O cabelo, como paina, contornava o rosto miúdo de expressão faceira, dando-lhe um ar de senhorinha. Mas os finos brincos eram dependurados, alegres , combinando com os olhinhos espevitados.
O sorriso, sempre presente, apenas um pouco contido, pelo constante frear nos cantos da boca pequena.
De mãos finas e delicadas, imaginei que ainda trabalhassem em algo artesanal. Seus gestos acompanhavam a fala, com extrema suavidade.
Dava gosto ouvi-la e observá-la. De uns tempos pra cá, gentileza, respeito, mansidão são atributos raros.
Portanto, já que nos sentamos lado a lado, nas cadeiras de um laboratório a esperar resultados de exames, não poderia perder a oportunidade de prosear com ela.
Aos poucos, foi revelando as atividades e a vida. Viúva recente_ o que lhe causou certa emoção ao relembrar, um casal de netos já adultos e uma filha. Seu maior prazer ? Tricotar, ponto a ponto, sapatos de lã para aquecer os pés de pessoas em tratamento de câncer.
E fui me encantando...
"Ultimamente", revelou-me como um segredo, "o dinheiro andava bem curto e já não conseguiria fazer tantos chinelos como antes se os netos não a socorressem." Não pedia muito, mas, devagar, insinuava:
"_ Meu neto, você quer ser abençoado, não quer?"
E com a resposta afirmativa, prosseguia:
"_ Então, colabore, pague, pelo menos ,um novelo de lã. Cinco reais serão suficientes!"
Conseguia, com seu jeito terno, amealhar mais. Um dia, cinco, noutro, dez, a neta deu-lhe cinquenta e ontem recebeu do neto cem reais! E como estava feliz por isto!
Seus olhinhos miúdos brilharam ao fazer-me tais revelações. E disse-me mais. Contou-me , com alegria, que há um bom tempo é reikiana, nível três. Isto explica a sua conduta: logo que termina de criar um par de sapatos de tricô, reza com as mãos estendidas sobre ele, pedindo a Deus que o abençoe a fim de que aqueça os pés e o coração da pessoa necessitada que irá recebê-lo.
Sensibilizada, agradeci por ter me contado tais coisas , pois me fizeram um bem enorme. De imediato, retribuiu o meu comentário e, olhando-me com atenção e carinho , disse-me que eu era muito bonita. Agradeci mais uma vez e nos despedimos. Nossa conversa foi banhada por uma brisa de fraternidade e entendimento.
Admirável mulher, de oitenta e quatro anos, com energia amorosa suficiente para se debruçar aos menos favorecidos , com perfeita naturalidade.
Esta é a verdadeira poesia, intrínseca ao ser humano que aprendeu a ouvir-se e a refletir sobre o que vale a pena ser vivido.
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