O mundo é frágil
E cheio de frêmitos
Como um aquário..."
(Mário Quintana)
"__ Tia Sylvia! Tia Sylvia!..." Era assim que as crianças do Orfanato, quando me viam saltar do ônibus, no outro lado da estrada, gritavam com ritmo como se fora uma canção. E era com esta euforia que me recebiam todas as vezes que ia lá, geralmente uma vez por semana.
O motorista olhava aquela gurizada manifestando tamanha alegria e sorria. Eu, meio acanhada, jovem tímida, saltava do ônibus também sorrindo e atravessava aquela estrada poeirenta e quente de Jacarepaguá.
O portão se abria__ como a porta do Paraíso e as crianças__ como anjinhos travessos cercavam-me , abraçando-me, falando sem parar. Ia cheia de sacolas e livros e presentes e guloseimas e o meu coração vibrava.
Eram órfãos , ou, então, abandonados. Havia casos de mães que pediam para que os socorrêssemos, pois não tinham condições de criá-los. Ali encontravam segurança, alimentação farta, roupa, calçado, estudo e muito, muito amor.
Lembro-me de uma menina dócil, delicada, que chegou com uns dois anos. Fora deixada pela mãe. Pele muito branquinha, cabelos negros cacheados e um par de ternos olhos negros que nos comovia. Nunca mais a mãe voltou para buscá-la.
Apiedávamo-nos de todos. Eram tão carentes! Tão assustados! Tão necessitados de cuidados e de atenção. De amor. Todos nós precisamos de amor. E quando oferecemos , sentimos o coração pleno de alegria borbulhante e, ao mesmo tempo, de uma paz crescente. Esta será a maneira de sermos felizes?
Um dia, ao chegar no abrigo, um conhecido nosso nos pediu ajuda para solucionar alguns casos de meninos recém acolhidos que nunca tinham sido vacinados. Enchi-me de coragem e fui de ônibus com aquele grupo ao posto mais próximo da região e a situação foi regularizada. Aquela viagem tornou-se uma aventura, pois ainda não os conhecia; portanto, sair com eles, enfrentar uma condução pública e confiar na sua obediência foi um grande desafio.
Cheia de planos, de ideias de brincadeiras cheguei ao orfanato certa vez. Ao lado do prédio onde estávamos, havia um terreno grande e uma árvore alta e muito frondosa. Nesta árvore, um balanço de corda. Eu e toda aquela criançada empolgada, felizes fomos para lá. Mas não podia dar certo mesmo. Estavam todos muito agitados. De repente, uma das crianças caiu do balanço e bateu com a cabeça no chão. Sentindo muita dor chorou e gritou e gritou... Atordoada, fiquei meio sem ação.
Mas a Providência não falha! Naquele momento, um amigo chegou, dirigindo um veículo grande. Uma Kombi. Levou a criança para o Hospital e tudo foi solucionado.
Corremos o risco de um imprevisto assim quando lidamos com muitas crianças.
Minha mãe colaborava bastante para que as visitas fossem momentos de muita alegria. Não deixava por menos. Uma vez chegou a fazer pipoca, colocar em saquinhos para que a molecada vibrasse de contentamento. Afinal, qual criança não gosta de pipoca?
Balas eu não levava ' para preservarem seus dentes', explicava, quando me pediam. Ajudava-os nas lições da Escola e, muitos finais de semana passei ali, vigiando durante a noite. As menores, se precisassem de auxílio e as maiores para que não fossem namorar escondido. Davam trabalho, claro, mas sempre nos respeitavam e procuravam compreender que as nossas atitudes eram para o seu bem estar.
Quando, já casada, grávida eu continuei esta pequena parcela de colaboração, uma funcionária muito querida levava-me, por iniciativa própria, um copo de leite, antes de deitarmos. Quanto carinho e preocupação!
Estes são alguns momentos em que vivi a esperança e a pureza junto às crianças órfãs; meu carinho era esperado com ansiedade e o que eu recebia em troca era um amor tão grande, tão lindo, tão renovador que guardo vivas até hoje comigo estas lembranças. Cada vez que eu me recordo deles e daquela época eu renovo também o meu coração.
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