domingo, 6 de maio de 2012

PAGANDO O PATO

     Cheguei à praça na hora combinada.
    Toda bonita, usando um sóbrio terninho e sapatinhos de salto mediano, minha amiga já nos aguardava. Conversava animadamente com o guarda. Uma praça pública precisa mesmo de proteção do Estado. 
    Abraçamo-nos, entusiasmadas. Afinal, seria mais um encontro do Semeando Poesia!
    A tarde estava serena,o céu límpido, azuis definidos, brisa suave...Perfeito o cenário. O local na praça eu já tinha escolhido no dia anterior, quando me dispus a ir até lá para ver o ambiente.Assim,localizei o espaço ideal para nos juntarmos em torno da Arte. Havia uns bancos num recanto um pouco sombreado, porém claro e luminoso.
    Então,logo depois que nos abraçamos, vimos uma cena dantesca! Um homem atordoado socando repetidas vezes um pato. Mirava a sua cabeça proferindo palavras agressivas e,ignóbil, acertava-o. Não nos contivemos. Olhamos sem entender, a princípio, a tal cena e,quando percebi, rapidamente minha amiga dirigiu-se para o desconhecido. Fui atrás dela, ainda confusa.Agora eu me preocupava com o pato e com Déa. 
    Minha amiga é de uma aparente fragilidade e sincera boa-vontade. Ingênua, acreditava que, com o seu discurso bondoso e franco, fosse demover aquele cruel coração do seu insano comportamento.
    Senti, ao aproximar-me, que ali havia uma multidão. Aliás, além deste homem, ao seu redor, figuras estranhas, criaturas desconcertantes olhavam, admiradas, para aquelas duas senhoras defensoras da ave! E com uma coragem nascida da indignação. E, em mim, a indignação era dupla, pois logo percebi a intenção malévola dos que nos cercavam.
    Como figuras quixotescas lá estávamos nós, praticamente à mercê dos ventos e com a arma do amor. E como o amor a toda intempérie vence, o desafio foi vencido, após uma dura batalha!
    O desajustado pediu cinquenta "contos" em troca da vida do bicho. Minha amiga, com o semblante tão puro e casto quanto o da Virgem Maria, tirou do bolso da calça uma nota de vinte reais , sussurrando: __"Moço, é tudo o que eu tenho comigo agora..."
    Ele deu um salto e meu coração disparou! Pensei rápido:"Pronto, é agora que o assalto se concretiza!" 
    Quando chegou bem pertinho dela, pegou o dinheiro e queria mais. Então, naquele minuto decisivo o repreendi com  a autoridade que imaginei ter  e seus olhos faiscaram contra mim com tal veemência que, por instantes, vi, ali, uma alma perdida. Porém, mesmo desajustado, aquietou-se, sentou-se e entregou o bicho já marcado pelo sofrimento. 
    A amiga agarrou-se ao pato! E eu, agarrei-me à amiga! Juntos, os três salvos, livres finalmente daquele embrião do demo!...
    Outras pessoas apareciam e chegamos a ser alertadas por um transeunte de que, no alto do morro, que fica dentro da Praça, havia muitos outros malfeitores.
    Minha amiga estava decidida a somente libertar o pato de seus braços quando soubesse para onde levá-lo. E descobriu-se que, nos fundos da Igreja que dão para esta praça, há criação de patos e galinhas!
    Nisso, o pato solta-se e foge para uma plantação espinhosa. Déa se compromete a pagar dez reais a quem pegar o pato e devolvê-lo à igreja. Não faltaram pretendentes, até que um conseguiu realizar a façanha.
    Enquanto tudo isto acontecia, o guarda sumira e o grupo tinha chegado.
    Atônitos,  demoramos a nos concentrar na poesia! Foi difícil iniciarmos. As ideias negativas afloravam. Porém, como sou obstinadamente convicta de que tudo pode ser transformado, tentei lembrar a todos o objetivo do nosso encontro. Que mudássemos o foco do pensamento!
    E assim comecei a ler o lindo poema de Gilka Machado, Sublimação:

O mundo necessita de poesia,
cantemos alto, poetas, para a humanidade;
que nossa voz suba aos arranha-céus,
e desça aos subterrâneos
...

   
         Aos poucos, os ânimos foram serenando. O poder da poesia foi colocado à prova! Ela venceu a violência, a ignorância, o descaso, a crueldade.
   O Semeando Poesia mostrou a que veio: dissipar trevas, alegrar corações, transformar.
Bendita arte!...
       

2 comentários:

  1. Que experiência!!! E haja poesia para limpar o astral!!! Pelo menos, antes de partir, o pato recebeu um abraço de carinho e um olhar amoroso! Que tenha ido em paz, com seus olhares na lembrança!

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    1. Oh, minha filha querida! Pois é... Foi uma experiência e tanto.

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