda aquela vivência monótona e rodeada de desafeição, pelo seu pensamento analítico e profundo que a tornou, pouco a pouco, uma sábia mulher.
Inicialmente, contava somente com o seu romantismo e a pureza de menina. Adiante, lentamente, observando com atenção e minuciosamente tudo o que lhe acontecia, refletindo sobre a natureza tão rica e acolhedora, ela finalmente desabrochou.
" Gente de casa, dizia rindo meu avô.
Era o tempo sagrado da reprodução.
...
Nada mais expressivo do que o João-de-barro e sua companheira
..."
Libertou-se das mazelas que o pensamento tristonho nos traz, pois o sofrimento moral pode se prolongar pela existência afora; ela teve muita determinação e vontade para que o cristal do coração emitisse seu brilho.
Apossando-se do nome de uma mulher que vivia na cidade de Goiás, vira Cora Coralina em seus escritos, que passa a produzir e a publicar desde mocinha.
Fora de sua cidade por décadas, volta e se especializa em doces!... Torna a vida açucarada, ela, que tantas amarguras sofrera.
Esta mulher nos deixa um legado de exemplo e de compreensão de vida extraordinário. Basta lermos sua obra e entenderemos porque ela mesma, no declínio de sua existência, passa a se definir como "guerreira, mulher-terra, autêntica, sertaneja, livre, rude, turbulenta, positiva, lutadora, pacífica, mulher- operária..."
" ...Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha tulha de barro..."
E, a meu ver, um grande estímulo àqueles que desejam ser felizes de fato! Não se deixou abater pelo sofrimento. Não permitiu que o ressentimento invadisse sua alma. Reagiu à altura, enveredando pelo caminho da Arte, escrevendo beleza e transmitindo, sem pretensões, sua sabedoria a todos nós.
"PELA MINHA VOZ CANTAM TODOS OS PÁSSAROS, PIAM AS COBRAS
E COAXAM AS RÃS, MUGEM TODAS AS BOIADAS QUE VÃO PELAS ESTRADAS
SOU A ESPIGA E O GRÃO QUE RETORNAM À TERRA.
..."
* Comentário do poeta Drummond, em carta a Cora Coralina, em 7 de outubro de 1983
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