quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

SEM PEDIGREE

     Acordei cedinho e logo decidi. Peguei a nova canga colorida, a mochila cor de areia, vesti o biquíni (na realidade, do biquíni, gosto de usar somente  a parte de baixo e sempre estampado, pois  esteticamente diminui as proporções do quadril abrasileirado... e um top de cor única), joguei por cima a saída uv-line, calcei as sandálias esportivas (muito melhor pra caminhar, do que ficar arrastando  havaianas) e meus óculos escuros pra arrematar o figurino!
     O ar ainda fresco, o sol prometendo calor. O mar estava para peixes! E pras sereias, claro. As balzacas, pois as jovenzinhas ainda sonham em suas camas macias.
     Fui logo pro mar! Que movimento intenso era aquele das gaivotas e das fragatas? Pra lá e pra cá, iam e vinham, agitadas, com fome! Voando baixo, chegavam até  o final do Leblon e quase desapareciam nos ares; então, retornavam, fazendo círculos em nossas cabeças. Que momentos  mágicos! Mergulhavam, certeiras, nas águas que refletiam os azuis puríssimos e, assim como o poeta, " o azul me descortina para o dia." Ao longe, outros tons, verdes e lilases, invadiam o   horizonte silencioso.
     Vi, assim que entrei nas águas suaves,  cardumes de peixes pequeninos e coloridos  de verde metálico. Lembrei-me de Manoel de Barros: " Escuto a cor dos peixes".
      Foi demais! A natureza sempre me surpreende e me encanta. Fiquei ali, por minutos, parada, estática,  completamente hipnotizada pelo delicado movimento das águas, seus murmúrios  quais mantras e pelos cardumes que seguiam a cadência das ondas, como dançarinos. Iam de encontro uns aos outros, sem perderem o ritmo, absolutamente no compasso.
     Trouxe comigo estas imagens e sensações de vida.  À nossa frente, os mergulhos irreparáveis das grande aves do mar a todos embeveciam. Voltei para a areia e relaxei sobre o pano estendido.
     Porém, em  instantes, percebi uma voz destacada. Prestei atenção. Levantei o boné do rosto e vi um homem que trouxe o seu cão para se banhar..." Será que desconhece as regras? Será que não sabe da Praia do Diabo, ali pertinho, logo depois do Arpoador, onde a presença de cães é permitida? " pensei.
     Passei a reparar na cena nova, cujo cenário, ainda deslumbrante, tremeluzia ao nosso olhar sensível. O rapaz chegou perto de um banhista que estava sentado, a apreciar toda aquela belezura, sossegado, mas que  teve que ouvi-lo. Ele falava alto, gesticulava muito. Discorreu o tempo todo sobre o cachorro! O outro,  calado, só meneava a cabeça, concordando. Uma ou outra vez, pronunciava pequenas exclamações: "_Ah!", " É?" " Sei!"...
    Contou que seu cão era um pastor-alemão, encontrado depois de muita procura num dos melhores canis de são Paulo, que é extremamente raro pois é negro, que o veterinário é um dos melhores  e fica em Petrópolis, que só come ração indicada, que é muito desenvolvido e inteligente para a idade dele, pois só tem três meses e cinco dias! E novamente pensei:" Que mimo de rapaz, quanto amor ao animal..."
     Com sua bermuda branca extra larga  de tactel o cara continuava sem parar, porque quando parava de conversar com o outro homem, ele falava com o cão, tentando fazer com que se exercitasse nas águas do mar, o que justificava dizendo que era bom para a desenvoltura dos músculos.
     O homem, cá pra nós, era esquisito. Mas resolvi desistir de qualquer julgamento antecipado. Observamos somente, eu e Célia,  com quem depois conversei. Mais atenta,  ela revelou-me , assim que foram embora _o homem, com um longo cigarro  no canto esquerdo da boca e o cachorro cheio de areia pelos rolamentos insistentes que fizera_  que ele pegou o coco na grande lixeira próxima da COMLURB( havia lixeiras por toda a praia )  para o cão brincar; mas na hora de ir embora, deixou a casca da fruta no chão, sem nenhuma preocupação.
     Logo vi!  Aquele estardalhaço todo disfarçava, na realidade, o deseducado cidadão, sem nenhum pedigree...
Rações importadas, vitaminas , veterinários de renome, classificação de raça... o pobre cão queria mesmo  saltitar, andar à toa como os passarinhos, sentar e admirar as fragatas, correr, livre, a perseguir pombos,  queria mesmo era mil vezes  rolar  na areia grossa da praia...
 
 

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