segunda-feira, 11 de julho de 2016

GERTRUDES

 
     Sentei-me ao lado daquela senhorinha de aparência frágil. Apresentava-se com sapatos baixos dourados, a pequena bolsa escura trazida displicentemente a tiracolo,  saia plissada cor-de-rosa e blusa de mangas compridas com grandes listras horizontais em preto e branco.
     O cabelo, como paina, contornava o rosto miúdo de expressão faceira, dando-lhe um ar de senhorinha. Mas os finos brincos eram dependurados, alegres , combinando com os olhinhos espevitados.
    O sorriso, sempre presente,  apenas um pouco contido, pelo constante frear nos cantos da boca pequena.
    De mãos finas e delicadas, imaginei que ainda trabalhassem em algo artesanal.  Seus gestos  acompanhavam a fala,  com extrema suavidade.
    Dava gosto ouvi-la e observá-la. De uns tempos pra cá, gentileza, respeito, mansidão são atributos  raros.
   Portanto, já que nos sentamos lado a lado, nas cadeiras de um  laboratório a esperar resultados de exames, não poderia perder a oportunidade de prosear com ela.
     Aos poucos, foi revelando as atividades e a vida. Viúva recente_ o que lhe causou certa emoção ao relembrar, um casal de netos já adultos e uma filha. Seu maior prazer ? Tricotar, ponto a ponto, sapatos de lã para aquecer os pés de pessoas em tratamento de câncer.
     E fui me encantando...
     "Ultimamente", revelou-me como um segredo, "o dinheiro andava bem curto e já não conseguiria fazer tantos chinelos como antes se os netos não a socorressem." Não pedia muito, mas, devagar, insinuava:
"_ Meu neto, você quer ser abençoado, não quer?"
E com a resposta afirmativa, prosseguia:
"_ Então, colabore, pague, pelo menos ,um novelo de lã. Cinco reais serão suficientes!"
     Conseguia, com seu jeito terno, amealhar mais. Um dia, cinco, noutro, dez, a neta deu-lhe cinquenta e ontem recebeu do neto cem reais! E  como estava feliz por isto!
     Seus olhinhos miúdos brilharam ao fazer-me tais revelações. E disse-me mais. Contou-me , com  alegria, que há um bom tempo  é reikiana, nível três.   Isto explica  a sua conduta: logo que termina de criar um par de sapatos de tricô, reza com as mãos estendidas sobre ele, pedindo a Deus que  o abençoe  a fim de que aqueça os pés e o coração da pessoa  necessitada que irá recebê-lo.
     Sensibilizada, agradeci por ter me contado tais coisas , pois me fizeram um bem enorme. De imediato, retribuiu o meu comentário e, olhando-me  com  atenção e carinho , disse-me que eu era muito bonita. Agradeci mais uma vez e nos despedimos.  Nossa conversa foi banhada por uma brisa de fraternidade e entendimento.
     Admirável mulher, de oitenta e quatro anos, com energia amorosa suficiente  para se debruçar aos menos favorecidos , com perfeita naturalidade.
     Esta é a verdadeira poesia,  intrínseca ao ser humano que aprendeu a ouvir-se e a refletir sobre o que vale a pena ser vivido. 




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