sábado, 4 de março de 2017

SÓ MESMO DRUMMOND

     Se você é avesso à festa mais popular, o carnaval, e não planejou viajar, na certa optou por atividades variadas, principalmente se mora num bairro agitado como o meu.
     Ipanema era um paraíso, até há bem pouco tempo.  Mesmo sendo um bairro praiano, parecia uma cidade interiorana, com a banca de jornais e o mercado  sempre abertos. Tinha um ar leve, gostoso, logo de manhãzinha. Experimentávamos um frescor, um não sei o quê de puro, de imaculado, além das cantorias dos pássaros.
     Aos pouquinhos, foi sendo transformado. O avanço da modernidade pesou. Na praça Nossa Senhora da Paz, por exemplo, víamos aves de várias espécies que ficavam, à beira do lago, limpo e sereno. Socós, patos, marrecos, garças, savacus, martins-pescadores... Uma riqueza, pra ser observada e protegida.
( Biguá / Phalacrocorax brasilianus)
     Mas não adiantou nem mesmo a interferência de políticos influentes , bem intencionados, como, por exemplo, Gabeira, que comparecia a todos os eventos em prol da Praça.


    E por que isto? Porque teriam   que cortar dezenas de árvores seculares para uma nova estação do metrô ser criada.
( Savacu / Nycticorax nycticorax)
     Mobilizamo-nos. Mas outros interesses  prevaleceram e perdemos assim o contato com aquela belezura natural.
     Já na Praça General Osório , também construíram uma outra estação, mas do lado de fora da praça.Fica na calçada e quando foi inaugurada era um monstrengo, de tão feia! Não sei se reclamaram, o que aconteceu, o fato é que a demoliram e construíram outra, transformaram a estação e ela agora não é mais tão horrorosa.
      Acredito que seja desnecessária, pois na esquina em frente, das ruas Visconde de Pirajá e Jangadeiros fizeram outra! Menor, mais simples, uma boca do inferno nessa época de carnaval.
     Mas, voltando ao assunto inicial... Em quais  atividades  você se debruça quando está em casa? Fica mesmo só deitado, como uma amiga minha? Ou lê? TV é o lazer preferido? Ou você é um daqueles que gosta de aprender  e sempre faz cursos, pesquisa na internet... Se , como eu, aprecia a arte da escrita, ninguém consegue tolhê-lo! Pintura, artesanato, pegar um sol, dar um mergulho, enfim, existe uma infinidade de possibilidades.
     Ficar parado, parado mesmo, só se estiver adoentado. Aí não tem jeito. Mas mesmo assim, pode ouvir alguma música. Ou conversar com alguém, dependendo da situação.
     Conheci, nos meus dezessete anos, num hospital, onde fui submetida a uma cirurgia, uma senhora que tinha amputado as pernas. Chamava-se Olívia. Terna e educada, logo nos afeiçoamos e nos tornamos amigas. Além deste drama, ainda estava com uma doença grave no intestino, aquele mal que aprendi a não pronunciar o nome. Só mesmo Drummond pra fazer um poema extenso ( Versos Negros(Mas Nem Tanto)), repetindo a palavra maldita dezenas de vezes, em mais de uma dezena de estrofes...

" Ao levantar, muito cuidado, amigo.
Não ponha os pés no chão. Corre perigo
se há nylon no tapete: ele dá câncer.
                                                                            ...
À hora do café, não seja pato,
pois tanto açúcar como ciclamato
e xícara e colher, sorry: dão câncer.
...
Páre de trabalhar, enquanto é tempo!
Mas evite o lazer, o passatempo,
que no jardim da folga nasce o câncer.
..."

    Depois que deixamos o hospital, certa tarde , fui visitá-la. Lembro-me bem... recostada num grande travesseiro, de peruca, as unhas feitas, uma leve maquiagem dava um tom saudável ao seu rosto cansado, mas que ela insistia em orná-lo com um leve sorriso! Sempre a sorrir e a expressar delicadeza em seus gestos.
    Como se não bastasse , o destino ainda a feriu com mais um desgosto: seu esposo, com a mesma doença, falecia noutro hospital, longe dela, em virtude das circunstâncias. Seu ambiente era penoso:o filho trabalhava o dia inteiro e ela tinha a companhia de sua nora, uma mulher árida, rude, dura, que cheguei a conhecer, num destes encontros.
     Dona Olívia deixou-me uma marca: Aquela mulher podia escolher o semblante carrancudo, não querer visitas a importuná-la, abandonar-se na cama de qualquer jeito. Não! Simples, disse-me com naturalidade, quando a encontrei de costas apoiadas no espaldar da cama, a escolher feijões: "Cato feijão para ajudar à empregada" .  Ainda que seu sofrimento fosse enorme, ela usava os minutos da vida colaborando, se ocupando e... sempre sorrindo.
     E lia, lia muito. Até me ofereceu um exemplar em que  falava sobre a atitude positiva que devemos manter na nossa vida, aconteça o que acontecer! Que pessoa maravilhosa! Não só se instruía, como também vivia aquilo em que acreditava.
     Deixar um exemplo  tão bom como este e, por isso, ser  inesquecível  para alguém, soa como bênção no caminho.
    
    
    
    

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