domingo, 8 de outubro de 2017

ENREDO DE FELICIDADE

     Se a tristeza me ronda... escrevo; se é a alegria que irrompe no coração... escrevo; se nem a alegria , nem a tristeza me procuram... escrevo. Feliz passatempo que , ao longo da vida, tenho cultivado.
     A caminhada costumeira até o mar, cedinho, me faz muito bem. E mesmo me arriscando a ouvir tiroteios inesperados, ainda mantenho este hábito salutar. Hoje não foi diferente. Procurei uma cadeira banhada pelo sol num quiosque e lá fiquei.
 
 
 
 

     Um funcionário ajeitava tudo, colocando as mesinhas de madeira envernizadas e as cadeiras do conjunto harmoniosamente arrumadas. Senti-me um tanto constrangida, já que não tinha pedido o côco de sempre.
     Mas a manhã reservou-me uma surpresa. E das boas.
     Olho para o lado e o vejo trazendo um côco para mim! "Não precisa pagar" adiantou-se ele. " Este é por conta da casa."
     Agradeci, perplexa, tentei recusar, mas foi em vão. A gentileza foi feita. Restou-me agradecer e saborear.
     Sol e água de côco combinam. Mar à vista, brisas, gaivotas, cheiro de mar... Um enredo de felicidade.
     Levantei-me depois de tornar a agradecer e peguei o caminho de volta até chegar a uma cafeteria movimentada. Famílias, casais, crianças, cães. Uma suave alegria era o clima quase contagiante. Mas nessa etapa da vida, observamos. Não nos contagiamos tanto assim. Observei.
     Extravagâncias, estardalhaços da meia idade, crianças ainda sonolentas, velhinhos destemperados, garçons atenciosos e lentos. Mendigos se aproximaram, atrevidos. Uma senhora com um cão o alimentava  igualmente: pãozinho com manteiga molhado no leite, pedacinhos de pastel de nata, lascas de queijo. Conversava com ele que, impaciente, abocanhava os petiscos.
     Retornei do passeio pra casa, o coração dava mostras de cansaço.  E me detive comparando o dia de hoje com o  de ontem,  quando fiz exames numa clínica conceituada.
     Entro no vestiário, saio do vestiário, espero no corredor, vou ao banheiro, saio do banheiro, rumo para a sala do exame. Por um bom tempo um barulho estrondoso  quase dilacera o nosso cérebro! Mas sobrevivemos! Saio da sala, meio tonta, vou ao banheiro, saio do banheiro, aceno ligeiramente para uma senhora sentada, já com o seu jaleco para o exame, entro no vestiário.
     Muito lentamente e com atenção máxima volto a me vestir. A cabeça zonza. Consigo sair do pequenino compartimento vestida como antes. O lenço esvoaçante agora levo nas mãos. O gloss para os lábios não deixo de passar, recurso para um up ao rosto um pouco abatido.
     Atordoada ainda, sentei-se numa cadeira do corredor e iniciamos uma ligeira conversa com a paciente que ali estava. A fala fluía, solta, quando percebi que estava sem o meu anel. Tinha certeza de ter saído de casa com ele!
     A paciente sorri e conta-me_ creio que para amenizar o meu embaraço, que também perdera trezentos reais nesta semana.  Disse-me ela, num tom desanimador:" É assim mesmo, perde-se e não se sabe como..."
     Procuro aqui e ali, entro no vestiário, no banheiro e nada. Falo com a jovem recepcionista que  sorri, enigmática  e diz com displicência..." Não, senhora, não vi, ninguém me entregou nada."
     Pois como sumira assim? Confesso que me afligi um pouco. Este era um anel especial. Tinha um significado para mim. Então, calma mas resoluta decido que vou falar com a supervisora.  Escancaro a minha resolução. Pergunto onde fica a autoridade? Em que andar a encontro  e qual o seu nome?
     " Há muitas", responde-me ela, num tom apreensivo.
     E quando me despeço ligeiramente e rumo ao elevador, sua voz revela-me: " Senhora, por acaso é este o seu anel? Estava aqui, na mesa..."
     Abracei-a, num ímpeto, comovida! Não percebi seu calor humano, somente uma frieza desconcertante em uma estampa calcificada num fiapo de sorriso.
     Acenei novamente para as pessoas que esperavam(agora já eram duas)e saí da clínica com o lenço de seda cor-de-rosa, adornando o meu colo, esvoaçante, ao sabor da brisa fresca da primavera.
    
    
    

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