terça-feira, 23 de julho de 2013

O INESPERADO

    O cansaço já tomava conta de mim, lentamente. O tempo chuvoso, as manifestações de caráter político na cidade, a volta com o coração apertado de tanta saudade, tudo isso colaborou para que acontecesse um imprevisto.
    Chegando no aeroporto ao retornar da minha viagem à Bahia, entrei, como de costume, na fila da espera de táxi; porém, percebi que a fila não andava... não havia sequer um carro! Depois de transcorridos uns vinte minutos aproximadamente, perguntei aos rapazes que controlavam a espera e eles me falaram, então, dos movimentos que havia na cidade e, que, por isso os táxis ainda não tinham chegado. " Problemas no trânsito", dissera-me  um deles.
    Mas quando vi, no outro lado, um  estacionando, não tive dúvidas: aproximei-me  e indaguei se podia me levar para casa. O taxista, um senhor de aparentemente uns cinquenta anos, alto, meio gordo olhou-me de alto a baixo e perguntou qual o bairro.
    Depois da sua aquiescência, nos acomodamos e eu estava particularmente um tanto preocupada , pois trazia um quadro bem grande, presente da minha filha pelo meu aniversário. Este quadro tinha sido arquitetado por ela com muito carinho. É composto por algumas fotografias de flores tiradas por mim, escolhidas a dedo e dispostas com arte, envolvidas numa moldura especial. Portanto, todo o cuidado seria pouco para que não se fragilizasse. Durante a viagem de avião, A TAM cumpriu seu dever com correção. Protegeu o quadro que veio todo embrulhado com papel bem forte e, além disso, envolvido por lâminas de isopor. Restava agora o cuidado do taxista.
    Minha atenção maior era para com ele. A mala foi atrás, como de costume  e o quadro foi colocado na vertical, bem ao meu lado. A pequena bolsa preta no colo e a mochila verde,  que trazia a minha inseparável Canon , veio bem juntinho a mim, colocada no banco  no meu lado direito, com algumas guloseimas típicas da Bahia.
    Durante todo o trajeto este senhor colocou-me a par dos grandes movimentos aqui no Rio, suas consequências, o atravancamento no trânsito, a corrupção que assola o país ... E discorria sobre o comportamento equivocado do povo. Trabalho era a sua palavra de ordem!  E se anunciava como exemplo. Trabalhador, honesto, disciplinado, enfim, teria qualidades das quais muito se orgulhava.
    Confesso que, a princípio, até me distraí; mas, depois de algum tempo, aquele tagarelar começou a me atordoar um pouco. Queria o silêncio por alguns momentos; queria olhar a Lagoa sob a chuva fina, queria poder estar comigo somente. Mas aquele insistente derramar de palavras combatentes me impediram.
    Até que senti-me aliviada, pois tínhamos finalmente chegado. Paguei o que lhe devia, saltei, ele retirou a mala_ e eu sempre atenta para que retirasse o quadro com delicadeza; retirou o quadro comigo ao lado pedindo-lhe cautela! O porteiro, pressuroso, veio ajudar. E nos despedimos.
    Cheguei no apartamento ainda atordoada com tantas questões levantadas.  E foi então que percebi a ausência da mochila onde trouxera a máquina fotográfica!
    Até os dias de hoje_ e já se passaram uns quarenta dias, sinto saudade daquela que era minha companhia nos passeios solitários que vivenciava pelos jardins, pelas praias, pelas alamedas floridas, pelas ruas. Sinto sua falta. Com ela, registrei muitos momentos felizes, o nascer de flores, as ondas tocadas pelo vento, as árvores, as pequeninas plantas, os bichos, os pássaros, o nascimento de meu neto, o sorriso de minha filha.
    Há toda uma diferença entre o discurso e o ato. Falou tanto aquele cidadão em correção , educação e honestidade. No entanto, perdeu uma bela oportunidade de exemplificar tudo aquilo  que dissera. Resta-me agora o exercício do desapego...




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