sábado, 13 de janeiro de 2018

"V" DE VITÓRIA

    

 
     Deixei pra trás a preguiça e fui caminhar!... Tomei do novo chapéu, arranjei-me com a bermuda antiga  e a camiseta de sempre, tênis pra variar... Ah! e a pequena pochete que quase não marca presença...
     O dia nublado e o calor forte tornavam pesadas as pernas. Mas vida sedentária já basta! Rumei ao Arpoador, pequeno pedaço do
paraíso, espetáculo da natureza ao final de Ipanema. Pedras, plantas exóticas, jangadas à vista, aves e mar, muito mar!...
     O movimento era grande e às dez da manhã isto não é comum. Mas na cidade do Rio de Janeiro e, principalmente na zona sul, há turistas de todos os cantos.
     Sentei-me, folgadamente, num banco de ferro pintado de amarelo, com uma parte alta, de muito mau gosto, como uma homenagem a Millôr Fernandes. A maresia já devora a pretensa escultura ou seja lá o que for. Está feia, mal ajambrada e, mesmo assim, algumas pessoas teimam em fotografar ali.
     Passei a admirar os surfistas corajosos, as aves marinhas volteando perto, os sabiás, as viuvinhas. Delicio-me a apreciar a natureza. O mar estava incrível e arrependi-me de não ter me prevenido com o biquíni.
     Repentinamente, senta-se ao meu lado uma jovem com um bebezinho no colo e um garoto espevitado e alegre dos seus oito anos. Zelosa, orientou o menino: " Meu filho, fique olhando pra mim, porque não vamos demorar, mode tenho que cuidar da sua irmã..."
     A palavra e o leve sotaque nordestino revelaram a sua origem. Puxou conversa e, a princípio, dei corda... Eram da Paraíba, de João Pessoa.  Lembrou-se da mãe, muito mais do pai que ensinou-lhe o respeito e a honestidade. Contou casos da família, dos tempos de escola, da professora  e passei a escutá-la com atenção.
     Falava muito bem, acertava nas metáforas de maneira incomum.
     Recentemente a casa da sua avó foi assaltada e "até o botijão de gás levaram", disse-me com inquietação. Concluímos que a violência não está restrita às grande metrópoles. Sua avó mora no interior, numa cidadezinha antes pacata, com poucos habitantes. E, por lá, a violência a cada dia se faz presente.
     Ela não parava mais. Em seu discurso longo, o ponto final, as reticências , até a vírgula, não mais cabiam. Era um atropelo só! Levantou-se! Começou a falar da filha que completara dois meses,  das dúvidas sobre a escolha do nome e da confirmação divina pois nascera com  o "V" de Vitória, em forma de sinal, no ventre. Era esse o seu nome: Maria Vitória.
     Entusiasmou-se. Pegou a criança agitadamente, abaixou-lhe a fralda para me mostrar o tal sinal. Distraiu-se.
      Olhei para o mar... "Cadê seu menino", perguntei-lhe, um tanto preocupada. Ela voltou-se e o viu, mais adiante, perto já de uma grande onda. Mas ele saiu-se bem... Ela, afogueada, voltou-se pra mim e continuou: "Pera aí, deixa eu falar... " com os olhos girando, empolgada.
     Levantei-me, ainda conseguia manter a tranquilidade, apesar de toda aquela avalanche inesperada da falante  e dei um palpite: Compre um caderno e escreva. Você elabora bem os seus pensamentos(era uma torrente de ideias!) e deve deixa-los no papel.
     Ela ainda tentou retrucar, mostrando certa timidez com um sorrisinho lhe escapando dos lábios finos, dizendo que tinha estudado pouco na roça, mas não me convenceu. 
     Afinal, não é assim que nós, pobres mortais, que nos lançamos à deliciosa aventura da arte da escrita, fazemos?
                             
" ...
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
...
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
..."
(Manuel Bandeira, A Estrada)
 

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